Tomás Vilela
O cenário de emergência climática — marcado por eventos extremos cada vez mais frequentes, como secas prolongadas, enchentes devastadoras e ondas de calor que afetam diretamente a segurança alimentar, hídrica e energética global — exige alternativas reais, não só para as futuras gerações — mas para quem está sendo afetado agora mesmo. Para a ativista Joyce Mendez, uma das principais vozes da juventude latino-americana na diplomacia climática, é urgente repensar os caminhos da transição energética com base na justiça social e na ciência.
Segundo ela, a energia nuclear precisa ser trazida para o debate, para substituir os combustíveis fósseis com a velocidade exigida pelo cenário atual. Ignorar essa alternativa, afirma, é insistir em soluções insuficientes diante da urgência climática que já impacta milhões de pessoas.
Nascida na Colômbia e criada na tríplice fronteira entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, no Paraguai, Joyce integra redes como a Youth Advisory Group on Climate Change da ONU e o SDG7 Youth Constituency, além de atuar como consultora de mudanças climáticas na Unicef Paraguai.
Porque o enfrentamento da emergência climática exige soluções eficazes e adaptadas às realidades do Sul Global, e a energia nuclear — frequentemente ignorada — pode ser uma aliada estratégica na descarbonização rápida e segura da matriz energética. O protagonismo jovem na diplomacia climática e na criação de soluções locais reforça a urgência de integrar justiça social, inovação e cooperação internacional nas políticas de transição energética.
Por que isso importa?
Em entrevista, reafirma a importância do papel dos jovens para traduzir ações e políticas públicas para as realidades locais e na criação de soluções adaptadas às realidades do Sul Global.
Integrantes do Observatório Latino-Americano de Geopolítica da Energia — organização cofundada por Joyce — participam nesta semana do BRICS Youth Energy Summit, em Brasília, apresentando iniciativas voltadas à eletrificação de comunidades e à construção de modelos energéticos mais justos e inclusivos.
Plataforma Nuclear
Durante o evento, uma sessão especial da Plataforma Nuclear do BRICS vai destacar o papel dos Pequenos Reatores Modulares (SMRs) como ferramenta-chave para descarbonizar setores de difícil transição e construir uma arquitetura energética multipolar baseada na cooperação internacional. A sessão também reforça a importância do envolvimento da juventude na inovação nuclear e nas parcerias energéticas transfronteiriças. A Plataforma Nuclear do BRICS é uma iniciativa internacional e independente que reúne empresas, governos e organizações para promover a energia nuclear como solução limpa e cooperativa para o Sul Global.
Para formuladores de políticas públicas, líderes em transição energética, instituições multilaterais, jovens ativistas climáticos, comunidades vulneráveis aos efeitos da crise climática, e organizações envolvidas com o BRICS e a COP30, que buscam alternativas viáveis, inclusivas e sustentáveis para mitigar os impactos das mudanças climáticas.
Para quem isso interessa?
+QD: Como os jovens ativistas podem contribuir para uma transição energética mais inclusiva, que reflita as realidades do Sul Global?
Joyce Mendez: Acredito que nós, jovens, somos catalisadores da transformação. Somos nós que abrimos brechas nas políticas públicas para incluir as comunidades e suas diferentes realidades. Criamos inovações sociais em lugares onde, muitas vezes, as políticas e os governos não conseguem alcançar.
Também somos uma geração hiperconectada, com uma visão diferente de como deve ser uma transição energética baseada em comunidades e em contextos nacionais específicos. O que fazemos é localizar as ações. Usamos os marcos internacionais — como o Acordo de Paris e as metas da ONU — e traduzimos em ações locais. E quem executa essas ações, em grande parte, somos nós, os jovens.
+QD: Em um cenário de emergência climática, qual é o papel que você vê para a energia nuclear na construção de soluções sustentáveis para as futuras gerações?
Joyce Mendez: A energia nuclear é o “elefante na sala”: está lá, mas ninguém quer apontá-la como uma solução efetiva para descarbonizar a matriz energética global. Mesmo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), que é uma fonte científica extremamente respeitada, reconhece o potencial da energia nuclear para substituir os combustíveis fósseis.
Sabemos que existe uma tendência na transição energética global de abandonar os combustíveis fósseis, mas isso por si só não é suficiente. Estamos falando de tendências como eletrificação, democratização e descarbonização — e a energia nuclear acompanha essas três com a velocidade que precisamos.
Isso não é novidade. Temos décadas de pesquisa, com países como a França, por exemplo, cuja matriz elétrica é composta em 75% por energia nuclear. Eles não enfrentam problemas com combustíveis fósseis e provavelmente não enfrentarão, porque os padrões de segurança hoje são muito diferentes dos do passado.
Estamos vivendo uma emergência climática. E quando se enfrenta uma emergência, precisamos de soluções novas. Como disse um amigo meu: se você tenta a mesma solução esperando resultados diferentes, isso é insanidade. Precisamos de alternativas reais, não só para as futuras gerações — mas para a nossa.
+QD: Quão importantes são iniciativas como o BRICS Youth Energy Summit para fortalecer a diplomacia climática e promover inovação e justiça social?
Joyce Mendez: Este é um ano muito importante para o Brasil, e estou animada. Estamos exercendo a presidência do BRICS e também a co-presidência da COP30. E vemos uma conexão clara entre as prioridades do BRICS e da COP.
É claro que há reuniões em nível ministerial, parlamentar, presidencial. Mas para traduzir essas ações localmente, é essencial incluir as juventudes. O BRICS Youth Energy Summit já acontece há alguns anos, e sua história é fascinante — foi nesse espaço que os países do BRICS começaram a discutir energia de forma conjunta e estabeleceram a BRICS Youth Energy Agency, que hoje é reconhecida por todas as presidências.
Para nós, esse é um momento valioso. Não queremos juventudes incluídas de forma simbólica, mas com protagonismo real. Estou enviando duas das melhores pessoas da minha equipe ao evento. Elas estão fazendo o trabalho na prática — eletrificando comunidades, cobrindo lacunas deixadas pelos governos. Estão questionando os modelos atuais de transição energética a partir da perspectiva do Sul Global.
O BRICS também representa uma forma de resistência — especialmente contra as visões lineares da transição energética, baseadas em exploração e acúmulo de poder, sem permitir que as comunidades ditem seus próprios caminhos.
Além de ser um espaço de empoderamento, o Summit é também uma oportunidade concreta de articulação política. Muitos dos jovens que participam do evento também estão no parlamento, na política. Não são apenas ativistas. Isso nos dá um panorama riquíssimo da atuação da juventude nesses espaços.