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A cada 7 minutos um Zé Eduardo vira juiz Edward

Fraudes documentais ameaçam a integridade do sistema de identificação no Brasil, com implicações sérias para negócios e justiça
José Eduardo Franco dos Reis, acusado de falsidade ideológica — Reprodução/ TV Globo
José Eduardo Franco dos Reis, acusado de falsidade ideológica — Reprodução/ TV Globo

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Alexandre Pegoraro

O caso do juiz José Eduardo Franco dos Reis que veio a público recentemente por ter vivido por 40 anos com o nome falso de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield possui tantas camadas que é preciso escolher os ângulos mais relevantes para sua abordagem no contexto do sistema de identificação de pessoas no Brasil. Sem dúvida, podemos considerar a contradição de um operador da justiça ter vivido todo esse tempo com base em um golpe de falsificação de documentos como o maior dos escândalos. No entanto, ao aprofundar a reflexão, percebe-se que o tema é ainda mais grave.


Por que isso importa?

Esse tema é crucial porque trata de um problema sistêmico de fraudes documentais, que afeta diretamente a segurança e a confiança nas transações e decisões no Brasil. Quando pessoas conseguem se passar por outras, o impacto é profundo, desde danos econômicos até questões jurídicas, como evidenciado pelo caso do juiz com identidade falsa.

Isso fica evidente desde o início. Ainda sob a falsa identidade de Edward — personagem que usou para construir sua carreira —, o juiz analisou um caso e sentenciou: “É notória a facilidade de fraudar o documento de identidade”.

Certamente, ao dizer isso, ele tinha em mente o próprio caso. Ainda assim, sua fala também se encaixa no cenário mais amplo do modelo de identificação nacional. Afinal, um estudo divulgado pela Serasa no ano passado registrou uma tentativa de fraude de documento no Brasil a cada sete minutos.


Para quem esse assunto interessa?

Esse tema interessa a empresas, especialmente no setor de crédito, autoridades judiciais e cidadãos em geral. Empresas precisam de ferramentas para prevenir fraudes e garantir a autenticidade das transações, enquanto as autoridades devem criar soluções para proteger a sociedade contra crimes dessa natureza.

Para chegar a essa conclusão, a empresa analisou o período de abril de 2023 a fevereiro de 2024. Nesse intervalo, identificaram 3,2 milhões de transações fraudulentas. Em uma amostragem de 104,3 milhões de transações, 3% apresentaram tentativas de golpe. Essas fraudes envolviam o uso de Registros Gerais (RGs) e Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) falsos, totalizando 3.284.176 casos.

Golpe

A forma mais comum de golpe foi a adulteração de documentos reais. Em muitos casos, sobrepuseram a foto original manualmente ou com o uso de Inteligência Artificial (IA), buscando simular a imagem verdadeira. Além disso, outra prática recorrente foi a criação de documentos totalmente falsos. Neles, constava a foto do golpista, mas com dados reais da vítima — como nome, CPF, data de nascimento e filiação.

Como uma empresa de concessão de crédito, por exemplo, pode atuar com segurança no mercado? De que forma oferecer seu produto com tranquilidade, diante do risco constante de engano? Em muitos casos, acredita-se estar negociando com Edward Albert Lancelot Dodd, quando, na verdade, quem deve cumprir o contrato é José Eduardo.

E como saber quem está diante do atendente no balcão de negociações? Seria o Zé Eduardo ou o Edward Albert? Essa dúvida se torna ainda mais complexa diante da necessidade de investigar milhões de clientes. Afinal, essas empresas lidam com um volume altíssimo de interações diariamente.

Tecnologia

Diante deste quadro, somente a tecnologia pode auxiliar tanto na investigação quanto na criação de obstáculos para a realização da falsificação.

No âmbito da investigação, merece destaque o trabalho das chamadas legaltechs. São empresas de tecnologia que utilizam inteligência artificial, aprendizado de máquina (machine learning e deep learning) e automação. Com essas ferramentas, realizam pesquisas em mais de 3.500 fontes, tanto nacionais quanto internacionais. O objetivo é avaliar a idoneidade de pessoas físicas e jurídicas.

Em poucos minutos, elas emitem análises detalhadas. Isso inclui score e avaliação de crédito, riscos reputacionais, e informações sobre processos judiciais de tribunais. Também realizam buscas de bens, dados cadastrais, registros de óbito e classificação CNAE. Além disso, realizam o monitoramento de Pessoas Politicamente Expostas e verificações em listas restritivas, entre outras possibilidades.

Segurança

Entre os esforços para dificultar a falsificação, destaca-se a nova Carteira de Identidade Nacional (CIN). Conhecida como RG Digital, ela atingiu, em fevereiro deste ano, mais de 20 milhões de emissões. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) lançou o documento em julho de 2022.

Neste caso, a meta do governo federal é ter cerca de 130 milhões de emissões até o fim de 2026. Ela é válida em todo o território nacional e substituirá o antigo Registro Geral (RG) que permanecerá válido até 2032.

Entre os avanços, destaca-se o uso de um padrão nacional. Agora, o número do CPF é o identificador único, válido em todo o país. Isso substitui a antiga fórmula, que permitia a emissão de RGs em diferentes estados, oferecendo aos fraudadores até 27 números válidos. Outra inovação importante é o QR Code na parte de trás da carteira digital. Ele adiciona mais um elemento de segurança, facilitando a verificação da autenticidade.

De qualquer forma, espera-se, no mínimo, que um país com um ambiente saudável de negócios ofereça segurança às partes envolvidas. Cada uma delas deve ter a certeza de que está negociando com quem acredita estar. Enquanto os José’s Eduardos continuarem se passando pelo juiz Edwards Alberts, o Brasil não estará fazendo o básico. 

Principalmente se os falsificadores ocuparem cadeiras de juizes e, portanto, tiverem o poder de decidir o futuro das pessoas.

Foto de Alexandre Pegoraro

Alexandre Pegoraro

Alexandre Pegoraro é CEO do Kronoos, plataforma que usa IA para realizar pesquisas em milhares de fontes para conferir a idoneidade de pessoas e empresas

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