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Emicida x Juliette e Duda Beat: quando a inspiração criativa passa dos limites

Após 24 horas de polêmica e acusações de plágio, sai do ar campanha da Bauducco inspirada na obra AmarElo, de Emicida
Logo que a campanha foi divulgada, internautas apontaram semelhanças com a obra de Emicida
Logo que a campanha foi divulgada, internautas apontaram semelhanças com a obra de Emicida - Reprodução

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Ana Busch

Na terça-feira à noite, 17, a Bauducco, uma doceria tradicional fundada no Brás, em São Paulo, na década de 1950, lançou digitalmente uma campanha de reposicionamento de marca, com anúncio nas redes da ex-BBB Juliette e da cantora Duda Beat do single “Magia Amarela”, música gravada pelas duas artistas.

Não demorou muito para que o assunto se tornasse um dos mais comentados na internet, chegando aos trending topics do X, antigo Twitter. Os internautas rapidamente apontaram semelhanças entre a paleta de cores, as fontes utilizadas e a estética da campanha com o projeto AmarElo, do rapper Emicida.

Em nota, a Bauducco afirmou que o objetivo da campanha era celebrar o amarelo, “característico de sua identidade visual, presente nas embalagens e comunicações da marca há mais de 30 anos”.

Mas, segundo a advogada especializada em direitos autorais Luciana Minada, do Kasznar Leonardos, “é possível que o conceito de inspiração criativa tenha sido extrapolado.” O produtor Evandro Fióti, irmão de Emicida, afirmou em live no Instagram que o artista negociou com a marca para participar da campanha, mas que não houve acordo “por cronograma, prazo e questões financeiras”

Ontem, a Bauducco decidiu cancelar a campanha. A polêmica não envolve apenas o plágio, mas também reputação, e traz à tona mais uma vez os desafios da indústria da música para combater abusos. Na entrevista, Luciana fala sobre esses assuntos e também sobre como os artistas e a indústria podem se proteger.

+QD: As cantoras Juliette e Duda Beat foram acusadas de plagiar o rapper Emicida após lançarem a música “Magia amarela”, na última terça-feira, 17, como parte de uma campanha publicitária para a Bauducco. O irmão do cantor, Evandro Fióti, também empresário e produtor, ameaçou levar o caso à Justiça, e a divulgação da campanha foi suspensa. Nesta interseção entre música e publicidade, pode-se alegar que houve inspiração criativa e não plágio? 

Luciana Minada: Muitas vezes, a suposta inspiração criativa acaba sendo usada como forma de justificar um plágio ou a apropriação indevida da obra de um terceiro, especialmente porque as ideias, em si, não são passíveis de proteção – o que se protege é a materialização dessas ideias, que pode ocorrer por meio de uma música, um filme publicitário, um livro, etc. 

Na polêmica envolvendo o suposto plágio de AmarElo, do Emicida, as alegações tornadas públicas até o momento mostram que é possível que o conceito de inspiração criativa tenha sido extrapolado.

Sabe-se pela imprensa que a marca responsável pela obra “Magia Amarela” já tinha negociado anteriormente com o próprio Emicida e demais titulares de AmarElo a participação em uma campanha publicitária, e Duda Beat informou que o nome de Felipe Vassão, um dos autores de AmarElo, estava citado no escopo da campanha como um dos autores da faixa comercial.

Isso demonstra que a marca muito provavelmente tinha interesse em produzir uma campanha que contivesse elementos de AmarElo e buscava gerar uma associação ao conhecido trabalho de Emicida.

+QD: Nesse caso, quais seriam as consequências jurídicas que os acusados de plágio podem sofrer? 

Luciana Minada: Caso seja confirmada a ocorrência de plágio, o artista ou a empresa que praticou a violação pode ser obrigado a cessar todo e qualquer uso daquela obra – como já parece ter ocorrido –, além de pagar indenização por danos morais e materiais decorrentes de tal violação.

Mas isso diz respeito às consequências jurídicas previstas em lei. Principalmente nos dias de hoje, em que as notícias se espalham de maneira muito rápida e as mídias sociais se tornaram uma importante forma de comunicação dos artistas com o público, acusações de plágio podem trazer consequências práticas à reputação e ao renome dos artistas e das marcas, que podem ser “cancelados” ou ser alvo de comentários de reprovação, exigindo que os envolvidos em situações como essa se posicionem rapidamente e tragam os esclarecimentos esperados pelo público.

