Traição e patrimônio: quando a infidelidade gera consequências jurídicas

Embora não configure mais crime, a infidelidade pode gerar obrigação de reparar danos morais e materiais quando há exposição pública, dilapidação do patrimônio comum ou violência patrimonial
Além dos reflexos diretos na partilha, a traição pode gerar danos materiais que vão além da esfera patrimonial compartilhada.

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Elizabeth Vilela

A infidelidade conjugal, embora não configure mais crime desde a revogação do tipo penal adultério, continua a ser uma das principais causas de dissolução dos vínculos afetivos. No âmbito jurídico, sua análise envolve não apenas a dimensão moral, mas também possíveis repercussões patrimoniais e indenizatórias.


Por que isso importa?

Importa porque a traição pode gerar consequências jurídicas e patrimoniais, impactando danos morais, materiais e dilapidação de bens, indo além da esfera emocional.

Nos últimos anos, alguns episódios amplamente divulgados chamaram a atenção da opinião pública e demonstraram como a traição pode extrapolar o campo íntimo e se projetar em dimensões sociais, patrimoniais e até jurídicas.

O caso do chamado “chá revelação de traição”, no Rio Grande do Sul, em que uma mulher expôs a infidelidade do marido durante uma festa, levantando questionamentos sobre valores que ele teria destinado à amante, é um exemplo emblemático da sobreposição entre vida privada e patrimônio do casal.

Situação semelhante ocorreu quando o humorista Tirullipa admitiu publicamente a traição contra a esposa e pediu desculpas em suas redes sociais, assim como no episódio em que a esposa de um pastor o expôs em pleno culto diante da comunidade religiosa.


Para quem isso interessa?

Interessa a cônjuges, uniões estáveis, advogados de família, juízes e qualquer pessoa envolvida em disputas patrimoniais ou exposta publicamente..

Mais recentemente, ganhou repercussão internacional o caso do CEO flagrado pela “câmera do beijo” em um show da banda Coldplay, quando, ao ser filmado em momento íntimo com a amante, expôs sua esposa e sua família a uma situação vexatória de alcance global.

 Esses exemplos demonstram que a traição — seja no casamento ou na união estável — permanece como um dos fatores que mais abalam relações conjugais, trazendo consequências que ultrapassam a esfera emocional e alcançam também a jurídica, especialmente no que diz respeito à responsabilidade civil, à proteção contra formas de violência e dilapidação patrimonial, bem como à possibilidade/necessidade de compensação em sede de partilha de bens.

A traição e a partilha de bens

 O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que a infidelidade, por si só, não gera perda patrimonial na partilha de bens. Assim, a simples ocorrência da traição não autoriza a exclusão de um cônjuge de sua meação.

 Todavia, há situações em que a infidelidade repercute diretamente no patrimônio do casal. Isso ocorre, por exemplo, quando um dos cônjuges utiliza recursos comuns para custear despesas relacionadas à traição, como viagens, presentes, transferências financeiras ou investimentos em favor da pessoa com quem mantém o relacionamento extraconjugal. Nesses casos, não se trata de penalizar moralmente a conduta, mas de reconhecer a fraude e a dilapidação do patrimônio comum – o que precisa ser reparado na partilha, a fim de evitar enriquecimento sem causa de um dos consortes.

A traição, a exposição pública e os danos morais

Outro ponto relevante é a necessidade — ou não — de a traição extrapolar a esfera privada para gerar consequências jurídicas.

A infidelidade, sem dúvidas, é violação dos deveres inerentes à sociedade conjugal, capaz de provocar intensos abalos morais no cônjuge traído. Contudo, a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem que o descumprimento do dever de fidelidade, por si só, não gera o dever automático de indenizar.

Para que haja condenação por dano moral, é necessário demonstrar que a traição expôs a vítima a situação vexatória, humilhante ou pública — e essa exposição não pode ser promovida pela própria vítima, mas sim pelo cônjuge infiel ou por terceiros. Assim, episódios como o do CEO flagrado no show do Coldplay ilustram bem a questão: ao ter sua relação extraconjugal revelada pela “câmera do beijo”, a esposa fora colocada em uma posição de constrangimento e humilhação perante milhões de pessoas, em todo o mundo.

Da mesma forma, casos de divulgação em redes sociais ou em grupos de WhatsApp, seja de forma direta pelo cônjuge infiel, seja por terceiros, também configuram violação à dignidade e intimidade do traído. Nessas hipóteses, a dor da traição é ampliada pela repercussão pública, ensejando a reparação por danos morais.

A traição e os danos materiais

Além dos reflexos diretos na partilha, a traição pode gerar danos materiais que vão além da esfera patrimonial compartilhada. Muitas vítimas, em decorrência do abalo emocional, necessitam de tratamento psicológico, acompanhamento médico, aquisição de medicamentos e até afastamento laboral temporário. Essas despesas, devidamente comprovadas, podem ser objeto de pedido indenizatório em face do cônjuge infiel, uma vez que se vinculam diretamente ao sofrimento causado pela conduta desleal.

A traição e a violência patrimonial

A violência patrimonial é uma das formas de violência doméstica e familiar previstas pela Lei Maria da Penha, que, em seu art. 7º, inciso IV, a define como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de bens, documentos pessoais, valores, direitos ou recursos econômicos da mulher.

É importante destacar que a Lei Maria da Penha foi concebida primordialmente para proteger a mulher em situação de vulnerabilidade, de modo que não se aplica, em regra, a homens que aleguem ser vítimas de violência patrimonial. Isso, entretanto, não significa que o homem reste desamparado: o ordenamento jurídico brasileiro disponibiliza instrumentos eficazes de proteção, como ações de reparação de danos materiais e morais, além de medidas cautelares destinadas a coibir a dilapidação patrimonial.

Nem sempre, mas não raro…

Quando falamos em traição, partilha de bens e violência patrimonial, não estamos tratando apenas de patrimônio, mas da vida concreta de pessoas que sofrem a quebra de um vínculo construído, em regra, sobre a confiança.

Na maioria dos casos, é a mulher quem vivencia não apenas a dor da traição, mas também a vulnerabilidade patrimonial. Muitas vezes, abre mão de sua carreira ou de oportunidades profissionais em prol da família e, ao descobrir a infidelidade, enfrenta não apenas o abandono afetivo, mas também a perda ou a dilapidação do patrimônio comum.

É preciso reconhecer que, para além de números e valores a serem partilhados, existe uma dimensão humana e social que exige sensibilidade do Judiciário. O direito não deve se limitar a repartir bens, mas compreender que a violação de deveres conjugais, quando associada à exposição pública e à dilapidação patrimonial, pode deixar marcas profundas na vida da pessoa traída.

A necessidade de um olhar humanizado e integralista

Ainda que a traição não configure mais crime e não seja, por si só, causa de exclusão da meação, seus reflexos não podem ser ignorados. O desvio de recursos do casal, a exposição pública da infidelidade e as consequências emocionais e psicológicas da quebra de confiança justificam a busca por reparação moral e material.

Embora o direito não deva intervir em todas as questões privadas, deve assegurar reparação justa quando a dor da infidelidade se converte em prejuízos concretos e palpáveis.

Mais do que uma questão jurídica, trata-se de um convite à reflexão: é preciso olhar para a pessoa traída — homem ou mulher — com acolhimento, sensibilidade e compromisso com a justiça, garantindo que o Direito de Família continue sendo um espaço de proteção e dignidade.

Denis Zanini

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