Eduardo Gouvêa
Nos últimos 30 anos, o mercado de precatórios no Brasil passou por uma transformação significativa. Essa evolução não aconteceu de forma linear. Mudanças legislativas, avanços tecnológicos e o crescente interesse do mercado financeiro impulsionaram ela. Acompanhei esse processo de perto. Trabalhei ativamente nele. Por isso, sinto orgulho em fazer parte de uma verdadeira revolução.
Nos anos 1980 e 1990, tornei-me advogado e comecei a atuar com precatórios. Na época, os governos viam esses títulos apenas como um problema. Além disso, representavam risco de crise. Por outro lado, os credores quase não tinham esperança de receber.
Os precatórios deixaram de ser apenas uma dívida judicial e se tornaram um instrumento estratégico para o mercado financeiro. Sua evolução impacta diretamente a economia, abre novas oportunidades de investimento e contribui para a gestão fiscal de estados e municípios de forma mais eficiente e sustentável.
Por que isso importa?
Desafios
Serem vistos como investimentos, então? A falta de regulamentação clara e a fragilidade das instituições tornavam a negociação desses ativos um desafio. As longas filas de espera para recebimento faziam com que muitos considerassem uma loucura se aventurar no mercado secundário.
Esse tema interessa a investidores, gestores públicos, profissionais do direito, economistas e à sociedade em geral. Todos são afetados, direta ou indiretamente, pelas transformações nesse mercado — seja pelo impacto econômico, pelas oportunidades de investimento ou pela melhoria na gestão dos recursos públicos.
Para quem esse assunto interessa?
Uma das principais dificuldades dessa época era a ausência de um marco regulatório robusto. Os credores que tentavam vender seus precatórios enfrentavam deságios consideráveis, refletindo a incerteza quanto ao recebimento. Para muitos, a palavra “precatório” estava associada a algo que não valia a pena perseguir.
Nova Emenda
O início dos anos 2000 trouxe algumas das primeiras mudanças significativas para o mercado de precatórios. A promulgação da Emenda Constitucional n.º 30, em 2000, obrigou os estados a quitar precatórios de até 60 salários mínimos no prazo de dez anos. Essa emenda trouxe mais previsibilidade e começou a atrair os primeiros investidores institucionais.
Esse momento marcou o início de algo que a gente, de fato, poderia chamar de mercado. A criação de fundos especializados na aquisição de precatórios marcou o início de um novo capítulo. Esses fundos viam nos precatórios uma oportunidade para adquirir ativos com grandes deságios e esperar pela valorização. Era o começo da visão dos precatórios como um investimento de longo prazo, em vez de uma mera dívida judicial.
A partir de 2010, vimos um crescimento mais acelerado no mercado de precatórios, impulsionado por uma série de fatores. Em primeiro lugar, a tecnologia começou a desempenhar um papel crucial. Plataformas de negociação e a digitalização de processos facilitaram a compra e venda de precatórios. Com isso, o acesso a esses ativos se ampliou. Além disso, o mercado se tornou mais líquido e transparente.
A Emenda Constitucional n.º 62, de 2009, também trouxe mudanças importantes ao introduzir o regime especial de pagamento de precatórios. Essa emenda estabeleceu prazos mais curtos para o pagamento. Além disso, criou mecanismos como a compensação tributária. Com isso, os credores passaram a usar seus precatórios para quitar dívidas com o Estado. Foi um divisor de águas. A partir daí, mais investidores se interessaram pelo mercado. Eles passaram a ver nos precatórios uma forma de diversificar seus portfólios com um ativo de risco cada vez mais controlado.
Presença internacional
Outro fator importante foi a entrada de players internacionais no mercado de precatórios. Fundos de investimento estrangeiros passaram a enxergar o potencial dos precatórios brasileiros. Esse movimento ganhou força especialmente em um cenário de juros altos no Brasil. Ao mesmo tempo, outras partes do mundo viviam contextos de juros mais baixos. Isso trouxe mais capital e, consequentemente, mais liquidez ao mercado.
Atualmente
Na atual década, o mercado de precatórios tem atingido um novo nível de maturidade. A regulamentação tem se consolidado. Inclusive, novos marcos regulatórios foram aprovados. Tive a oportunidade de participar ativamente desse processo, como presidente da Comissão Nacional de Precatórios da OAB. Além disso, alguns tribunais criaram novos padrões de celeridade. Ao mesmo tempo, o mercado de investimentos se tornou mais sofisticado.
Novas formas de negociação, como a tokenização de precatórios, surgiram e marcaram um salto de inovação. Elas permitiram que investidores fracionassem esses ativos. Com isso, passou a ser possível negociá-los em plataformas digitais. O acesso se democratizou. Novas oportunidades se abriram para os pequenos investidores.
Outro aspecto fundamental foi a mudança na percepção de risco. As instituições evoluíram. Ao mesmo tempo, os pagamentos se tornaram mais previsíveis. Com isso, o mercado passou a enxergar os precatórios como um ativo de menor risco. Hoje, eles são comparáveis a títulos públicos em termos de segurança. Isso ampliou ainda mais o interesse de investidores institucionais e individuais.
Hoje, os precatórios são uma parte importante do mercado financeiro brasileiro. Investidores e gestores públicos utilizam os precatórios de diferentes formas. Não só como instrumentos de investimento, mas também como ferramentas de gestão da dívida pública. Com isso, estados e municípios conseguem reestruturar suas finanças de maneira mais eficiente. É um grande avanço para uma ferramenta que, há menos de 20 anos, o mercado via quase exclusivamente como fonte de problemas.
Um futuro repleto de oportunidades (e desafios)
Embora o mercado de precatórios tenha evoluído significativamente, ainda enfrentamos desafios que precisamos superar. O principal desafio está na falta de informação. Por isso, é necessário criar artigos como este. O mercado, de forma mais ampla, ainda precisa conhecer o verdadeiro potencial dos precatórios. Só assim será possível combater os preconceitos e mitos que ainda cercam esses ativos.
Acredito que a próxima grande evolução virá da combinação de inovação tecnológica com uma maior desintermediação do mercado. A criação de plataformas que conectem diretamente credores e investidores, eliminando intermediários, pode transformar radicalmente o mercado, tornando-o mais eficiente e acessível.
Além disso, há um grande potencial para que os precatórios se tornem uma ferramenta ainda mais poderosa na gestão econômica do país. Com políticas públicas adequadas, os governos ganham uma ferramenta poderosa. Eles podem usar os precatórios para estimular a economia em momentos de crise. Dessa forma, injetam liquidez em setores estratégicos. Também conseguem financiar projetos de infraestrutura, saúde e educação.
Como vocês podem ver, a jornada do mercado de precatórios nas últimas décadas é uma história de transformação e resiliência. De um ativo subvalorizado e cercado de incertezas, os precatórios evoluem para se tornar uma parte essencial do mercado financeiro brasileiro. À medida que olhamos para o futuro, surgem novas perspectivas. A combinação de inovação, educação e regulação adequada tende a impulsionar ainda mais esse mercado. Com isso, credores e investidores se beneficiam. A economia como um todo também sai ganhando.
Os próximos anos serão decisivos para consolidar essa evolução e explorar todo o potencial que os precatórios têm a oferecer. E eu estou animado para fazer parte dessa história, contribuindo para transformar desafios em oportunidades reais para todos os envolvidos.