As assessorias da Juliette e da Duda Beat buscaram se posicionar de maneira célere e prontamente informaram que não foram envolvidas no processo criativo da campanha, tendo sido apenas contratadas pela marca em questão – esse tipo de posicionamento busca evitar maiores abalos à reputação e credibilidade das artistas.

Um ponto interessante que ilustra muito bem a atual dinâmica existente no mundo artístico foi o posicionamento de Evandro Fióti, que declarou que sua intenção ao expor a situação era tratar do aspecto jurídico existente  – ocorrência ou não de plágio pela marca responsável pela campanha – e não fazer com que as artistas contratadas fossem, de alguma forma, atacadas ou canceladas.

+QD: Houve uma preocupação clara com preservar a reputação.

Luciana Minada: Acusações de plágio costumam gerar bastante polêmica, especialmente quando envolvem artistas de projeção nacional como Emicida, Juliette e Duda Beat. É cada vez mais importante que os artistas se envolvam em todas as etapas do processo criativo de suas obras e, mais que isso, estejam atentos à conduta das marcas e empresas com as quais farão parcerias e contratos.

Em um mundo conectado e onde assuntos polêmicos geram engajamento nas mídias sociais, um deslize que acabe esbarrando em direitos autorais de terceiros pode significar um enorme abalo para a reputação e para a carreira de um artista.

+QD: Como a legislação brasileira define plágio? 

Luciana Minada: Embora a lei brasileira não traga uma definição expressa, plágio é a reprodução parcial ou integral de uma obra sem a devida autorização do titular.

A análise da ocorrência ou não de plágio é bastante casuística, mas geralmente é importante que seja observado o grau de originalidade da obra plagiada, os elementos que a compõem e o próprio contexto em que o possível plágio se dá.

+QD: De que forma as leis de direitos autorais na indústria da música e publicidade protegem os artistas contra o plágio? 

Luciana Minada: A lei de direitos autorais (Lei 9.610/98 – LDA) é a principal lei brasileira para a proteção das obras musicais e publicitárias, prevendo quais são os tipos de obras protegidas, quais os direitos morais do autor e os direitos de exploração de uma obra, dentre outros aspectos.

A LDA prevê (art. 29) que é necessária a autorização prévia do titular para que uma obra seja reproduzida (integral ou parcialmente), adaptada, editada, etc. – ou seja, qualquer utilização de uma obra depende da autorização do titular, salvo nas hipóteses de exceção previstas no art. 46 da lei (citação de pequenos trechos, uso privado do copista, dentre outras). 

Um aspecto interessante quando se fala de “proteção contra o plágio” é que, não raramente, os casos acabam envolvendo aspectos de concorrência desleal ou aproveitamento parasitário, que são regulados por outras leis (Lei da Propriedade Industrial – Lei 9279/96 – e o próprio Código Civil), de modo que o titular da obra pode buscar outras formas de proteção que não apenas na LDA.

+QD: Pensando pelo outro lado, como os artistas musicais e as agências de publicidade podem se proteger contra acusações de plágio? 

Luciana Minada: É importante que os artistas e as agências tentem documentar todo o processo criativo envolvido na concepção de uma nova obra/campanha, evidenciando o seu caráter de originalidade e novidade. Nas situações em que obras de terceiros tenham sido, em alguma medida, utilizadas ou estejam intimamente ligadas ao processo criativo, é recomendável buscar uma autorização prévia do terceiro, evitando futuras alegações de plágio ou de aproveitamento indevido da obra. 

+QD: Como a evolução das plataformas de streaming, como o Spotify, e a acessibilidade digital impactaram a detecção e a prevenção de plágio na indústria da música? 

Luciana Minada: Atualmente, diversas plataformas se valem de ferramentas automatizadas e de IA para facilitar a detecção do uso indevido de obras musicais, de maneira que a reprodução de determinada música, ou de trechos dessa música, possa ser rapidamente identificada e seu titular possa analisar se houve autorização prévia ou licença, viabilizando a adoção de medidas  – notificação, remoção do conteúdo ou mesmo ação judicial – para cessar o uso indevido.

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Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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