Ana Busch
O que a série documental Depp x Heard, que estreou no último dia 16 na Netflix, tem a ver com a reportagem que fez o Ibope do Fantástico crescer 12 pontos nos últimos dois domingos ao exibir trechos de uma entrevista exclusiva com atriz Larissa Manoela expondo sua desavença com seus pais em torno de uma fortuna de R$ 18 milhões?
A série, segundo a descrição do canal de streaming, “mostra pela primeira vez os dois depoimentos lado a lado e explora o julgamento que abalou Hollywood e dominou a internet”. Com um visual dopaminérgico e cortes com estética de TikTok, as três horas do documentário se passam praticamente dentro do tribunal, explorando as devidas repercussões digitais. E é aí que vamos chegar.
Com o caso tendo polarizado o mundo entre o que os mais jovens chamariam de team Johnny, em favor do ator Johnny Depp, e team Amber, que amealhou bem menos gente na defesa de sua ex-mulher Amber Heard, a série já se tornou o documentário mais assistido da plataforma.
Julgamento midiático
Conta a história real do julgamento do processo que durou mais de 200 horas – e foi totalmente televisionado – que o ator moveu contra a ex, em defesa da própria honra, após ter sido acusado de uma série de delitos, incluindo abuso, agressões e violência doméstica. Ele saiu vitorioso em várias das alegações, tendo conseguido provar que foi ele mesmo vítima de violência.
O caso foi altamente controverso. Por se tratar de violência doméstica bilateral, mas principalmente por trazer o TikTok para dentro do Corte. E aqui entra a nossa Larissa Manoela. O mesmo interesse que colocou quase 9 milhões de pessoas a mais para a frente da TV para ver uma briga de família (cada ponto do Ibope representa cerca de 717 mil indivíduos em 2023) levou milhares de pessoas para a porta do Tribunal no estado de Virgínia nos EUA e quebrou a internet no mundo inteiro para assistir ao vivo ao julgamento estrelando atores hollywoodianos
E gerar memes e desinformação. E pior – colocar robôs em ação em favor de um ou outro. Mais de um que de outro. Não tem bonzinho ali.
Avanços
Esse fenômeno perverso fez com que a questão da violência doméstica fosse praticamente escanteada. Mesmo que Amber tenha agido de má-fé – e tenha caprichado nas caras e bocas de uma canastrice de dar medo – ela foi também vítima, como mostram os áudios. E, na internet, foi ameaçada e agredida. E, claro, agrediu e foi condenada por isso.
Mas não vamos ser luditas. Embora o interesse individual pelas brigas familiares não devesse mover milhões de pessoas, provavelmente casos como o da Larissa foram o que motivou o Estado de Illinois nos EUA a aprovar uma lei que garante que os pais de jovens influenciadores digitais sejam obrigados a poupar os ganhos financeiros deles para uso futuro. A lei entra em vigor em julho de 2024.
Redes
Se você quer entender o caso e ir além, veja as três horas da série. Passam tão rápido quanto Oppenheimer – este último mais lisérgico e menos dopaminérgico. E complemente com O Dilema das Redes e Mr. Robot. É disso que se trata. E também de se perguntar sempre qual é o interesse público em tudo aquilo a que você é exposto. Você fica um sujeito meio chato. Mas seu pensamento crítico agradece.
a autora
Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.