Mudar para um país estrangeiro e ainda ganhar por isso? Conheça os riscos

Especialista afirma que imigrantes devem garantir segurança jurídica, financeira e emocional
O Estado de Virgínia Ocidental nos EUA oferece incentivo financeiro para atrair estrangeiros - Freepik

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Ana Busch e Milka Veríssimo

Há poucas semanas a imprensa brasileira noticiou que o estado da Virgínia Ocidental (West Virginia) nos EUA mantém um programa para atrair estrangeiros. O programa oferece US$ 12.000 em dinheiro (cerca de R$ 67.000) para quem se mudar para lá, pagos em 12 vezes durante os primeiros 13 meses de residência. Vários outros benefícios são oferecidos.

Pode parecer um sonho para quem quer se aventurar pela região de paisagens montanhosas deslumbrantes, com densas florestas. Dezenas de trilhas podem ser percorridas durante os verões quentes. No inverno, muitas vezes a neve cobre os picos criando um outro cenário encantador. Mas o programa não é novo, e a mídia norte-americana reporta que há resistência por parte dos moradores do Estado à chegada desses novos trabalhadores. 


Por que isso importa?

Embora os incentivos financeiros oferecidos por alguns países possam ser atraentes para novos moradores, eles também escondem riscos significativos. A promessa de apoio financeiro pode mascarar desafios como o cumprimento de exigências legais rigorosas e a adaptação a novas culturas. Imigrantes que não estão plenamente informados podem enfrentar dificuldades legais, financeiras e emocionais, além de ficarem vulneráveis à exploração e xenofobia.

O +QD conversou com a advogada internacionalista Rita de Cássia Silva para entender os riscos por trás de ofertas desse tipo, comuns também em países como o Canadá e a Austrália. “Embora os incentivos financeiros sejam atraentes, os imigrantes devem estar atentos às condições e requisitos específicos desses programas”, afirma.

Segundo ela, nem todos os países adotam práticas como a do Brasil, em que não há diferença entre brasileiros e estrangeiros no que se refere a direitos trabalhistas.

+QD: Quais são os riscos de se mudar para um país estrangeiro que oferece incentivos financeiros para novos moradores?

Rita de Cássia Silva: Embora os incentivos financeiros sejam atraentes, os imigrantes devem estar atentos às condições e requisitos específicos desses programas.

Os riscos incluem possíveis dificuldades em cumprir as exigências legais em sua integralidade. Enfatizo uma tríade fundamental que desenvolvi ao longo da minha vasta experiência em atendimentos a migrantes. Essa abordagem visa proporcionar maior bem-estar às famílias migrantes, abrangendo três pilares principais: segurança jurídica, segurança financeira e segurança emocional.

A segurança jurídica garante a conformidade legal e proteção dos direitos; a segurança financeira assegura estabilidade econômica e a segurança emocional aborda as diferenças culturais e desafios de adaptação, promovendo um ambiente emocionalmente saudável. Também vale observar com cautela em questões relacionadas à estabilidade econômica e política do país de destino. 

Por fim, aconselhamento jurídico especializado é essencial para avaliar a viabilidade e os riscos de tais incentivos.


Para quem esse assunto interessa?

O tema interessa diretamente aos milhões de brasileiros que buscam emigrar anualmente em busca de melhores oportunidades. Dados da Receita Federal indicam que, em 2022, cerca de 216 mil brasileiros declararam saída definitiva do Brasil.O assunto também é relevante para advogados especializados, consultores de relocação, organizações de apoio a imigrantes e formuladores de políticas públicas, além de empresas que desejam contratar trabalhadores estrangeiros.

+QD: Quais são os requisitos básicos para que um trabalhador consiga um visto de trabalho para imigrar?

Rita de Cássia Silva: Os requisitos para obtenção de um visto de trabalho variam conforme o país, mas geralmente incluem a necessidade de uma oferta de emprego formal, comprovação de qualificações profissionais e educacionais, antecedentes criminais sem mácula, exame médico e, em alguns casos, a comprovação de que não há cidadãos locais aptos para preencher a vaga.

