Millena Galdino
O Brasil está prestes a dar um passo fundamental na modernização do Direito Internacional Privado (DIPRI), com a discussão de um anteprojeto de lei que promete alinhar o país às melhores práticas globais. A iniciativa tem como objetivo atualizar a legislação vigente, trazendo mais previsibilidade para transações internacionais, promovendo segurança jurídica e facilitando as relações empresariais e pessoais em um mundo cada vez mais globalizado.
Esse assunto importa porque a modernização do Direito Internacional Privado trará mais segurança jurídica e previsibilidade para contratos, negócios e relações pessoais em um mundo globalizado. Com regras mais claras e alinhadas às melhores práticas internacionais, o Brasil poderá facilitar transações internacionais e evitar conflitos de jurisdição e legislação.
Por que isso importa?
A discussão do anteprojeto ganhou força com a realização da segunda audiência pública promovida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no último dia 17 de março. O evento reuniu especialistas para debater os desafios e impactos da modernização do DIPRI no Brasil.
O tema interessa a empresas que atuam no comércio exterior, advogados, juízes e indivíduos que mantêm relações internacionais, como migrantes e casais binacionais. Além disso, órgãos governamentais e investidores estrangeiros também são impactados, pois a atualização das leis pode tornar o Brasil um ambiente mais seguro e competitivo para negócios internacionais.
Para quem esse assunto interessa?
Quais são os principais desafios e impactos da modernização do Direito Internacional Privado no Brasil? Como a nova legislação pode garantir mais segurança jurídica e previsibilidade para transações internacionais? De que forma as mudanças propostas dialogam com o atual cenário global e nacional?
Para responder a essas perguntas, o +QD conversou com Luis Fernando Baracho, mestre em direito internacional e professor da Universidade São Judas para entender melhor.
+QD: O que é o Direito Internacional Privado e por que ele precisa mudar?
Luis Fernando Baracho: O Direito Internacional Privado (DIPRI) regula, no âmbito material e processual, as relações e situações jurídicas que se encontram em interface com mais de um ordenamento jurídico. A proposta de anteprojeto a ser desenvolvido da nova Lei Geral de Direito Internacional Privado (LGDPRI) tem como intuito substituir os dispositivos de DIPRI da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Decreto-Lei 4657, de 1942). Esta não será a primeira mudança importante de DIPRI na última década. Em 2015 foi promulgado o novo Código de Processo Civil (CPC) que alterou substancialmente as regras de direito processual, o processo civil internacional. Ademais, em 2017 foi promulgada a Lei de Migração (Lei 13.445 de 2017), que trata de um tema correlato ao DIPRI: condição jurídica da pessoa não-nacional.
+QD: Quais são as principais dificuldades da legislação atual?
Luis Fernando Baracho: Sobre o aspecto do direito material, chamado de direito aplicável ou conflito de leis, continua em vigor os dispositivos da LINDB com poucas alterações desde 1942. Uma lei que surgiu como uma nova introdução ao Código Civil de 1916 que suprimiu muito a dimensão mais liberal e cosmopolita do primeiro código civil brasileiro em matéria de DIPRI, o que era natural dado o momento autoritário do Brasil à época.
Mas como se nota isso? Em dois artigos, o 7⁰ e o 9⁰ que tratam, respectivamente, de direito de família, personalidade e capacidade (7⁰), e de contratos (9⁰). O primeiro teve o seu elemento de conexão substituído de nacionalidade para domicílio, o que reduziu consideravelmente a probabilidade de aplicação do direito estrangeiro em um Brasil que à época possuía em algumas regiões um grande número de estrangeiros residentes. Já o segundo teve suprimida a possibilidade das partes escolherem a lei aplicável à relação contratual, ao indicar que o elemento de conexão passaria a ser o local em que ela fosse constituída, praticamente se nacionalizou todo contrato celebrado no Brasil.
+QD: Por que a modernização da lei é considerada essencial para o Brasil se alinhar ao cenário global?
Luis Fernando Baracho: Em um mundo globalizado há uma tendência de atribuir às partes maior liberdade de escolha por meio do que chamamos de autonomia da vontade. Algo, inclusive, que fica muito claro no CPC vigente. O anteprojeto derivado dos trabalhos da comissão constituída para este fim terá a oportunidade de prover um trabalho técnico e de elevada qualidade ao Congresso Nacional para que tenhamos uma LGDPRI alinhada com as melhores práticas internacionais.
+QD: Qual é a proposta do anteprojeto em discussão?
Luis Fernando Baracho: O anteprojeto derivado dos trabalhos da comissão constituída para este fim terá a oportunidade de prover um trabalho técnico e de elevada qualidade ao Congresso Nacional para que tenhamos uma LGDPRI alinhada com as melhores práticas internacionais.
Em matéria de Direito de Família, o grande fluxo de brasileiros que migram para o exterior, o inverso do processo vivido na promulgação da LINDB, torna oportuna a revisão dos elementos de conexão, podendo-se pensar em modelos híbridos no qual se possa transitar entre a nacionalidade e o domicílio por critério de tempo mínimo residindo no local ou pela eleição das partes.
No caso das relações contratuais, há muito espaço para mudanças, como o resgate da liberdade de escolha das partes quanto ao direito aplicável ao contrato, ressalvadas as situações de vulnerabilidade, o que vai ao encontro das mudanças do CPC, que garantiram a possibilidade de eleição de foro exclusivo estrangeiro, por exemplo.
Por fim, será uma excelente oportunidade para se pensar em contratos eletrônicos e propriedade intelectual, alinhando-se com os temas conexos já propostos no projeto de reforma do Código Civil de 2002.
+QD: Como essa mudança pode melhorar a segurança jurídica para empresas que atuam no exterior?
Luis Fernando Baracho: Há muito espaço para mudanças como o resgate da liberdade de escolha das partes quanto ao direito aplicável ao contrato, ressalvadas as situações de vulnerabilidade, o que vai ao encontro das mudanças do CPC que garantiram a possibilidade de eleição de foro exclusivo estrangeiro, por exemplo.
Além disso, será uma excelente oportunidade para se pensar em contratos eletrônicos e propriedade intelectual, alinhando-se com os temas conexos já propostos no projeto de reforma do Código Civil de 2002.
+QD: De que forma o anteprojeto pode impactar o comércio exterior e as relações jurídicas globais?
Luis Fernando Baracho: Uma lei moderna pode tornar as transações internacionais mais previsíveis e seguras. Ao garantir a possibilidade de escolha da lei aplicável e da jurisdição nos contratos internacionais, as empresas terão mais liberdade para negociar e reduzir incertezas jurídicas.
Além disso, seria uma excelente oportunidade de liderar um esforço de harmonização dessas regras com os demais países membros do Mercosul, o que reforçaria o projeto de integração regional.
+QD: Quais são os desafios para que essa modernização seja bem-sucedida?
Luis Fernando Baracho: Os desafios para que ela seja bem-sucedida são vários. O primeiro é considerar as melhores práticas internacionais, algo que está muito bem documentado e os membros da comissão têm pleno conhecimento disso. Também é preciso considerar a jurisprudência brasileira, em especial no Superior Tribunal de Justiça, a fim de ter o tom nacional deste empreendimento. Por fim, é necessário criar uma estrutura harmônica com as demais áreas correlatas, como o CPC, o projeto do Código Civil, a Lei de Migração e os tratados mais relevantes.
Acredito que seria uma excelente oportunidade de liderar um esforço de harmonização dessas regras com os demais países membros do Mercosul, o que reforçaria o projeto de integração regional.