Cristiano Venâncio
A mudança é uma constante no mundo atual. Da pandemia de covid-19 que transformou a sociedade e trouxe o “novo normal” às novidades tecnológicas, encontramo-nos numa realidade complexa e marcada por mudanças. Para o mercado, essas mudanças trazem aceleração dos processos, ciclos de crises e disrupções, modificações nos hábitos de consumo e nas exigências do próprio mercado. Para as empresas, tudo isso significa novas formas de sobrevivência. São novos caminhos para se preocupar com o hoje sem deixar de lado o amanhã.
Aqueles que estão à frente de organizações que almejam a perenidade nesse cenário de transformações precisam ter em mente que qualquer estratégia passa pela governança. A própria governança, entretanto, muda.
Ao longo da história
A governança 1.0 surgiu após a Segunda Guerra Mundial e se caracterizou pela verticalização, onde um “líder forte” tomava as decisões e exercia seu poder hierárquico. Essa lógica, na época, fazia sentido em um mundo com alto custo de informação e avanços tecnológicos estruturais – e não individuais –, que acabavam beneficiando todos.
No entanto, com a ascensão do “capitalismo acionista” no final da década de 1960, emergiu a governança 2.0, marcada pela presença dos acionistas, que detinham a maior parte da influência sobre as decisões. Esse modelo, por sua vez, se manteve relevante até a crise financeira global de 2008, quando começou a sofrer os primeiros golpes de um mundo em transformação, os quais se intensificaram com a pandemia de covid-19.
Posteriormente, a crise sanitária transformou a nossa realidade rapidamente e, como resultado, fez emergir a governança 3.0, mais focada no gerenciamento de crises. Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, aponta que essa governança é construída na tentativa e no erro de curto prazo e num gerenciamento aleatório. Segundo ele, essa forma de fazer governança, entretanto, não é sustentável e, assim, fará surgir um novo modelo em breve.
Governança 4.0
Esse novíssimo modelo é definido como governança 4.0 e será marcado pelo pensamento estratégico de longo prazo e priorização das pautas ESG. Ainda, deverá abandonar a verticalização do passado e se alinhar aos modelos descentralizados que estão fazendo disrupção, como o blockchain e outras tecnologias descentralizadas.
O que não dá para negar é que a governança precisa acompanhar as mudanças do tempo. Empresas que nascem com o DNA da inovação, como é o caso das startups, podem sair na frente na construção de uma governança mais contemporânea. Mas as mudanças devem chegar para todos.
Empresas familiares
Para empresas familiares, a governança é relevante porque, embora a empresa e a família façam parte de um mesmo sistema, elas podem ter respostas diferentes e até conflitantes às mudanças.
Nesse contexto, os negócios familiares enfrentam desafios próprios que, inevitavelmente, recairão sobre os ombros da próxima geração. A boa notícia é que há uma tendência de que os futuros líderes estejam mais bem preparados para antecipar a disrupção, compreendendo a natureza desse movimento e enxergando a própria sucessão como uma força disruptiva.
Além disso, olhar para o futuro e fomentar a disrupção exige a construção de processos, modelos e práticas contemporâneas que façam sentido na realidade atual. Nesse sentido, a governança desempenha um papel crucial. Pensar em inovação, portanto, implica revisitar a governança e avaliar o que continua relevante e o que se tornou obsoleto na fase atual do negócio.
Desafios
A inovação vem acompanhada de desafios de governança, como questões de segurança, gestão de riscos, compliance e todos os aspectos que devem ser considerados ao transformar modelos e negócios.
Então, o que é mais importante: inovar a governança ou governar a inovação? Numa resposta direta, ambas. Há uma relação direta entre os dois caminhos, são dois lados da mesma moeda. Empresas que não têm uma boa governança acabam não embarcando na jornada de inovação, assim como embarcar numa jornada de governança traz muita inovação para a empresa.
Humanização
Outro fator chave na construção de uma governança atenta às transformações do mundo atual é a humanização das formas de operar e se relacionar. Os modelos de governança baseados apenas em racionalidade e suposta imparcialidade não comportam mais as necessidades atuais de gestão.
Deve-se pensar numa “governança emocional”, que se caracteriza pelo gerenciamento explícito dos aspectos emocionais na governança por meio de uma estrutura integrada e dinâmica, composta por mecanismos formais e informais que abrangem os níveis intrapessoal, interpessoal, grupal e organizacional.
De forma simplificada, é uma governança voltada para as condições específicas das empresas familiares, formadas e desenvolvidas num cenário onde os laços consanguíneos ditam as relações e as dinâmicas familiares influenciam a estratégia.
Pensar numa nova governança não demanda abandonar o que foi construído até aqui. Qualquer nova governança parte da evolução do modelo tradicional, não do seu abandono.
Isso porque o modelo tradicional é o que faz a governança se sustentar: auditoria independente, conselho fiscal, conselho de administração e outras estruturas tradicionais compõem as boas práticas de governança. Renovar a governança é trazer um novo olhar que acrescente a essas práticas e que inclua o sucessor e suas perspectivas na construção da governança.