Seu filho nasceu durante uma viagem ao exterior. E agora?

O que fazer quando as férias em família se tornam um pesadelo burocrático
Casal de norte-americanos fica meses "preso" no Brasil, após nascimento do filho prematuro - Arquivo pessoal

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Milka Veríssimo

Está provado que imprevistos acontecem, até mesmo em situações que parecem estar totalmente sob controle. Você faz seu pré-natal de forma criteriosa, toma todos os cuidados, mas algo acaba saindo diferente dos planos. Foi o que aconteceu com um casal norte-americano em férias em Florianópolis. A mulher entrou em trabalho de parto prematuro, resultando no nascimento de um bebê com 31 semanas de gestação. Ela tinha permissão de seu médico para viajar.

O recém-nascido necessitou de cuidados médicos intensivos e devido à prematuridade, a família não pôde retornar imediatamente aos Estados Unidos.

Mas não foi só isso. O casal teve que enfrentar um pesadelo burocrático para registrar o bebê e obter a documentação necessária para a viagem de volta ao país de origem. Foram mais de dois meses na tentativa de registrar o bebê para poder voltar para casa.


Por que isso importa?

Imprevistos acontecem. E em viagens internacionais, com passageiras grávidas, os cuidados devem ser redobrados. Cada país tem sua própria legislação e viajar nos últimos meses de gestação pode impactar de forma significativa a vida da família, seja financeiramente, seja emocionalmente.

O +QD conversou com Livia Leite, especialista em imigração da LIV Immigration Law, para entender o caso e como agir caso isso ocorra com você . 

“O primeiro passo é registrar o nascimento no país onde o bebê nasceu, obtendo uma certidão de nascimento emitida pelas autoridades locais. Em seguida, é essencial entrar em contato com o consulado ou embaixada brasileira mais próxima, que pode orientar sobre os procedimentos necessários para registrar o bebê como cidadão brasileiro nato. Para que o bebê possa viajar para o Brasil, precisará de um passaporte, que pode ser emitido pelo consulado brasileiro.”


Para quem esse assunto interessa?

Para todas as famílias em viagens com mulheres grávidas e advogados interessados em direito internacional privado e direito de família

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

+QD: Quais são os primeiros passos que se deve seguir se um bebê de pais brasileiros nascer prematuramente durante uma viagem ao exterior?

Livia Leite: Os primeiros passos são cruciais para garantir a documentação adequada e o retorno seguro ao Brasil. Vou enumerar as etapas recomendadas. 

O primeiro passo é fazer o registro de nascimento no país onde o bebê nasceu. Isso é feito através de uma certidão de nascimento emitida pelas autoridades locais. 

Em seguida, é essencial entrar em contato com o consulado ou embaixada brasileira mais próxima. O consulado pode orientar sobre os procedimentos necessários para registrar o bebê como cidadão brasileiro nato. 

Para que o bebê possa viajar para o Brasil, ele precisará de um passaporte. O consulado brasileiro pode emitir um passaporte para o bebê ou o bebê pode solicitar o passaporte americano.  

+QD: Existem tratados ou acordos internacionais que facilitam esses processos? 

Livia Leite: Sim, existem vários tratados e acordos internacionais que facilitam o processo de registro e reconhecimento da cidadania para crianças nascidas no exterior . Esses acordos visam simplificar a burocracia associada ao registro de nascimentos e à aquisição de cidadania em situações transnacionais, além de regular questões relacionadas à dupla cidadania e ao status migratório. 

Um dos exemplos mais conhecidos é a Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia. Ela busca prevenir e reduzir casos de pessoas sem nacionalidade, especialmente em situações onde crianças nascem em países que não seguem o princípio do jus soli.  


O que é o princípio do jus soli?

O princípio de jus soli, também conhecido como “direito do solo,” é uma norma jurídica que determina a aquisição da nacionalidade de um país pelo simples fato de nascer em seu território. Diferente do princípio de jus sanguinis, que concede a nacionalidade com base na ascendência, o jus soli estabelece que qualquer pessoa nascida dentro das fronteiras de um país é automaticamente considerada cidadã daquele país, independentemente da nacionalidade dos pais. Este princípio é amplamente adotado em países das Américas, como os Estados Unidos e o Canadá, promovendo uma abordagem inclusiva e diversa para a formação de sua população.

Além disso, acordos bilaterais entre países podem estabelecer procedimentos mais ágeis para o registro de cidadania de filhos de cidadãos vivendo no exterior, como é o caso de acordos entre Brasil e outros países que permitem a transcrição de registros civis diretamente em consulados, facilitando a obtenção de documentos legais como passaportes. 

