Suely Tamiko Maeoka
O setor agrícola brasileiro, responsável por uma parcela significativa do PIB nacional e das exportações, enfrenta constantemente os desafios impostos pelas variações climáticas. Secas prolongadas, geadas tardias, chuvas excessivas e outros fenômenos meteorológicos representam riscos substanciais que podem comprometer safras inteiras e a sustentabilidade econômica dos produtores rurais. O seguro paramétrico baseado em índices climáticos é uma ferramenta inovadora de gestão de riscos. Além disso, oferece uma alternativa mais ágil e transparente ao modelo tradicional de seguro agrícola.
O seguro paramétrico oferece uma solução rápida, transparente e eficiente para mitigar riscos climáticos no campo, especialmente diante das mudanças climáticas. Sua adoção pode aumentar a resiliência do agronegócio, garantir estabilidade financeira ao produtor e fortalecer a segurança alimentar no país.
Por que isso importa?
Como funciona
Ao contrário do seguro rural convencional, que exige comprovação e avaliação de perdas reais por meio de perícias, o seguro paramétrico funciona de forma diferente. Ele usa parâmetros climáticos objetivos e previamente estabelecidos. Por exemplo, considera volume de chuvas acumuladas, temperatura, umidade relativa e índices de vegetação obtidos por satélite. A seguradora paga a indenização automaticamente quando atinge o gatilho contratado, sem precisar de vistoria no local.
O tema interessa a produtores rurais, seguradoras, formuladores de políticas públicas, advogados do setor agrícola, além de órgãos reguladores como SUSEP e MAPA. Também é relevante para investidores e empresas do agronegócio que buscam alternativas modernas de gestão de risco climático.
Para quem isso interessa?
O funcionamento é simples e objetivo. Primeiro, segurado e seguradora definem índices climáticos específicos para cada cultura e região. Em seguida, os dados são coletados de fontes independentes, como INMET, estações automáticas, sensores remotos ou imagens de satélite. Por fim, quando o gatilho predefinido é atingido, o pagamento é processado automaticamente, sem necessidade de vistoria no campo.
Vantagens
As vantagens para o produtor rural são notáveis. A principal vantagem é a agilidade na indenização. Ela pode ocorrer entre 24 e 72 horas após o acionamento do gatilho. Isso permite ao produtor rural tomar decisões imediatas, como replantio ou compra de insumos para recuperar ou mitigar perdas financeiras durante o ciclo produtivo. Além disso, há maior transparência e previsibilidade. Os termos contratuais são claros, baseados em dados públicos e verificáveis. Isso elimina disputas sobre a extensão das perdas e reduz significativamente o tempo para resolver sinistros.
Esta modalidade pode ser mais acessível para pequenos produtores e para regiões frequentemente negligenciadas pelo seguro rural tradicional. Por exemplo, atende áreas fora do Zoneamento Agrícola de Risco Climático e propriedades em locais de difícil acesso para perícias. Além do mais, o governo brasileiro incentiva essa modalidade por meio do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Ele oferece subsídios que podem chegar a 45% do prêmio em determinadas atividades e regiões. Isso torna o seguro ainda mais atrativo economicamente.
Desafios técnicos
Contudo, o principal desafio técnico é o risco de base, particularmente relevante na agricultura devido à variabilidade espacial e temporal dos fenômenos climáticos. Este risco se manifesta de três formas. Geograficamente, ocorre quando uma estação meteorológica está distante da propriedade rural e as condições climáticas variam em curtas distâncias. Temporalmente, surge quando os períodos críticos de cada cultura não coincidem com os momentos de medição dos índices. Além disso, por tipo de cultivo, diferentes variedades, tecnologias e práticas de manejo reagem de formas distintas aos mesmos parâmetros climáticos.
No agronegócio brasileiro, o maior desafio para implantar o seguro paramétrico está na adaptação do arcabouço regulatório. Isso envolve a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) e o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). A dificuldade ocorre porque essa modalidade difere fundamentalmente do modelo tradicional de seguro rural.
