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Você faz lobby? Advocacy? Rel gov? Entenda o que está dentro da lei

Embora a atividade de relações governamentais seja uma profissão reconhecida, o lobby ainda gera muita discussão
Para Lucas de Aragão, a tecnologia se transformou em ferramenta fundamental para o mercado de relações governamentais
Para Lucas de Aragão, a tecnologia se transformou em ferramenta fundamental para o mercado de relações governamentais- Divulgação

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Ana Busch

Qual é a primeira palavra que lhe vem à cabeça quando você pensa em lobby? 

Talvez sua resposta seja corrupção. Ou interesses corporativos, ou até mesmo influência, política, articulação ou negociação. Mas o lobby é uma atividade regulamentada em muitos países do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, um dos mercados onde a prática é mais difundida – e também criticada –, existem leis rigorosas que exigem registro e divulgação detalhada das atividades de lobby. Japão, Canadá, Reino Unido, Austrália também têm normas próprias que tornam a atividade legal.

No Brasil, o tema ainda é motivo de muita discussão, embora atividades correlatas como relacionamento governamental, ou rel gov, sejam reconhecidas pela lei. 

Para entender mais sobre esse mercado, as diferentes áreas de atuação, os riscos envolvidos e o futuro dessas práticas, o +QD entrevistou Lucas de Aragão é board member da Nomos, startup que monitora e gerencia dados e informações dos poderes executivos e legislativos de todo o país.

+QD: O mercado de relações governamentais no Brasil ainda é pouco desenvolvido se comparado a países como os EUA, onde existe uma legislação clara. O que é preciso avançar no Brasil em termos de regulamentação para avançar nesse mercado?

Lucas de Aragão: A regulamentação do lobby no Brasil é um tema que há muito tempo é discutido e a gente ainda não chegou a um desenho final. Em vários lugares mundo afora, incluindo Estados Unidos e União Europeia, já existe uma regulamentação, apesar de que no momento existem críticas sobre como ela foi implementada, principalmente nos Estados Unidos.

O primeiro ponto é que o Brasil precisa ficar muito atento a essas discussões para aprender e não cometer os mesmos erros que foram feitos em mercados mais sofisticados. 

Uma questão muito importante em relação à regulamentação do lobby é que em vários lugares pelo mundo, inclusive no Brasil a prática do lobby bem-feito, que é nada mais do que o direito que as empresas, associações e pessoas têm de dar seu argumento e sua visão numa discussão de política pública esse “lobby do bem” é muito é confundido com o “lobby do mal”, que nada tem de legítimo.

O “lobby do mal” é basicamente uma corrupção, seja ela ativa ou passiva. Seja um tráfico de influência por meio de atores públicos, ou seja, pagamentos por vantagens indevidas. 

Então, a gente precisa primeiro depurar o que já é legal no Brasil, que é a capacidade de instituições e pessoas físicas se aproximarem de autoridades e de representantes públicos para defender seus interesses, como já está na constituição brasileira, o direito à petição. 

O lobby ruim precisa ser combatido por meio das instituições de controle de transparência. Então, acho que o primeiro passo é o Brasil observar bem o que é feito no mundo. Segundo, ter uma campanha que mostra exatamente o que é legítimo na defesa de interesse e o que é simplesmente corrupção. 

+QD: Mesmo relações governamentais sendo uma profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho desde 2019, menos de 8 mil pessoas se declaram praticantes dessa atividade. Como isso afeta o mercado?

Lucas de Aragão: Este é um mercado relativamente novo. A gente percebe dentro da Arko, empresa que há mais de 40 anos trabalha na área de relações institucionais e governamentais e análise política, que nos últimos anos esse um mercado ficou muito mais sofisticado, por meio de cursos específicos e associações que promovem o diálogo entre atores políticos e privados que estão na área de relações institucionais. 

O que o mercado precisa fazer para se desenvolver mais é continuar com a troca de informação entre aqueles que já praticam as relações institucionais e governamentais de forma profissional e seguir esse caminho da sofisticação da profissão, aparecendo, buscando uma regulamentação e usando a academia. 

Temos visto nos últimos anos uma série de cursos profissionalizantes, de MBAs, de cursos executivos na área de relações institucionais e governamentais. É um bom momento para este mercado. Existem vários estudos pelo mundo de que o risco geopolítico e o risco regulatório são preocupações reais das grandes, médias e até pequenas empresas.

+QD: Na Nomos, vocês falam em uma diferença entre relações governamentais e lobby, uma atividade mal vista no Brasil. Mas na prática os fins e os meios são os mesmos. No que essas atividades diferem na sua opinião?

Lucas de Aragão: Na área de relações governamentais existem algumas diferenças, como o lobby e o advocacy, por exemplo.  

O advocacy é historicamente uma campanha de opinião pública e política, onde uma determinada empresa ou associação busca mudar a percepção em torno de um tema, utilizando diversas ferramentas.

O lobby é um trabalho um pouco mais específico, que envolve uma mudança de legislação, uma tentativa de mudança de rota numa discussão de política pública, capitaneada por um grupo, por uma associação, por uma empresa, por uma entidade da sociedade civil e às vezes pelo próprio governo. 

As relações governamentais institucionais são um grande guarda-chuva em torno dessas ferramentas, onde você pode ter diferentes abordagens, algumas vezes ao mesmo tempo, como uma campanha de lobby ou uma campanha de advocacy, uma área de monitoramento passiva, ou seja, que não faz nenhuma ação ativa junto aos stakeholders, e simplesmente monitora para evitar surpresas e aumentar a previsibilidade. Ou que faz uma análise política para ter um pouco mais de clareza se algo vai ou não acontecer. 