Esses tratados são cruciais para garantir que os direitos das crianças nascidas no exterior, especialmente em situações de emergência ou casos atípicos, sejam protegidos e que essas crianças não enfrentem obstáculos legais ou burocráticos em relação à sua nacionalidade. 

No caso dos Estados Unidos, se utiliza o princípio do jus soli, ou seja, todo bebê que nasce nos EUA tem a cidadania americana.  

+QD: Qual é o processo para registrar posteriormente o nascimento de um bebê estrangeiro no país onde ele nasceu? 

Livia Leite: Se um brasileiro tiver um bebê nos Estados Unidos, o processo de registro e cidadania é influenciado pelo princípio de jus soli. Imediatamente após o nascimento, o hospital onde ocorre o parto reporta os detalhes do nascimento ao registro vital do estado, como é comum na Flórida. Isso resulta na emissão de uma certidão de nascimento americana, concedendo automaticamente ao bebê a cidadania americana. 

Com a certidão de nascimento americana em mãos, os pais podem solicitar um passaporte americano para o bebê, facilitando a viagem de retorno. Alternativamente, os pais podem optar por registrar a criança como brasileira no consulado brasileiro nos Estados Unidos. Esse registro qualifica a criança como brasileira nata, e não naturalizada, permitindo que ela também obtenha um passaporte brasileiro, embora esse processo possa ser mais demorado. 

Para solidificar o status de cidadania brasileira do bebê, é recomendável que, ao retornar ao Brasil, os pais realizem a transcrição da certidão de nascimento americana em um cartório de registro civil brasileiro. Isso assegura que a criança, que nasceu em solo estrangeiro, seja oficialmente reconhecida como brasileira nata. Esse passo é importante porque, sem ele, ao atingir 18 anos, a criança poderá ter que escolher entre manter a cidadania brasileira ou a americana, conforme as leis de nacionalidade do Brasil. 

+QD: Pensando no caso de Florianópolis, que documentos são necessários para registrar o nascimento de um bebê estrangeiro no Brasil? 

Livia Leite: No caso de um bebê filho de pais estrangeiros nascido no Brasil, como no caso de Florianópolis, os documentos necessários para registrar o nascimento podem variar um pouco dependendo do estado, mas geralmente incluem  a Declaração de Nascido Vivo (DNV), documentos dos pais, sempre com tradução juramentada, e registro consular.. 

O DNV é fornecido pelo hospital ou pela parteira que assistiu o parto. Ele serve como a primeira prova oficial do nascimento no Brasil. Os pais devem apresentar passaportes ou documentos de identidade válidos, vistos ou documentos que comprovem a legalidade da estadia dos pais no Brasil, se aplicável e certidão de casamento e comprovante de residência, exigido por alguns cartórios.

Os cartórios de registro civil também disponibilizam os Formulários de Registro de Nascimento, que devem ser preenchidos com informações sobre o nascimento e sobre os pais. 

É aconselhável também que os pais estrangeiros façam o registro do nascimento no consulado do país de origem, o que pode requerer uma cópia da certidão de nascimento brasileira. 

+QD: Quais são os principais desafios burocráticos que os pais podem enfrentar nessa situação? 

Livia Leite: O processo de registro do nascimento no exterior pode ser complicado, dependendo das leis locais e da disponibilidade de serviços consulares. Pode ser necessário lidar com a burocracia do país onde o bebê nasceu e, simultaneamente, com os procedimentos do consulado ou embaixada do país de origem dos pais. 

Reunir a documentação necessária, como prova de cidadania dos pais, prova da presença física dos pais nos Estados Unidos (no caso de pais norte-americanos), e documentos válidos que comprovem o relacionamento dos pais (certidões de casamento, por exemplo) pode ser demorado e requer atenção a detalhes. 

Os procedimentos consulares, incluindo o registro de nascimento e a emissão de passaportes, podem ter tempos de processamento longos, o que pode atrasar os planos de viagem e aumentar a ansiedade dos pais. 

Em alguns casos, a barreira do idioma pode complicar o entendimento e a navegação nas leis e procedimentos locais. Além disso, entender as nuances legais e requisitos específicos do país de origem e do país de nascimento pode requerer assistência jurídica especializada. 

Para bebês nascidos prematuramente ou com condições médicas especiais, pode haver restrições adicionais ou a necessidade de cuidados específicos para viajar, o que requer coordenação com profissionais médicos e companhias aéreas. 

