Lucas Nunes
Nas últimas semanas, os holofotes da mídia e os debates nas redes sociais apontaram para o Supremo Tribunal Federal. O movimento começou há alguns meses, quando, em abril, o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), pediu em seu perfil a renúncia do ministro Alexandre de Moraes. Musk contestou a atuação do magistrado e chamou o ministro de “ditador”. Afirmou ainda que a censura no Brasil é “pior que em qualquer outro país onde a plataforma opera”.
No último sábado, o empresário decidiu fechar a sede da empresa no Brasil, dificultando ainda mais a aplicação das ordens da justiça brasileira, que até o momento não se pronunciou. O movimento ocorreu três dias depois de a plataforma ter tomado ciência de novas decisões do STF, que impunham multa de R$ 200 mil caso não tirasse do ar perfis específicos, indicados pela Justiça brasileira.
Histórico
Anteriormente, ainda em abril, o X já havia sido condenado a pagar R$ 700 mil por não retirar do ar perfis e publicações no prazo estipulado. Logo depois, o Musk alegou que o ministro, relator do inquérito das fake news.
Até agora todos os perfis seguem ativos, e a empresa, sem representantes no Brasil, pode não ser intimada formalmente para cumprir decisões judiciais, o que pode trazer dificuldades no futuro. Sem um representante oficial no país, o cumprimento das decisões Judiciais fica mais difícil na prática.
O fechamento da sede do X no Brasil ocorreu após uma reunião de emergência no sábado, em que aproximadamente 40 funcionários, os únicos da empresa no país, foram demitidos. A empresa também anunciou o fim de sua operação local.
Mas, afinal, o que está em jogo?
O descumprimento de mandado judiciais por Elon Musk afrontou diretamente o sistema jurídico do Brasil, inclusive contrariando o artigo 1º da Constituição, que estabelece o princípio da soberania nacional. E agora o megaempresário se furta mais uma vez de efetivamente cumprir as decisões judiciais da maior instituição jurídica do Brasil.
Após o fechamento da sede no país, o STF não conseguirá acionar diretamente a empresa ou quaisquer representantes legais, devendo direcionar as ações primeiramente à justiça americana para que sejam cumpridas. Indo além, é preciso discutir a falta de regulamentação da internet e das redes sociais no Brasil e as responsabilidades das plataformas, inclusive na disseminação de notícias falsas
Regulamentação
Vale então, discutir as leis até que ponto as leis que regulam o direito digital no Brasil demonstram efetividade. O Marco Civil da Internet, aprovado em 2014 por meio da lei 12.965, tem como objetivo legislar sobre a internet, porém somente no âmbito civil, sem atribuir penas às infrações. O documento traz em seus artigos responsabilidades aos provedores de aplicação, como o X, que, quando ordenados juridicamente, têm o dever de suspender postagens específicas, para assim não assumirem responsabilidade pelos danos causados.
Em seu artigo 19, diz o marco: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”
Se o Marco Civil não tem sido suficiente para manter um ambiente virtual livre de notícias falsas e, se a responsabilidade pela repercussão delas não for atribuída também às empresas, a batalha contra as fake news parece perdida.
A falta de regulamentação dentro do ambiente virtual impacta toda a sociedade brasileira. Vale lembrar que os ataques à República, como os de 8 de janeiro, se originaram em fake news e na ação de milícias digitais. Assim como a postura inicial de Musk foi resultado desta lacuna na regulamentação de responsabilidade dos provedores de serviço.
No esforço de resolver em parte o problema, tramita na Câmara dos Deputados o PL 2630, que pretende estabelecer normas relativas à transparência das redes sociais e de serviços de mensagens privadas, como o WhatsApp, por exemplo, por meio da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Entre as medidas propostas, estão a obrigatoriedade de que as plataformas removam contas falsas e robôs não identificados, além de limitarem o envio massivo de mensagens, além de garantirem maior transparência na propaganda eleitoral e em conteúdos pagos. Seria um começo.
Áudios
As consequências disso transcendem o ambiente digital. Uma pesquisa do PoderData, publicada em 1º de junho, mostra que o embate entre ministro e Musk, um dos grandes atores no cenário político-econômico dos EUA, abalou a confiança nas instituições brasileiras.
Em relação à pesquisa anterior, do ano passado, o resultado foi uma queda de 17 pontos percentuais dos brasileiros que consideram o STF “bom” ou “ótimo”, demonstrando que apenas 15% dos entrevistados confiam na eficácia do tribunal. Pesquisas realizadas pelo Jota e pela Datafolha anteriormente mostram cenário parecido.
O tema ficou ainda mais quente quando, no início do mês, foi vazado um áudio, que, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, demonstraria a utilização de meios impróprios do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo ministro Alexandre de Moraes, atual presidente da corte, para investigar bolsonaristas no inquérito das fake news.
Embora a tese seja controversa, o fato serviu como alavanca para parlamentares em Brasília darem início a um pedido de impeachment de Moraes.
Mesmo sendo sabido que poder de policiamento seja uma atribuição do TSE e que todas as ações foram tomadas em concordância com a Polícia Federal e com a PGR (Procuradoria Geral da União), como afirmado pela defesa do gabinete de Moraes, a repercussão foi grande. “Vários desses relatórios foram juntados nas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República”, afirmou o gabinete do ministro.
Seja qual for a conclusão sobre os atos de Alexandre de Moraes, o vazamento alimentou fartamente a disputa política já polarizada no Brasil.