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Ana Busch: Escrever difícil significa escrever mal e atrapalha a sociedade

Manual de Redação da Economist é uma viagem para entender os caminhos que guiam mente do escritor
Letramento digital, didatismo na imprensa e democratização no direito são ideias correlatas
Letramento digital, didatismo na imprensa e democratização no direito são ideias correlatas - Freepik

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Ana Busch

No ano passado, entrevistei o matemático norte-americano Vint Cerf que criou as bases para o conjunto de regras e protocolos que servem de fundação para a internet que conhecemos hoje: o protocolo TCP/IP. Ele, justamente ele que é considerado o pai da internet, defende que não adianta distribuir internet para todos, se todos não souberem o que fazer com a rede. 

Diz que aprender a usar a web é tão importante quanto ter acesso. E que pensamento crítico é o melhor antídoto contra fake news e toda a informação de má qualidade publicada na internet. Pois bem, letramento e pensamento crítico são ideias correlatas. 

Mas como desenvolver pensamento crítico em um grupo tão grande de pessoas ainda incapaz de compreender o básico? Vou evitar o vício da contemporaneidade digital de querer parecer profunda conhecedora de algo que não sou e passar reto dessa discussão sobre educação e letramento. Mas quero levantar um tema que diz respeito ao meu ofício, o jornalismo, e puxar a sardinha para o +QD.

Escrever bem

Acabei de comprar o livro de Robert Lane Greene, um dos editores da revista inglesa The Economist, responsável pela coluna Johnson, em que escreve sobre a língua, no mais amplo sentido. A obra é a mais recente edição de Writing with Style: The Economist Guide (Escrevendo com Estilo, sem tradução para o português), o manual de Redação da revista, publicado em julho de 2023. 

Logo na introdução, ele se vale das seis regras para escrever bem que o escritor inglês George Orwell publicou em A política e a língua inglesa, em 1946, e que continuam incrivelmente atuais. Em um resumo meio bruto Orwell diz: não use metáforas ou frases feitas; troque palavras longas por outras mais curtas; se puder cortar, corte sempre; priorize a voz ativa; nunca use palavras estrangeiras, jargões e vocabulário técnico; e quebre qualquer uma das regras antes de escrever algo que pareça absurdo. 

Fazer isso significa ser simplório? Greene responde que não, explicando. “Se nossos escritores prendem sua atenção pelo inusitado das imagens, por analogias e fraseado, ler nossas páginas será agradável e eles continuarão lendo.” 

E vai além. “Use a linguagem do dia a dia, não aquela dos advogados ou dos burocratas.” Por quê? Porque, diz, ser pomposo, ser prolixo, tende a obscurecer o significado ou revelar a falta dele. Eu não poderia ter dito melhor. Mas acrescento que escrever difícil significa escrever mal e atrapalha a sociedade.

Escrever mal

Escrever difícil é um desserviço para a inclusão, esteja você escrevendo um artigo para revista, uma peça jurídica, um manual para montar móvel ou um anúncio para o jornal.

Um escritor de qualquer umas das coisas acima – e de mil outras – não pode ser preguiçoso. Escrever requer ler. Mais: requer reler. E ler tem muitas instâncias. Precisa ler com a cabeça. Precisa ler em voz alta. Precisa pedir para alguém ler para você. Precisa ler de novo imaginando que é a sua mãe, sua avó ou sua vizinha lendo.

Precisa fazer todos os esforços possíveis para garantir que qualquer leitor vai compreender o que está escrito ali. O leitor não é preguiçoso. Ele não é mal formado. Ele não é burro. Se ele não entendeu, a culpa vai ser sempre sua.

Mais: precisa revisar – se por nenhum outro motivo melhor –, porque é o seu trabalho. Nada irrita mais que um texto cheio de erros. Uma vírgula faltando, uma vírgula sobrando. Uma palavra errada. Passa? Passa. Mas não pode passar um, passar dois, passar boiada. E o melhor de reler seu próprio texto é perceber que sempre tem coisa sobrando.

Escrever na medida

Então corte. Faça seu texto ficar menor do que era quando você começou. Não é verdade que a internet exige textos de três parágrafos: isso é tese velha. Um texto bem feito pode ser mais longo, só não pode ter gordura (cometi aqui um erro e vou deixar, para poder explicar no parágrafo seguinte)

Não sou eu que estou dizendo. Quero voltar a Greene, quando ele retoma Orwell, para eu mesma retomar o +QD e a inclusão legal. “Usar jargão normalmente serve para se mostrar, indicando para o leitor que você sabe algo especial. Idealmente você realmente deve saber algo que o leitor não sabe, mas colocar isso em palavras comuns faz seu artigo parecer menos uma palestra e mais um amigo inteligente explicando algo.”

Isso não soa maravilhoso? E aqui me desculpo pelo erro anterior. Gordura em jornalismo significa excesso, algo que pode – e precisa –ser cortado. Ter usado a palavra só mostra que temos uma tendência irreprimível a escrever da forma como falamos com nossos pares. É preciso disciplina para evitar.

O livro de Greene é um manual para escrever em bom inglês e serve menos para quem pretende se aperfeiçoar na língua portuguesa, mas é uma viagem para os que gostam de entender os caminhos que guiam a mente do bom escritor: a escolha das palavras, a organização do texto, a jornada da edição, a definição de padrões.

PS. No verbete sobre gentílicos, Greene explica que paulistanos são os nascidos na cidade de São Paulo, diferenciando do vocábulo paulistas. Fiz questão de pesquisar no Manual da Folha para ver se fazia menção à palavra liverpudlians para se referir aos nascidos na cidade de Liverpool, uma das mais importantes da Inglaterra, mas não encontrei. Acontece. 

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Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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