Bruno Quintiliano
A última vez que vi alguém tão empolgado com a Groenlândia foi em uma partida de War. No jogo de tabuleiro, a maior ilha do mundo é um território estratégico. Ela fornece uma ligação entre a América do Norte e a Europa. Fora do jogo, a Groenlândia é menos glamorosa. O território autônomo da Dinamarca é conhecido por sua vastidão gelada e baixa população de 57 mil habitantes. Sua economia é modesta, dependendo de um subsídio dinamarquês de US$ 500 milhões, que representa mais da metade do orçamento público. Ainda assim, Donald Trump, como um jogador com um objetivo claro, lançou-se na campanha Make Greenland Great Again.
Neste texto, vou explorar os dois principais motivos que levaram Trump a colocar o frio da Groenlândia no calor das disputas geopolíticas.
Recursos minerais
A mudança climática está acelerando a competição geopolítica no Ártico. O derretimento de gelo facilita o acesso a recursos naturais antes inacessíveis, como petróleo e minerais. Embora coberta de gelo, a Groenlândia abriga vastos recursos inexplorados, incluindo mais de 43 dos 50 elementos raros essenciais para a tecnologia limpa.
Em 2023, o governo dinamarquês destacou a Groenlândia como grande depósito de minerais estratégicos. O relatório revelou reservas significativas de cobalto, grafite, lítio e níquel, essenciais para indústrias em crescimento, como baterias e veículos elétricos (New York Times, 2024).
Além disso, em 2022, a CNN informou que bilionários como Jeff Bezos, Michael Bloomberg e Bill Gates estavam investindo na Kobold Metals. A empresa foca na exploração mineral na Groenlândia. Kurt House, CEO, afirmou: “Estamos procurando o maior depósito de níquel e cobalto do mundo” (CNN, 2022).
Outro indicativo do potencial da região é um estudo da Agência Federal de Informação Energética dos EUA. Em 2012, a pesquisa revelou que o Ártico contém cerca de 13% das reservas de petróleo e 30% das de gás natural ainda não descobertas (EIA, 2012).
Rotas marítimas
O degelo no Ártico tem aberto novas rotas de navegação marítima, atraindo o interesse de potências como China e Rússia. As duas nações estão trabalhando juntas para desenvolver essas passagens estratégicas. Em novembro de 2024, o South China Morning Post anunciou que elas concordaram em cooperar na Rota do Mar do Norte (SCMP, 2024).
Outro dado relevante é o aumento de 37% na navegação no Ártico entre 2013 e 2023 (Arctic Council, 2024). Esse crescimento demonstra como a redução do gelo facilita o acesso a regiões remotas. Isso acontece especialmente em um momento em que o mundo busca encurtar rotas marítimas.
Estima-se também que a Rota do Mar do Norte possa reduzir em até 40% a distância entre portos no noroeste europeu e o Extremo Oriente, em comparação com a rota pelo Canal de Suez (Journal of Transport Geography, 2011).
Política externa
Trump não é o primeiro presidente americano a almejar a aquisição da Groenlândia. Harry Truman, em 1945, também demonstrou interesse em comprar a ilha após a Segunda Guerra Mundial, como parte de uma estratégia para conter a expansão das forças soviéticas. Oito décadas depois, Trump recorre à mesma lógica estratégica, observando a crescente presença da Rússia e da China no Ártico.
É relevante destacar que a política externa dos Estados Unidos tem voltado sua atenção para a Groenlândia, um foco que se intensificou recentemente. Durante o seu primeiro mandato, Trump reabriu o consulado americano na região e comprometeu-se a destinar mais de 12 milhões de dólares em ajuda. Já sob a presidência de Biden, foi assinado um acordo de 12 anos para a manutenção da Base Aérea de Thule, que vem se tornando cada vez mais importante para o governo dos Estados Unidos, consolidando a presença militar americana na ilha com um investimento de 3,95 bilhões de dólares.
Ao trazer à tona o desejo de “conquistar” a Groenlândia, Trump revive um sonho antigo. A ilha, assim como em um jogo de War, não é apenas um pedaço de terra, mas um ponto crucial em um jogo maior de poder, segurança e recursos. A questão vai além de uma simples disputa por território, ela é tão peculiar que faz Trump crer nas mudanças climáticas e apelar para a questão de segurança nacional.
A proteção do mundo livre, evocada por Trump é a representação do realismo nas relações internacionais que enfatiza a busca pelo poder, segurança e os interesses nacionais como motivadores centrais da política externa de um Estado.