Denis Zanini Lima
Crimes de golpe de estado e abolição do Estado Democrático de Direito são condutas gravíssimas e devem ser punidos severamente. Essa é a avaliação do advogado e doutor em direito e professor de direito penal Fernando Hideo Lacerda. Segundo ele, em uma democracia constitucional, não há crime mais grave.
Em entrevista ao +QD, Lacerda afirma que o crime tem ainda reflexos na dimensão privada atentando contra a vida, e na dimensão social, ao atingir as instituições democráticas.
+QD: Terminada a “primeira rodada” do julgamento do movimento golpista de 8 de janeiro com a condenação de três réus pelo Supremo Tribunal Federal, que avaliação é possível fazer?
Fernando Hideo Lacerda: Independentemente de questões específicas sobre a dosimetria da pena, acredito que o que precisamos destacar é a gravidade do crime e a necessidade de uma sanção condizente com essa gravidade.
Vale lembrar que a pena cumpre uma dupla função: a retribuitiva e a preventiva.
A primeira é a retribuição do Estado à prática de condutas socialmente reprovadas e tipificadas na lei como crime. A segunda tem um papel preventivo na dimensão social, no sentido de evitar que tal prática danosa se repita.
Assim, a pena tem o efeito pedagógico de reafirmar os valores civilizatórios e de inibir comportamentos indesejáveis da mesma natureza.
Na minha avaliação, os crimes de golpe de estado e abolição do Estado Democrático de Direito são condutas gravíssimas e devem ser punidos severamente.
Na dimensão privada é um crime contra a vida e na dimensão social um crime contra as instituições democráticas.
Em uma democracia constitucional, são os crimes mais graves.
+QD: Entre os 11 ministros, uma maioria acompanhou o voto do relator Alexandre de Moraes. Porém, houve um bloco que propôs penas um pouco menores e um outro que não viu crime de golpe de estado e de abolição do Estado Democrático de Direito. Você acha que esses 3 blocos estão consolidados e que devem se repetir ao longo do processo?
Fernando Hideo Lacerda: É difícil prever como irão se comportar. Contudo, me parece absolutamente equivocada a visão de alguns ministros em interpretar os atos de 8 de janeiro como uma mera destruição ou deterioração de bens públicos.
O que existem são provas abundantes no sentido de demonstrar o dolo, a intenção dessas pessoas de depor o governo que foi legitimamente constituído e de abolir o Estado Democrático de Direito
Então, a intenção, o dolo, me parece muito evidente, o que revela ser totalmente equivocada essa tentativa de se tipificar como condutas menos graves, como delitos menos relevantes, crime de dano, por exemplo
Agora, questões sobre a dosimetria da pena, são questões que precisam ser avaliadas, mas sempre com essa concepção que eu destaquei, de que são condutas graves e devem ser punidas severamente.
+QD: Pareceu que o fato dos réus terem usado as redes sociais ou aplicativos de mensagens com incentivo à intervenção militar foi um fator decisivo como prova para a condenação e o tempo de prisão. Você acredita que aqueles que não se manifestaram digitalmente poderão ter penas mais brandas?
Fernando Hideo Lacerda: Sobre a utilização de redes sociais e de aplicativos de mensagens, não vejo isso como um ponto relevante, não.
Acho que o relevante é saber o que movia essas pessoas que estavam lá, independentemente de elas terem se manifestado, conclamado outras pessoas a participarem dessa tentativa de golpe.
Não acho que o simples fato de elas não terem se manifestado em redes sociais pode ser uma causa de diminuição de pena, de abrandamento das sanções.
Isso é mais uma questão de prova que uma questão de dosimetria da pena.
+QD: Após as condenações, houve críticas sobre o rigor das penas. Fala-se em uma punição desproporcional motivada por um julgamento político. Como você avalia esse ponto de vista?
Fernando Hideo Lacerda: Acredito que é um crime com motivação política, não julgamento político.
Pode ser que haja questões técnicas em razão do concurso de crimes. Pode ser que haja particularidades mais técnicas sobre a dogmática penal, mas acredito que são questões menores se a gente analisar a perspectiva social da resposta do Estado.
Claro que, especialmente os advogados daqueles que estão sendo representados, vão se debruçar sobre conceitos mais técnicos, mas, como contexto geral, o que me parece é o consenso da sociedade de que são crimes violentos, são crimes graves, são os mais graves e violentos de uma democracia constitucional.
A gente tem que valorizar o trabalho do Supremo Tribunal Federal e reconhecer que estão julgando crimes graves e que devem ser rigorosamente sancionados.