Um advogado especializado em direito imigratório do país escolhido poderá facilitar o processo, trabalhando com expertise e garantindo que todas as exigências legais sejam sanadas e cumpridas para a análise de viabilidade do visto.

+QD: Como funcionam os direitos trabalhistas, como férias remuneradas e licença-maternidade, no exterior em comparação com o Brasil?

Rita de Cássia Silva: Os direitos trabalhistas variam significativamente entre países. Na União Europeia, há uma regulamentação comum que garante férias remuneradas e licença-maternidade. Nos EUA, esses direitos podem ser mais limitados, com grande variação entre estados. Por exemplo, a licença maternidade não é remunerada e os empregados não dispõem de uma carteira de trabalho, somente de um contrato.

No Brasil, a CLT garante direitos amplos, como férias remuneradas de 30 dias e licença-maternidade de no mínimo 120 dias. Lembrando que os Acordos e Convenções Coletivas ainda podem dispor de mais benefícios, mesmo após a reforma trabalhista.

É essencial conhecer as leis trabalhistas do país de destino para entender suas especificidades e diferenças. E também verificar se há acordos e tratados internacionais para que não ocorra duplo recolhimento previdenciário, tributário, por exemplo. Há casos e possibilidades de se garantir duas aposentadorias de forma integral ao empregado, com um bom planejamento previdenciário internacional.

+QD: Com um visto de trabalho, os trabalhadores imigrantes terão direito aos serviços públicos de saúde nesses países?

Rita de Cássia Silva: O acesso aos serviços públicos de saúde também depende do país. Na União Europeia, muitos países oferecem acesso universal à saúde. Nos EUA, o sistema de saúde é predominantemente privado, e o acesso pode depender de seguro de saúde fornecido pelo empregador. 

É fundamental verificar as políticas de saúde pública do país de destino e considerar a contratação de um seguro de saúde privado e adequado.

+QD: Em caso de haver alguma violação de direitos, esses trabalhadores imigrantes podem recorrer às embaixadas brasileiras?

Rita de Cássia Silva: As embaixadas e consulados brasileiros podem fornecer assistência consular, mas têm limitações na resolução direta de questões trabalhistas. Se tiverem serviços jurídicos, poderão prestar o atendimento, o que nem sempre acontece.

+QD: Muitos desses países que hoje incentivam financeiramente a chegada de trabalhadores estrangeiros enfrentam problemas de xenofobia. O que um imigrante deve fazer caso seja vítima desse tipo de prática?

Rita de Cássia Silva: Imigrantes que enfrentem xenofobia devem reportar incidentes às autoridades locais competentes, como a polícia ou órgãos de direitos humanos. 

Buscar apoio de organizações não governamentais e grupos comunitários pode oferecer assistência adicional. A orientação de um advogado especializado pode ser primordial para garantir a proteção legal e a tomada de medidas apropriadas.

+QD: Como são tratados os trabalhadores imigrantes no Brasil?

Rita de Cássia Silva: No Brasil não há distinção entre trabalhadores. A Lei n. 13.445 de 24 de maio de 2017, mais conhecida como Lei de Migração, trata os imigrantes como iguais, determinando tratamento igualitário aos brasileiros e a pessoas vindas de outros países, adequando-se à Constituição Federal. A norma tem como foco a proteção de direitos e trouxe a igualdade de tratamento e oportunidades.

O próprio termo “estrangeiro” foi substituído por “migrante”. Estrangeiro é considerado o visitante temporário.

A Lei de Migração regulamentou o trabalho dos profissionais refugiados. Esse grupo reúne aqueles que, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontram-se fora de seu país de nacionalidade.

Nesses casos, a legislação permite que o Ministério do Trabalho e a Previdência expeça uma carteira de trabalho provisória, autorizando o imigrante refugiado a exercer atividades remuneradas de forma regular até que haja uma decisão com relação ao pedido de refúgio.

Cabe mencionar, ainda, que a empresa que desejar contratar profissionais estrangeiros deve requerer autorização de trabalho a estrangeiro junto à Coordenação Geral da Imigração (CGIg), órgão do Ministério do Trabalho e Previdência, para que possa fazê-lo de forma legal.

Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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