Então, a área de relações institucionais e governamentais é um grande guarda-chuva dentro dessa interação entre parte interessada e aquele que de fato decide, que pode ser um Ministério, o Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa. Por isso, a área de relações governamentais precisa de uma empresa ou de uma entidade muito bem-preparada para saber quando e de que forma atuar. 

+QD: Como a tecnologia colabora com o mercado de rel gov?

Lucas de Aragão: A tecnologia colabora muito com o mercado de relações governamentais, pois hoje uma empresa ou entidade que tenha interesse em saber o que pode afetá-lo, do ponto de vista político legislativo regulatório, simplesmente não conseguirá, por meio de um trabalho manual, ocupar e monitorar todos os fóruns de discussão. 

O Brasil é um país altamente regulado. Temos 27 unidades federativas, cada uma com a sua assembleia legislativa e com uma grande autonomia. Temos diversos outros fóruns de discussão política, como a Câmara de Vereadores, por exemplo, e até discussões que não são estritamente da esfera política, mas que também impactam do ponto de vista regulatório. 

Isso gera um mar de dados, de bifurcações regulatórias e políticas que podem impactar uma empresa. Por isso, uma tecnologia que monitore sistemas e que consiga fazer um fatiamento dessas informações, entregando só o que importa para identificar o que é risco e o que é oportunidade, é fundamental para conseguir guiar áreas de relações governamentais em torno dos seus objetivos. 

+QD: Quais são as principais fontes de dados de interesse para abastecer esse mercado com informação relevante para a tomada de decisões?

Lucas de Aragão: Isso depende muito de cada empresa ou entidade. Mas no geral, o Diário Oficial da União, para as decisões do poder executivo, o Congresso Nacional no âmbito federativo e logo depois os diários oficiais dos Estados e as decisões do poder executivo de cada um e as assembleias legislativas.  

+QD: Qual é a importância de monitorar a ação de parlamentares?

Lucas de Aragão: O Congresso Nacional está provavelmente no seu momento mais independente, autônomo e atuante da História. Então, saber o que os parlamentares dizem e como eles votam vai gerar um mar de dados que podem reduzir muito a imprevisibilidade das decisões regulatórias que o Congresso Nacional faz. É uma mistura de prever o futuro e observar oportunidades de atuação. 

+QD: Quais são as principais agendas de interesse hoje para acompanhar no Congresso?

Lucas de Aragão: É difícil afirmar quais são as principais agendas de interesse hoje no Congresso Nacional, pois depende da empresa ou da entidade que está olhando esse fórum.

Contudo, o principal ponto é o próprio Congresso, que tem uma vocação muito proativa de discutir grandes temas e até temas periféricos da realidade brasileira. 

Nos últimos dez anos, por exemplo, o Congresso teve papel proativo em mudanças regulatórias em praticamente todos os grandes setores da economia brasileira. Mudanças regulatórias relacionadas ao setor de óleo e gás. Teve papel relevante em discussões relacionadas à mineração, como por exemplo, com mudanças regulatórias para a segurança de barragens.

Vimos a aprovação dos novos marcos regulatórios para cabotagem, para ferrovias, para saneamento. Nos últimos anos há uma discussão muito forte sobre conteúdo fiscal, com a aprovação de um teto de gastos, ainda no governo Temer, com inúmeras mudanças ao longo do tempo e terminando agora, nesse último semestre, com um novo arcabouço fiscal. Além das grandes reformas, como a da previdência e a trabalhista. São diversos temas que alteram a cara regulatória do país. 

+QD: Que mercados atuam de forma mais organizada no Brasil em relações governamentais?

Lucas de Aragão: Alguns mercados atuam de forma mais organizada no Brasil. Gostaria de citar dois. 

O primeiro é o agronegócio brasileiro que é muito pujante, tem uma relevância enorme na economia, no PIB do Brasil, e isso é refletido dentro da sua atuação no Congresso Nacional. O agronegócio é organizado, tem uma bancada muito relevante dentro do Congresso Nacional. Eles se organizam de maneira muito proativa, defendendo seus interesses 

Também citaria o setor farmacêutico, que já está no Brasil de forma organizada há anos, com empresas nacionais e internacionais. Já aprenderam, de maneira muito organizada, como atuar como e dialogar com o setor público. 

+QD: Qual é o perfil do profissional de rel gov que atua hoje no país?

Lucas de Aragão: O perfil do profissional de relações governamentais que atua hoje no Brasil tem mudado um pouco. Até 10, 15 anos atrás, víamos muitos profissionais oriundos da área jurídica ou da área de administração de empresas. Não tínhamos essa proliferação de novos profissionais, vindos da ciência política ou que tiveram exposição acadêmica, a cursos específicos de relações institucionais de relações governamentais e até mesmo de análise política. 

Então, estamos saindo de um perfil que era muito ligado à área jurídica e de administração, com profissionais que muitas vezes já estavam dentro das empresas e acabavam sendo deslocados para as áreas de relações governamentais. Com o tempo e a sofisticação da atividade, o perfil que notamos hoje é de profissionais mais jovens, provenientes de áreas de relações internacionais, de ciência política e que se especializaram com cursos específicos na área de relações governamentais. 

+QD: O que você projeta para esse mercado para os próximos anos?

Lucas de Aragão: Acredito que é um mercado que vai continuar em franca ascensão. É um mercado que paga bem, que permite trabalhar em empresas das mais diferentes áreas, dos mais diferentes setores. Ele pode flutuar dentro da sua carreira em empresas dos mais diferentes setores. É muito comum a gente ver profissionais de relações governamentais atuando em mineração, depois em farmacêutica, depois em tecnologia. 

Então, acredito que este mercado vai continuar aquecido e crescendo, porque o interesse pela política cresce cada vez mais e porque as empresas percebem como as decisões políticas impactam em seus negócios.

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Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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