Primeira instância e o uso banalizado da prisão preventiva

Medida não pode ser decretada por força da gravidade do crime, pela comoção social ou pela conveniência da acusação
Primeira instância deve garantir a análise cuidadosa dos casos antes de decretar a prisão preventiva - Freepik

COMPARTILHE

Arthur Richardisson e Marlon Ricardo Lima Chaves*

A Justiça criminal brasileira sofre com o uso excessivo, que acaba por banalizar, a aplicação da prisão preventiva, sem seguir os critérios estabelecidos pelo Código de Processo Penal (CPP). Nos tribunais de origem, geralmente na primeira instância, vê-se com frequência uma medida que deveria ser excepcional, o que agrava ainda mais a situação.

Segundo o último Relatório de Informações Penais (Relipen), da Secretaria Nacional de Políticas Penais, o Brasil tinha mais de 182 mil presos provisórios até 31 de dezembro do ano passado. Esse número inclui prisões preventivas, temporárias e em flagrante. As autoridades mantêm sob custódia pessoas ainda não definitivamente condenadas, enquanto aguardam decisões da Justiça.


Por que isso importa?

Este assunto é relevante porque aborda a crise no sistema penitenciário brasileiro, agravada pela aplicação excessiva e sem fundamentação da prisão preventiva. A falta de critérios rigorosos contribui para a sobrecarga do sistema e viola direitos fundamentais, como o princípio da presunção de inocência.

Critérios rigorosos

O mesmo documento mostra que o Brasil tem uma população prisional de mais de 670 mil e déficit de 175 mil vagas. Esses números evidenciam a sobrecarga do sistema prisional e a escassez de estrutura adequada. Além disso, a ausência de critérios rigorosos na aplicação das prisões provisórias agrava a crise no sistema penitenciário. Em muitos casos, as autoridades desrespeitam os requisitos previstos no Código de Processo Penal (CPP).


Para quem esse assunto interessa?

O tema interessa a juristas, advogados, defensores de direitos humanos e profissionais do sistema de justiça, além de cidadãos preocupados com as falhas do sistema penal. Também é de interesse de gestores públicos e organizações que buscam reformas no sistema carcerário.

Em um caso recente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou a prisão preventiva de um homem condenado em primeira instância. Para os ministros, a justificativa para mantê-lo preso se baseava apenas na pena aplicada. Por isso, consideraram a decisão inadequada. Para os ministros, essa abordagem configurou um constrangimento ilegal, levando à anulação da medida. 

O ministro Og Fernandes analisou o caso ao relatar um recurso em habeas corpus com pedido de liminar (RHC 212836/RS). Segundo o relator, a decisão de manter a prisão cautelar se baseou apenas na duração da pena, que era de nove anos de reclusão. Não foram apresentadas justificativas concretas para a privação da liberdade antes da condenação definitiva. Diante dessa falta de fundamentação adequada, o colegiado determinou a revogação da prisão. 

Decisão do STJ

A decisão do STJ destaca um problema persistente na Justiça criminal brasileira, especialmente na primeira instância. Trata-se da aplicação indiscriminada da prisão preventiva, muitas vezes sem uma fundamentação concreta na sentença condenatória. Essa prática distorce o propósito da prisão preventiva, pois antecipa a pena em vez de usá-la apenas em caráter excepcional, como determina a lei.

Conforme o artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal, “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou não da prisão preventiva” na sentença condenatória. Essa exigência não é uma formalidade, mas, sim, uma proteção ao núcleo essencial do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF) e à motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF). 

O artigo 312 do CPP estabelece que a prisão preventiva só é justificada quando três requisitos são preenchidos de forma cumulativa. São eles: (1) indícios suficientes de autoria e prova da materialidade; (2) necessidade para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal; e (3) impossibilidade de substituição por medidas cautelares diversas.

No caso analisado, o tribunal de origem justificou a prisão do réu apenas pela pena aplicada. Porém, não apresentou uma fundamentação concreta e aprofundada. Além disso, não avaliou corretamente os requisitos para a prisão preventiva. O tribunal desconsiderou o princípio da presunção de inocência, garantido pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.

STF

A decisão também contrariou entendimentos consolidados pelo STF nas ADCs 43, 44 e 54. Essas ações determinam que a execução da pena só deve ocorrer após o esgotamento de todos os recursos, conforme o artigo 283 do Código de Processo Penal.

Para cumprir a lei, é imprescindível lembrar que juízes não podem decretar a prisão preventiva com base na gravidade do crime, na comoção social ou na conveniência da acusação. Sua aplicação exige uma análise individualizada e fundamentada. Deve-se considerar a situação específica do réu e do processo, sempre pautada em fatos concretos e contemporâneos, além do cumprimento cumulativo dos requisitos legais.

Quando aplicam a prisão preventiva de forma indiscriminada, como extensão automática da sentença, as autoridades comprometem os princípios do sistema acusatório. Enfraquecem garantias constitucionais e alimentam uma cultura punitivista disfarçada de legalidade. Assim, legitimam práticas autoritárias sob a aparência de rigor judicial.

*Arthur Richardisson é advogado criminalista, conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e vice-presidente do Observatório Nacional da ABRACRIM

*Marlon Ricardo Lima Chaves é advogado Criminalista, Mestre em Direito pela UFMS, Coordenador da Especialização na Defesa em Crimes de Lavagem de Capitais e palestrante

Da Redação

Autores

COMPARTILHE

Leia também

Receba nossa Newsletter

Negócios, Compliance, Carreira, Legislação. Inscreva-se e receba nosso boletim semanal.

TAGS

NOSSAS REDES

Nosso site utiliza Cookies e tecnologias semelhantes para aprimorar sua experiência de navegação e mostrar anúncios personalizados, conforme nossa Política de Privacidade.

Exit mobile version