Os custos associados ao registro de nascimento no exterior, solicitação de documentos e viagens podem ser significativos, especialmente se houver necessidade de estadias prolongadas enquanto aguarda o processamento de documentos. 

Em alguns casos, mesmo com o registro adequado, pode haver desafios no reconhecimento da cidadania do bebê, especialmente se as leis de cidadania são complexas ou se há mudanças recentes nas políticas de imigração. 

+QD: Que tipo de suporte legal está disponível no Brasil para os pais em uma situação como essa?

Livia Leite: Os pais devem buscar suporte de advogados especializados em direito internacional e de família. Esses profissionais podem oferecer consultoria sobre como registrar o nascimento no exterior, como aplicar para a cidadania brasileira para o bebê e como lidar com questões consulares. Escritórios de advocacia especializados em imigração podem oferecer um suporte abrangente, desde o planejamento inicial até a resolução de problemas durante o processo de registro e a obtenção de documentos. 

As embaixadas e consulados são recursos valiosos. Também existem Organizações Não Governamentais e associações de apoio, que oferecem suporte a famílias em situações transnacionais, incluindo assistência legal gratuita ou a preços acessíveis para famílias de baixa renda que enfrentam desafios legais complexos. 

+QD: Existem medidas preventivas que os pais podem tomar antes de viajar para outro país para se preparar para eventuais emergências? 

Livia Leite: Os pais devem viajar com toda a documentação médica relevante, incluindo cartões de pré-natal, informações sobre o tipo sanguíneo, alergias, medicações em uso, e um plano de parto, se houver. Esses documentos são essenciais para garantir a continuidade do cuidado em um ambiente médico estrangeiro. 

É crucial adquirir um seguro de viagem que inclua cobertura para gestação e complicações de parto, garantindo que despesas médicas inesperadas, como um parto prematuro, estejam cobertas. 

Antes de viajar, identifique hospitais e clínicas no destino que ofereçam serviços obstétricos de qualidade. Verifique também se essas instituições têm profissionais que falam seu idioma ou inglês, para facilitar a comunicação. 

É importante familiarizar-se com a localização e os serviços oferecidos pelo consulado ou embaixada de seu país no destino. Em caso de nascimento no exterior, você precisará de sua assistência para registrar o nascimento e iniciar o processo de obtenção de documentos para o bebê. 

Por fim, é preciso estar preparado para a possibilidade de ter que prolongar a estadia no exterior caso o bebê nasça prematuramente. Isso pode incluir planejar financeiramente para despesas adicionais e ter uma comunicação aberta com seu empregador sobre a situação. 

 +QD: É possível emitir um passaporte emergencial? 

Livia Leite: Se um brasileiro tiver um bebê nos Estados Unidos, por exemplo, o processo de registro e cidadania é influenciado pelo princípio de jus soli. Isso resulta na emissão de uma certidão de nascimento americana, concedendo automaticamente ao bebê a cidadania americana. 

Com a certidão de nascimento americana em mãos, os pais podem solicitar um passaporte norte-americano para o bebê, facilitando a viagem de retorno ao Brasil ou a qualquer outro país. Alternativamente, os pais podem optar por registrar a criança como brasileira no consulado brasileiro nos Estados Unidos. Esse registro qualifica a criança como brasileira nata, e não naturalizada, permitindo que ela também obtenha um passaporte brasileiro, embora esse processo possa ser mais demorado. 

+QD: Em que tipo de casos essa pode ser uma solução? 

Livia Leite: O passaporte de emergência é destinado apenas a casos de extrema necessidade ou imprevistos. Não é válido para viagens turísticas comuns. As circunstâncias em que a Polícia Federal aprova o passaporte de emergência incluem viagens de trabalho em que a presença imediata no exterior é necessária para fins profissionais, problemas de saúde que impliquem realizar tratamentos médicos no exterior não disponíveis no país de origem, falecimento de familiares no exterior e participação em missões de socorro em áreas afetadas por desastres naturais ou conflitos armados. 

Situações não previstas, mas que se enquadrem em emergências legítimas, também serão avaliadas pela Polícia Federal durante o atendimento. 

Milka Veríssimo

Milka Verissimo é jornalista formada pela Faculdade Rio Branco, com pós-graduação em comunicação corporativa e mais de 12 anos de experiência em assessoria de imprensa, no atendimento de grandes contas de diferentes segmentos de mercado.

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