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Amantes têm direito à herança? 

Ordenamento brasileiro não reconhece a validade de uniões paralelas ao casamento, mas garante herança para filhos
Alguns tribunais têm reconhecido direitos das pessoas envolvidas em relações paralelas
Alguns tribunais têm reconhecido direitos das pessoas envolvidas em relações paralelas - Freepik

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Milka Veríssimo

A cantora Marília Mendonça tornou-se conhecida por retratar os problemas do dia a dia em suas letras, sempre impactantes e emocionais. Na música “Amante não tem lar”, eternizou a realidade de quem vive à sombra de um relacionamento paralelo. A canção, que fala sobre a solidão e a ausência de direitos e reconhecimentos formais para os amantes, reflete um sentimento compartilhado por muita gente. 

Mas, afinal, o que a legislação brasileira diz sobre os direitos dessas pessoas? É possível que um amante tenha direitos patrimoniais sobre os bens do parceiro casado? 


Por que isso importa?

Muitas famílias se veem confrontadas, após a morte de um dos cônjuges, com a presença de um novo filho adulto, previamente desconhecido, tentando inclusive esconder o fato. Mas esses filhos têm direitos equivalentes aos filhos gerados durante o casamento. 

Para esclarecer essas e outras dúvidas, + QD falou com o Caio Morau, advogado, doutor em direito e autor de “Direito de Família e Princípio da Afetividade”.

Logo no início da conversa, ele deixa claro: “O direito brasileiro não reconhece a validade de uniões paralelas ao casamento.” Mas a lei garante o direito à herança para os filhos de relações paralelas.


Para quem esse assunto interessa?

O tema interessa para todas as famílias, seja qual for sua conformação. 

Leia abaixo, a íntegra da entrevista.

+QD: Como o direito brasileiro reconhece as uniões paralelas ao casamento oficial em termos de direitos sobre bens? Quais são os critérios legais para caracterizar uma união paralela como uma união estável?

Caio Morau: O direito brasileiro não reconhece a juridicidade, ou seja, a validade de uniões paralelas ao casamento. O que o direito brasileiro reconhece é a existência de uniões que chamamos de concubinárias. O concubinato define relações entre pessoas que estão impedidas de casar.

Nessa linha, em regra, não há direito sobre os bens nas uniões ditas paralelas. Mas alguns tribunais, excepcionalmente, têm reconhecido que as pessoas que estão envolvidas em união paralela teriam direitos patrimoniais.

Na minha percepção, é uma visão equivocada e por isso é uma união paralela. Não pode ser caracterizada como uma união estável. A união paralela ao casamento é na verdade uma união concubinária. E o concubinato é diferente da união estável. O direito brasileiro mantém no seu ordenamento jurídico os dois institutos, o instituto do concubinato e o instituto da união estável.

+QD: Quais são as principais diferenças legais entre casamento e união estável em relação aos direitos patrimoniais?

Caio Morau: Especialmente após a decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer que para as uniões estáveis aplica-se o regime sucessório, há uma forte tendência à equiparação entre o casamento e a união estável.

Muito embora na essência o casamento e a união estável sejam diferentes – especialmente porque a união estável é uma união de fato –, na prática, hoje, os direitos patrimoniais para os membros de um casamento ou de uma união estável são equiparáveis.

+QD: Em que circunstâncias um amante pode pleitear direitos sobre os bens do parceiro casado?

Caio Morau: O amante pode pleitear os direitos sobre os bens do parceiro casado ao final da relação concubinária ou diante do falecimento do parceiro casado. 

Nosso ordenamento jurídico veda a atribuição de direitos patrimoniais às relações concubinárias, tanto é que eventuais doações a um amante podem vir a ser anuladas. Essa é uma clara demonstração de que o ordenamento brasileiro apresenta uma resistência ao reconhecimento de direitos aos concubinos.

Apesar disso, alguns tribunais têm proferido decisões no sentido de beneficiar os amantes na partilha de bens. Isso apesar de o Supremo já ter deixado claro que a monogamia é um princípio fundante do direito brasileiro, e que essas relações concubinárias não se equiparam a uniões estáveis.

+QD: Se a pessoa mantém dois relacionamentos, sem que nenhum seja oficializado judicialmente, quem define quem é o amante e quem tem direito a uma divisão de bens? 

Caio Morau: Nessa situação, sem dúvida nenhuma, o reconhecimento dessas uniões só vai poder ser feito mediante decisão judicial. E o juiz vai ter que analisar as peculiaridades do caso concreto. Vai ter que verificar se há estabilidade nesses relacionamentos. Se um deles é superior ao outro, se havia, de fato, essa concomitância perfeita entre os dois. Todos esses dados vão ser avaliados para que se defina quem efetivamente tem direito aos bens deste mesmo parceiro.

+QD: No caso de relacionamentos paralelos, a lei prevê as mesmas medidas legais tanto para homens quanto para mulheres? 

Caio Morau: Esses relacionamentos paralelos, que na verdade são um eufemismo para tratar das relações concubinárias, têm os mesmos efeitos. A mesma incidência legal vale tanto para homens quanto para mulheres. 

+QD: Em relação aos filhos de relacionamentos paralelos, eles têm direito a heranças? 

Caio Morau: Sem dúvida alguma, os filhos oriundos de relações concubinárias têm, sim, direito à herança. Não há mais no direito brasileiro a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Um filho que nasça de um relacionamento extraconjugal, sem dúvida alguma, tem direito à herança.

+QD: Como o direito brasileiro trata a questão da culpa nas disputas por direitos patrimoniais entre amantes e cônjuges legais?

Caio Morau: Quando se trata da disputa por direitos patrimoniais entre os amantes e os cônjuges propriamente ditos, não se examina a questão da culpa para fins de atribuição desses direitos.

Há um entendimento legal e jurisprudencial que prescinde do exame da culpa para que se ache uma solução, para que se identifique a solução adequada.

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Milka Veríssimo

Milka Verissimo é jornalista formada pela Faculdade Rio Branco, com pós-graduação em comunicação corporativa e mais de 12 anos de experiência em assessoria de imprensa, no atendimento de grandes contas de diferentes segmentos de mercado.

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