Mudanças migratórias impactam brasileiros em Portugal

Novas regras dificultam a regularização e aumentam riscos de deportação para imigrantes brasileiros no país
Mudanças migratórias dificultam a regularização de imigrantes - Freepik

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Katharina Pinto Guimarães

Recentemente, Portugal determinou que milhares de imigrantes, incluindo brasileiros, deixem o país no prazo de até 20 dias, sob pena de deportação. O endurecimento da política migratória portuguesa decorre de alterações legislativas que visam conter fluxos migratórios irregulares e reorganizar o sistema nacional de imigração. Este movimento reflete uma mudança significativa na postura de um país historicamente reconhecido por sua política migratória acolhedora.


Por que isso importa?

O endurecimento das políticas migratórias em Portugal afeta diretamente a vida de milhares de brasileiros, gerando insegurança jurídica e risco de deportação. Esse tema evidencia tensões entre soberania estatal e direitos humanos, demandando atenção para garantir proteção e regularização justa aos imigrantes.

Manifestação de Interesse

A promulgação do Decreto-Lei n.º 10/2024 trouxe mudanças significativas no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros. Entre as principais alterações, destaca-se a restrição ao uso da Manifestação de Interesse (MI). Esse mecanismo, até então, permitia a regularização de imigrantes que haviam ingressado de forma irregular, desde que comprovassem vínculos laborais e sociais com o país.


Para quem isso importa?

O tema interessa a imigrantes brasileiros em Portugal, profissionais do Direito, autoridades governamentais, organizações de defesa dos direitos humanos e familiares dos afetados. Também é relevante para formuladores de políticas públicas no Brasil e Portugal, que buscam soluções humanitárias e eficazes para a migração.

Na prática, o fim da Manifestação de Interesse como via de regularização e a exigência de visto prévio tornaram inviável a regularização direta em território português. Como consequência, milhares de brasileiros que atravessaram o oceano para recomeçar a vida em Portugal enfrentam um impasse. Sem o visto exigido, eles não conseguem dar continuidade aos processos de regularização. Além disso, não podem permanecer legalmente no país sem o risco de serem notificados para deixá-lo.

Ainda, as autoridades portuguesas têm intensificado a fiscalização e acelerado a emissão de ordens de saída voluntária. Essas ações seguem as diretrizes da Diretiva de Retorno da União Europeia. Ao mesmo tempo, a política de contenção migratória é impulsionada por pressões políticas e sociais. Entre os principais fatores, destacam-se o aumento dos custos de habitação e a sobrecarga nos serviços públicos. Esses elementos têm alimentado a narrativa de que é necessário controlar os fluxos migratórios.

Segurança jurídica

Neste contexto, surge uma questão jurídica central: qual a segurança jurídica conferida aos brasileiros que migraram para Portugal sob a vigência do antigo regime e que, até hoje, aguardam sua regularização? A resposta, infelizmente, revela um cenário de vulnerabilidade.

Atualmente, a Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA), autoridade responsável pela análise dos processos de autorização de residência, enfrenta um verdadeiro colapso operacional. Hoje, o sistema de agendamento de entrevistas está sistematicamente bloqueado. Essa etapa é indispensável para a regularização. No entanto, a falha no acesso inviabiliza a continuidade do processo administrativo por parte dos imigrantes. Como resultado, muitos ficam sem alternativas legais para seguir com a documentação.

Diante desse bloqueio, a via judicial tem se consolidado como o principal meio de proteção dos direitos dos brasileiros em Portugal. O Poder Judiciário português tem sido acionado com frequência. Em muitos casos, a Justiça determina que a AIMA realize a marcação compulsória de agendamentos. Em outras situações, exige uma decisão favorável aos pedidos de autorização de residência. Essas ordens baseiam-se nos princípios da proteção da confiança legítima e da proibição de excesso. Ambos são pilares fundamentais do Estado de Direito.

Diante da omissão administrativa, o Judiciário tem atuado com cada vez mais frequência. O objetivo é impedir que as autoridades notifiquem milhares de brasileiros — e outros imigrantes — para deixarem o país. Em muitos casos, essa notificação pode resultar em deportações. Frequentemente, isso ocorre mesmo após anos de residência e integração social em território português.

Reflexos

Embora os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tenham facilitado a obtenção de vistos de residência para cidadãos lusófonos com o Acordo de Mobilidade, a população ainda enfrenta um cenário marcado por insegurança e incerteza. O regime não se aplica retroativamente nem regulariza automaticamente aqueles que já estavam no país em situação irregular ou pendente de decisão administrativa.

O endurecimento da política migratória portuguesa, com reflexos imediatos sobre milhares de brasileiros, evidencia a crescente tensão entre o legítimo direito soberano dos Estados de controlar suas fronteiras e a necessidade de garantir a proteção internacional dos direitos humanos, especialmente o direito à regularização e à não expulsão arbitrária.

Para o Direito Brasileiro, esse episódio impõe desafios importantes, como a necessidade de reforço da assistência consular, da promoção de orientação jurídica aos nacionais que pretendem migrar e da revisão das políticas de acolhimento aos brasileiros retornados. Além disso, reacende a discussão sobre a reciprocidade no tratamento de estrangeiros, especialmente portugueses, em território brasileiro, e sobre a necessidade de fortalecimento da cooperação internacional para a construção de políticas migratórias mais humanas, eficazes e previsíveis.

O futuro permanece incerto, mas é evidente que a reconfiguração das políticas migratórias em Portugal exige atenção redobrada de todos os atores envolvidos, inclusive dos profissionais do direito, que devem continuar atuando na defesa dos direitos e garantias fundamentais dos brasileiros além-mar.

Katharina Pinto Guimaraes

Katharina Pinto Guimarães é sócia do escritório CPP Law. Formada pela PUC-Rio, é especialista em Direito Corporativo e Empreendedorismo. Com experiência em Franquias e ESG, atua como mentora de negócios, orientando empresas na criação de soluções sustentáveis e inovadoras no universo corporativo.

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