Desafios legais e de infraestrutura
A legislação brasileira de seguros rurais foi construída sobre o princípio da indenização da perda real, comprovada através de laudos técnicos e perícias agronômicas. O seguro paramétrico, ao pagar com base em gatilhos climáticos independentemente da perda efetiva, cria um desafio jurídico fundamental para seu enquadramento legal.
O Brasil, com suas dimensões continentais e vasta diversidade climática, enfrenta desafios significativos na qualidade e densidade da infraestrutura de dados meteorológicos. A heterogeneidade e, em muitas regiões rurais, a escassez de estações meteorológicas de alta qualidade dificultam a obtenção de séries históricas consistentes e representativas. Esta limitação na infraestrutura de dados agrava o risco de base e torna a modelagem e calibração dos gatilhos mais complexas e custosas, especialmente para culturas e regiões com dados históricos limitados.
A harmonização com programas governamentais existentes como PROAGRO (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária) e o PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural) representa outro desafio regulatório, com questões sobre complementaridade, sobreposição de coberturas e tratamento tributário das indenizações que precisam de clareza regulatória.
A SUSEP e o MAPA enfrentam ainda o desafio de garantir que os produtos paramétricos sejam justos e adequados às necessidades dos produtores rurais, incluindo definição clara de ativo segurável no contexto agrícola, cálculo de reservas técnicas adequadas para riscos climáticos, transparência na comunicação sobre limitações e risco de base, e mecanismos de resolução de disputas específicos para o setor rural.
Educação
A complexidade do conceito de seguro paramétrico e do risco de base exige um esforço significativo na educação dos produtores rurais, técnicos agrícolas e canais de distribuição. A falta de compreensão pode gerar desconfiança e limitar a adesão, apesar dos benefícios evidentes.
As perspectivas futuras para o agronegócio brasileiro são promissoras. O desenvolvimento de tecnologias como sensores IoT (Internet das Coisas) no campo, imagens de satélite de alta resolução temporal e espacial, e modelos de inteligência artificial promete mitigar significativamente o risco de base e melhorar a precisão dos produtos paramétricos.
Por sua vez, em um cenário de mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos, o seguro paramétrico torna-se uma ferramenta essencial para a resiliência do agronegócio brasileiro. E também projetos de lei como o PL 2951/2024 buscam fortalecer o mercado de seguros rurais e aprimorar a gestão de riscos no campo, criando um ambiente mais favorável para inovações como o seguro paramétrico.
Digitalização
Assim, a crescente digitalização do agronegócio brasileiro, com adoção de agricultura de precisão e monitoramento por satélite, cria um ambiente propício para a expansão do seguro paramétrico, que se beneficia diretamente dessas tecnologias.
A aplicação é ampla: para culturas anuais como soja e milho, protege contra secas em fases críticas; para o algodão, cobre chuvas na colheita; e para o arroz, protege contra falta de água em lavouras de sequeiro. Em culturas perenes como café e citros, há cobertura contra geadas e eventos extremos; na cana-de-açúcar, contra seca e excesso de chuva. Na pecuária, pode ser utilizado para monitorar pastagens por índices de biomassa via satélite ou para cobrir riscos em confinamentos.
Desta forma, o seguro paramétrico em índices climáticos representa uma ferramenta poderosa para fortalecer a resiliência do agronegócio brasileiro frente aos crescentes desafios climáticos. Sua capacidade de oferecer indenizações rápidas e transparentes pode transformar a gestão de riscos no campo, especialmente para pequenos e médios produtores.
Contudo, para que esta modalidade atinja seu pleno potencial no setor rural brasileiro, é imperativo que o país desenvolva um arcabouço jurídico e regulatório específico e robusto, que endereça as particularidades do setor agrícola, garanta a proteção adequada do produtor rural, e promova investimentos na infraestrutura de dados climáticos necessária.
Por fim, a plena realização do potencial do seguro paramétrico no agronegócio brasileiro dependerá de um esforço coordenado entre reguladores, seguradoras, provedores de dados climáticos e representantes do setor rural para modernizar o ambiente regulatório e criar as condições necessárias para esta revolução na gestão de riscos agrícolas. Somente com um ambiente legal favorável e uma infraestrutura de dados robusta será possível colher os frutos desta inovação securitária, contribuindo para a sustentabilidade e competividade agronegócio brasileiro no cenário global.