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As empresas “ouvem” suas conversas. E isso é legal?

Reportagem revela caso de empresas americanas flagradas ouvindo conversas privadas via celular
Se fizer uma reunião sobre temas sensíveis, tire o celular da sala
Se fizer uma reunião sobre temas sensíveis, tire o celular da sala - Freepik

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Ana Busch

Acabei de comprar uma máquina de café dessas de cápsulas e, claro, aprendendo a usar, falei muito sobre sabores e valores. Faz dois dias que minhas redes estão inundadas com postagens patrocinadas sobre cápsulas em oferta, novas opções que acabaram de ser lançadas pela marca, outras empresas que têm cápsulas que posso usar e até mesmo adaptadores para usar cafés de outras empresas.

Parece que tem alguém ouvindo minha conversa. As big techs negam, mas uma reportagem na Revista Superinteressante publicou nesta semana uma reportagem em que relata o caso de duas empresas que foram flagradas fazendo exatamente isso – com direito a anúncio sobre o “serviço”.

Isso é legal? Assinar os termos de compromisso – aqueles que muita gente aceita praticamente sem ler – pressupõe o direito de ouvir suas conversas privadas fora do ambiente digital?

Para responder essas e outras questões o +QD conversou com o advogado especialista em direito do consumidor Fábio Pimentel. 

+QD: Embora todo mundo desconfie que está sendo ouvido pelo celular, nunca as empresas confirmaram isso. Mas esses dois casos nos EUA são um indício de que isso pode estar acontecendo em larga escala. Isso é legal?

Fabio Pimentel: Se houver consentimento do consumidor, sim. A grande questão é que, muitas vezes, esse consentimento nasce viciado, isto é, ele é dado sem que ao usuário da tecnologia seja dada uma explicação clara o suficiente, de forma que ele consiga compreender a extensão do consentimento que está dando.

Em outras palavras, ele não recebe uma justificativa que permita ponderar de maneira racional os riscos em autorizar a captação de som ambiente. Por isso, apesar de haver coleta do consentimento, ele não pode ser considerado juridicamente válido. 

+QD: Os termos de uso podem, então, – dentro da lei – prever a escuta de conversas particulares, fora do ambiente digital?

Fabio Pimentel: Sim, é possível, desde que isso seja explicado de forma clara ao consumidor. O limite à privacidade é imposto pelo seu titular e, para que ele o faça de maneira consistente, é fundamental que ele entenda plenamente as consequências caso decida, por qualquer razão, fazê-lo. 

+QD: Os microfones e câmeras dos dispositivos, sendo hardware, podem estar incluídos nos termos de uso de software? 

Fabio Pimentel: Sim. Os termos de uso, por regra, envolvem o aproveitamento da tecnologia vista de forma ampla, o que pode envolver o funcionamento de hardware e software.

+QD: Existe alguma forma de o consumidor se proteger e se prevenir desse tipo de prática?

Fabio Pimentel: Além de ler com atenção os termos de uso, o que, compreendo, pode ser cansativo e pouco esclarecedor, o consumidor deve sempre verificar nas configurações de seus dispositivos se está dando permissão para que determinado aplicativo faça uso do microfone ou mesmo da câmera.

Esse meio é o mais efetivo, na medida em que permite ao utilizador controlar o uso efetivo da tecnologia. 

+QD: Em caso tão difícil de recolher provas, como quando existe a suspeita de que a publicidade está se utilizando de conversas privadas para direcionar anúncios, existe alguma medida legal cabível? 

Fabio Pimentel: A prova no meio digital é sempre delicada no atual quadro legislativo. Em tese, é possível propor uma ação cautelar de produção antecipada de provas, mas isso depende da assessoria de um advogado, o que acaba onerando o consumidor.

Por isso, a forma mais efetiva de defesa é, sem dúvida, manter o acompanhamento periódico das configurações dos dispositivos e confirmar se nenhuma permissão de acesso à câmera ou microfone foi dada irregularmente.

+QD: Muita gente recomenda cobrir as câmeras dos dispositivos móveis e computadores para evitar espionagem, mas isso é visto por muitos como lenda, embora o cinema tenha retratado essa prática em muitas ocasiões. O consumidor pode evitar, de alguma forma, que as câmeras do hardware sejam usadas para fins que não sejam pessoais?

Fabio Pimentel: Ninguém está livre de ter um dispositivo hackeado e, por isso, tê-lo utilizado de maneira indevida. Por isso, a maneira mais simples e barata de evitar o mal uso das câmeras é utilizar uma proteção física que impeça a visão dela quando não for necessário.

Hoje em dia, diversos notebooks já saem de fábrica com essa proteção, que funciona como uma espécie de “tapa-olho” da câmera.

Uma outra precaução que é sempre válida é não levar telefones para dentro de ambientes em que acontecerão conversas sensíveis.

Nesses casos, é recomendável que os telefones fiquem fora da sala, garantindo assim que a privacidade dos interlocutores seja preservada. 

+QD: Mudando para um assunto correlato, como o consumidor deve agir em caso de ter seus dados coletados – mesmo que mediante permissão – vendidos para terceiros?

Fabio Pimentel: O consumidor deve procurar os órgãos de fiscalização, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), os PROCONs e o Ministério Público.

Todos eles possuem competência para atuar no assunto.

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Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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