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Se robôs podem causar danos, é possível responsabilizá-los por seus atos?

Ordenamento jurídico se encontra em processo de assimilação de impactos de tecnologias altamente disruptivas a seus dogmas e conceitos
Relações entre consumidores, fabricantes, programadores e os próprios robôs ainda produzem mais perguntas que respostas
Relações entre consumidores, fabricantes, programadores e os próprios robôs ainda produzem mais perguntas que respostas - Freepik

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Paulo Roberto Vigna

O desenvolvimento de máquinas com a capacidade de agir e pensar por si e comportando-se com autonomia de desígnios e que pudessem substituir o homem em suas atividades, sempre esteve presente no imaginário da civilização na forma de filmes e livros. Nos últimos anos, todavia, a ficção tem se tornado realidade em diversos segmentos da atividade econômica, e como não poderia ser diferente, na advocacia.

Embora a concepção dos robôs cristalizada nos filmes, antropomorfizada, ainda seja mais presente na ficção, sua concretude na forma de programas e sistemas de computador já existe em nosso dia a dia, com repercussões diretas no mundo do direito.

Sua capacidade de agir de forma cada vez mais autônoma com o passar dos anos faz com que eles deixem de serem encarados como meras ferramentas, passando a desempenhar ações independentes de qualquer orientação humana mediante uso de inteligência artificial.  

Além da automatização de processos e rotinas de forma inteligente, os robôs já desempenham diversas atividades em substituição a ação humana, como no desarmamento de bombas, na inspeção de cabos submarinos e na vigilância aérea de florestas, por exemplo.

E quando autômatos precisam tomar decisões com base em dados que eles próprios irão analisar sem qualquer interação com seus criadores humanos, as polêmicas são inevitáveis.  

Não é demais recordarmos, que a responsabilidade civil extracontratual, ou aquiliana, na teoria clássica é caracterizada pela presença de quatro elementos: ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo de casualidade e o dano.

Responsabilidades

Levando-se em conta que robôs que agem por meio da tecnologia disponibilizada por inteligência artificial e algoritmos podem vir a causar danos, independentemente da intercessão de qualquer ser humano, algumas perplexidades se impõem na prática.

Uma primeira delas é a possibilidade de as próprias entidades dotadas de inteligência artificial serem responsabilizadas por seus atos, algo que está longe de pertencer à ficção.

Neste sentido, temos a Resolução de 16 de fevereiro de 2017, emanada do Parlamento Europeu, recomendando a Comissão de Direito Civil sobre Robótica (2015/2103-INL), que analisasse os impactos futuros que a inteligência artificial pode vir a gerar na sociedade como um todo. Tal recomendação, inclusive, se volta a investigar a possibilidade de instituição de uma situação jurídica específica para alguns robôs autônomos mais sofisticados, compreendendo inclusive, o dever de reparar danos.

Outra dúvida ligada à responsabilidade civil extracontratual nesses casos pode levar em conta que os robôs dotados de inteligência artificial possuem a habilidade de acumular experiências próprias e agir de acordo com processos decisórios próprios em alguns casos.

Por exemplo, a autonomia criada pela inteligência artificial rompe a cadeia de responsabilização que os liga a fabricantes e programadores? E o dever de indenizar patrimonialmente os danos eventualmente causados: como imputá-los a uma máquina?  

Os próprios escritórios de advocacia precisam usar de muita parcimônia na adoção de robôs e sistemas autônomos em suas atividades diárias, sob pena de causar sérios danos aos seus clientes.

Alucinação de máquina

Recentemente, conforme reportagem do The New York Times largamente reproduzida no Brasil em diversos portais, o advogado norte americano Steven A. Schwartz utilizou o ChatGPT para redigir uma petição em um processo movido em face de uma companhia aérea, e a inteligência artificial simplesmente inventou julgados e acórdãos utilizados pelo jurista.

O magistrado do processo afirmou que o documento elaborado pelo advogado se encontrava repleto de citações e decisões judiciais falsas, o que prejudicou o trâmite processual, o cliente e sua própria carreira, uma vez que a situação ganhou grande repercussão na imprensa. Culpa da inteligência artificial ou culpa do advogado?     

Temos a percepção clara de que o ordenamento jurídico se encontra, neste momento, em um processo de assimilação dos impactos de tais tecnologias altamente disruptivas a seus dogmas e conceitos, com vista realizar às devidas adaptações, se for o caso, a esta nova realidade.  

Ignorância

Com efeito, atualmente o meio jurídico, ao analisar as complexas relações entre consumidores, vítimas, empresários, fabricantes, programadores e os próprios robôs, ainda se debruça sobre mais perguntas que respostas, o que é absolutamente natural.

René Descartes, um dos fundadores da filosofia moderna e figura central na Revolução Científica no século 16, afirmou: “daria tudo que sei pela metade do que ignoro.” E é justamente essa ânsia pelo conhecimento e pelo progresso que nos torna tão humanos.  

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Paulo Roberto Vigna

Paulo Roberto Vigna é advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados e da VignaTax Consultoria Fiscal e Tributária, mestre em relações sociais do direito, com MBA em gestão de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em direito empresarial e em direito tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especializado em gestão de tributos pelo Instituto Trevisan (São Paulo).

É Professor do curso de MBA em gestão estratégica empresarial em São Paulo. É autor dos livros "Recuperação Judicial" e "Manual de Gestão de Contratos" e produz artigos sobre direito tributário, empresarial e tecnologia aplicada à ciência jurídica.

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