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O sonho da simplificação que a Reforma pode não endereçar

Arcabouço legislativo de tributos indiretos do Brasil sofre alterações significativas
Ainda restam incertezas sobre o período de transição da Reforma
Ainda restam incertezas sobre o período de transição da Reforma - Freepik

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Bruna Felizardo

Muito aguardada, a Reforma Tributária foi finalmente aprovada, após intensos debates no Congresso. Notoriamente classificado como um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, o arcabouço legislativo de tributos indiretos do Brasil sofrerá grandes alterações nos próximos anos.

Um dos grandes pilares norteadores da Reforma é a simplificação do sistema atual, no qual coexistem cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS) que possuem hipóteses de incidência, regras, base de cálculo e alíquotas distintas.

Eles seriam substituídos por dois tributos principais, a CBS e o IBS (o primeiro de competência federal e o segundo de competência municipal e estadual) e mais três tributos: o imposto seletivo, a contribuição estadual e o IPI, que se aplicará apenas para diferenciar produtos da Zona Franca de Manaus. No entanto, ainda restam pontos importantes, cuja regulamentação ficou para a lei complementar e que podem comprometer justamente a tão aguardada simplificação.

Entre eles, temos a abrangência do imposto seletivo. O imposto seletivo, ou excise tax, é utilizado pelo governo para taxar produtos cujo consumo deseja-se desestimular. Deveria funcionar como mecanismo de controle, podendo seus recursos serem utilizados para o custeio de gastos públicos causados pelas externalidades negativas dos produtos e serviços que tributa.

Lacunas

No entanto, considerando o texto aprovado da Reforma, a abrangência do imposto seletivo preocupa (e muito) diversos setores, que poderá incidir sobre todos os bens e serviços que são prejudiciais à saúde a ao meio ambiente.

Isso torna sua hipótese de incidência extensível a uma gama enorme de produtos, abrindo margem para que tal imposto seja usado com propósito unicamente arrecadatório, sem considerar a finalidade para a qual foi instituído.

Outro ponto está ligado à permanência da substituição tributária.

Utilizada atualmente para o ICMS, essa metodologia de concentração do imposto devido ao longo da cadeia teve sua aplicação estendida nas últimas décadas para uma enorme variedade de produtos e serviços.

Apesar de trazer a simplificação sob o viés da arrecadação, os contribuintes enfrentam diversos desafios em sua aplicação, que vão desde a identificação dos parâmetros de tributação (que diferem em cada estado) até as formas e prazos de ressarcimento de valores eventualmente acumulados, situação essa que é comum.

O texto, conforme aprovado, abre margem para a continuidade dessa complexa metodologia após a implementação da Reforma, uma vez que estabelece que a Lei Complementar poderá definir o sujeito passivo do imposto responsável pelo recolhimento, o que gera dúvidas e preocupação se de fato haverá o fim desse mecanismo.

Resíduos tributários

Outra problemática que se visa eliminar com a Reforma está relacionada aos resíduos tributários (ou seja, valores de tributos que incidiram em etapas anteriores da cadeia e que não geraram créditos), que oneram o valor dos produtos e serviços como um todo.

Antes da aprovação, a ideia era de que os créditos fossem amplos e irrestritos no novo sistema, contudo, algumas limitações impostas preocupam, como é o caso da definição dos itens de uso pessoal (ou seja, qual seria a abrangência desse conceito) e também no caso de regimes diferenciados de tributação. Para esse último, por exemplo, no caso dos combustíveis, ainda é incerto se uma empresa que compra tais produtos para uso como insumo em suas atividades poderá descontar os respectivos créditos, visto que tais itens estarão sujeitos a sistemática diferenciada de tributação.

Transição

Por fim, restam ainda muitas incertezas sobre o período de transição.

O que temos como certo até o momento é o fato de que a adaptação às novas regras envolverá custos adicionais, relativos à adaptação de sistemas fiscais e contábeis, reestruturações de equipes e ajustes no processo de conformidade fiscal. Ademais, haverá necessidade frequente de se revisitar a metodologia de precificação dos bens e serviços, assim como a cadeia de suprimentos e distribuição atualmente adotada.

Assim sendo, existe um temor grande por parte dos especialistas do mercado que a simplificação (tão desejada, necessária e esperada pela Sociedade como um todo) não se concretize no curto prazo e nem tampouco após o período de transição. Afinal, muitos dos pontos e vícios que existem no sistema atual podem ser perpetuados após a Reforma.

Portanto, é essencial que tais pontos sejam bem endereçados no âmbito da discussão da futura lei complementar que regulamentará os novos tributos, para que o sonho de simplificação do sistema tributário brasileiro não seja em vão.

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Bruna Felizardo

Bruna Felizardo é sócia líder de Value Added Tax da EY Brasil

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