Musk x Moraes: fake news, liberdade de expressão e defesa da democracia

Equilíbrio entre a proteção do direito à liberdade de expressão e a existência de limitação deste direito é fundamental
Espera-se que tamanha repercussão sirva de combustível para acelerar a tramitação, tanto do PL 2630/2020, quanto do Inquérito criminal 4.781 - Freepik

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Elizabeth Vilela de Moraes

O bafafá entre o dono do X, Elon Musk, e o ministro Alexandre de Moraes foi o grande assunto no Brasil nas últimas semanas.

Nas redes sociais fala-se, de um lado, da implantação de uma ditadura autoritária, do cerceamento do direito à liberdade de expressão; e, por outro, fala-se sobre a necessidade de proteção à democracia brasileira e flagrante afronta à soberania nacional.

Para melhor visualizar o cenário, nada melhor que se afastar do quadro e analisar os fatos desde onde começaram.

Tendo em vista os desdobramentos da repercussão do que pode-se chamar de novela de vários capítulos, como boa história que se preze, comecemos pelo “tudo começou” …

E começou com a disseminação das famigeradas fake news ou seja,notícias com teor totalmente ou parcialmente falso que alguns veículos de comunicação publicam com objetivo de legitimar um ponto de vista – via de regra político e ideológico – ou contaminar a formação da opinião pública sobre determinada pessoa ou grupo.


Por que isso importa?

O embate entre Elon Musk e Alexandre de Moraes expõe um grave desafio ao sistema jurídico brasileiro, com implicações para a soberania nacional, o cumprimento das leis e a integridade das instituições democráticas. A resistência de uma grande corporação global em acatar ordens judiciais no Brasil pode enfraquecer a autoridade do Judiciário, comprometer a regulamentação da internet e facilitar a disseminação de fake news, com consequências sérias para a sociedade e a estabilidade política.

PL das Fake News

As publicações de fake news durante os últimos processos eleitorais tomou tal proporção, que tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PL 2630/20) que visa combater a desinformação, através da responsabilização dos provedores de redes sociais e de serviços de mensagens.

Com objetivo semelhante, em 2019, o então presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, determinou abertura do inquérito 4.781, conhecido como “inquérito das fake news” que, por sua vez, visa  investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação sem os devidos direitos autorais, infrações que podem configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte e seus familiares.

Contudo, tanto a medida do Poder Legislativo (PL 2630/20) quanto a do Poder Judiciário (Inquérito criminal 4.781) seguem em tramitação até os dias atuais, e tamanha demora, acredita-se, muito se deve a existir forte enlaçamento de interesses políticos em ambos os trâmites.

É neste cenário político e jurídico conturbado e lento que entra em cena um dos protagonistas da novela que agora maratonamos.


Para quem esse assunto interessa?

O tema interessa ao Judiciário e aos legisladores brasileiros, responsáveis por garantir o cumprimento das leis e a soberania do país. Também é relevante para empresas de tecnologia, profissionais de direito digital e cidadãos que se preocupam com a regulamentação da internet, a luta contra as fake news e a proteção das instituições democráticas. Além disso, a questão tem impacto direto sobre a confiança pública no sistema jurídico e na eficácia das políticas de controle de desinformação.

Dono de uma das maiores redes sociais (X, antigo Twitter) do mundo, Elon Musk se manifestou no sentido de que não iria cumprir decisão judicial proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, que determinou suspensão de contas que, supostamente, estavam disseminando fake news e discurso de ódio.

Sob a justificativa de que o ministro estaria realizando verdadeiro ato de censura, o bilionário utilizou sua influência para colocar em xeque a autoridade do Poder Judiciário, ao passo que sustenta que Moraes deveria “renunciar ou enfrentar impeachment” já que “trai descarada e repetidamente a Constituição e o povo brasileiro”.

Liberdade de expressão x defesa da democracia

É de notar, contudo, que a liberdade de expressão, embora tenha caráter de direito universal e seja amplamente protegido pela nossa carta magna, além de ser pressuposto indispensável para concretização da democracia, não se trata de direito absoluto.

Explica-se: a própria Constituição Federal veda o anonimato (Art. 5, inciso IV), além de limitar o exercício deste direito, ao estabelecer que cabe indenização pelos danos morais e materiais decorrentes da violação da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (atr. 5º, inciso X). vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Além da previsão constitucional, também pode o direito à liberdade à expressão sujeitar-se às limitações ao seu exercício previstas na Convenção Americana de Direito Humanos, através da responsabilização ulterior ao seu exercício, quando há desrespeito aos direitos ou reputação de pessoas, ou, ainda, aquando há necessidade de proteção à segurança nacional, da ordem pública ou da saúde e da moral pública, senão vejamos o que prevê o Art. 13 do referido diploma:

Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

Inquérito

Em resposta às declarações de Musk, Moraes incluiu o empresário na condição de investigado no já mencionado “inquérito das fake news”, a fim de apurar sua conduta.

Muito se crê que a atitude do ministro esteja relacionada ao que prevê o art. 19 da Lei do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que, por sua vez, prevê a possibilidade de responsabilização civil do provedor de redes sociais pelo dano decorrente de conteúdo produzido por terceiro, ao se recusar a cumprir determinação judicial. Cita-se:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Fim da novela?

Em mais recente capítulo de “nossa” novela, depois de instaurado o verdadeiro caos internacional, Musk, por fim, recuou e se manifestou no sentido de que iria cumprir todas as decisões emanadas pelo judiciário brasileiro.

O motivo que fez com que Musk tenha mudado de postura é desconhecido, mas espera-se que tamanha repercussão sirva de combustível para acelerar a tramitação, tanto do PL 2630/2020, quanto do Inquérito criminal 4.781, a fim de que cessem as dúvidas acerca da legalidade das medidas tomadas pelo judiciário quanto à limitação da prática da publicação de fake news, e, em especial, para  que a aplicação da futura lei se dê para todo aquele que utilize-se da internet para propagação de conteúdos falsos, independentemente da posição que ocupe ou viés político que possua.

Nesse quadro, tendo em mente que a internet trouxe ao mundo uma vastidão de meios de comunicação e que a dificuldade de filtrar o que é real do que é fictício é uma realidade, é de se almejar que haja equilíbrio entre a necessidade de se proteger o direito à liberdade de expressão e a existência de limitação deste direito fundamental, que só deve se dar quando houver previsão legal específica para tal cerceamento.

Assim, uma vez encontrada a harmonia entre o usufruir e o limitar do direito à liberdade de expressão no meio virtual, acredita-se que estarão protegidos tanto o Estado Democrático de Direito, quanto o direito individual de expressar-se, sem que haja novo imbróglio de proporção internacional.

Elizabeth Vilela de Moraes

Elizabeth Vilela de Moraes é advogada especialista em Direito Público e atua predominantemente no Direito Familiarista, com foco nos Direitos das Mulheres.

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