Leonardo Watermann
Às vésperas das festividades de dezembro, a famosa “saidinha de final de ano”, ou saída temporária, ganha destaque nas conversas e debates públicos sobre os direitos dos presos, por toda a controvérsia e insegurança que causa na população.
No Brasil, a prática prevista na Lei de Execução Penal permite que condenados em regime semiaberto e com bom comportamento tenham a oportunidade de passar um período limitado fora das unidades prisionais cinco vezes ao ano e a próxima concessão será durante as festividades de Natal e Ano Novo.
Há uma expectativa neste fim de ano sobre um decreto do presidente Luiz Inacio Lula da Silva, que veta o benefício a presos identificados como integrantes de facções criminosas e condenados por violência doméstica de qualquer tipo – de ameaça à agressão –, preconceito de raça e crimes contra a ordem tributária. A medida é inédita e deve ser aprovada sem mudanças pelo Senado.
Especula-se que possa haver ainda a ampliação da lista de presos beneficiados por questões humanitárias. Seriam réus com deficiência, com doenças graves, idosos, indígenas e pessoas que cuidam de alguém com deficiência.
Mas, independentemente de quem receba o benefício, afinal, o indulto é bom pra quem?
Ressocialização
A “saidinha de final de ano” é uma questão polêmica e complexa, com impactos significativos, tanto no sistema carcerário como na segurança pública. Vista por muitos como uma ferramenta importante para a tentativa de ressocialização dos presos, a modalidade reconhece o princípio fundamental de que a pena deve ser orientada não apenas para a punição, mas para a reintegração social do condenado.
Sempre digo que presos são humanos pagando suas dívidas e que merecem respeito da mesma forma. A ideia é que a oportunidade de passar um tempo com a família, de se sentir parte da sociedade durante as festividades e de estabelecer laços afetivos pode ter um impacto positivo na motivação dos detentos para se reintegrarem à comunidade e evitarem a reincidência. Mas há sérias controvérsias e desafios em relação a esta prática.
Um dos principais problemas é a frequência de fugas durante esse período, por conta da falha do Poder Público no monitoramento.
Muitos beneficiados pelos indultos se aproveitam exatamente disso e, simplesmente, não retornam às unidades prisionais na data marcada.
Falhas
Para se ter uma ideia do que ocorreu na última “saidinha”, no Rio de Janeiro, por exemplo, dos 1.997 detentos que deixaram a cadeia no dia 24 de dezembro de 2022, 393 não voltaram no dia 30 de dezembro daquele ano, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio. Exemplos como esse, que se repetiram em diversos outros estados do país, contribuem para a sensação de impunidade. E onde vai parar a confiança da sociedade em relação ao sistema de Justiça Criminal?
Além disso, o aumento da violência durante as festividades de fim de ano é uma realidade que se repete ano após ano. Com o grande número de detentos beneficiados com a “saidinha”, o potencial de crimes e confrontos violentos nas ruas aumenta e coloca em risco a segurança da população, gerando um dilema moral sobre a eficácia dessa prática.
Descaso
E, apesar desta visível reincidência, é notório que as autoridades públicas não são capazes de tornar a “saidinha de final de ano” um sistema seguro para a população, o que certamente passa pelo já conhecido descaso com o sistema penitenciário de uma forma geral. Temos antigos problemas crônicos, como superlotação, falta de investimento em programas de ressocialização, corrupção e condições degradantes de detenção.
Esses tipos de problemas do sistema carcerário acabam transformando as prisões em verdadeiras “universidades do crime”, que “formam” presos mais experientes em atividades criminosas. E aí chega a hora de passar pelo “estágio” nas ruas, com a “saidinha de final de ano”.
A questão é muito complexa no Brasil e, não à toa, inúmeros projetos circulam por diversas cidades e estados, para que haja mais dureza no trato com presos condenados, sem benesses. Enquanto essa prática persistir, é fundamental que as autoridades públicas abordem as deficiências estruturais do sistema, investindo em medidas eficazes de modernização, cultura e segurança.
Somente assim será possível equilibrar os interesses do Estado em ressocializar os presos com os anseios da sociedade de um sistema mais justo e seguro.