Sadik Sarkis
A gente se prepara para uma reunião como quem vai à guerra. Estudamos argumentos, simulamos objeções, ensaiamos falas. Mas quase nunca nos damos conta de que, antes mesmo de abrir a boca, já estamos dizendo tudo. Sim, com os ombros, com as sobrancelhas, com aquele cruzar de braços que achamos ser “apenas conforto”. A verdade é que o corpo grita o que a alma tenta esconder, e isso pode ser a chave, ou o cadeado, de uma boa negociação.
Ao pesquisar o tema sobre a linguagem corporal e sua aplicação na solução de conflitos, o que me impressionou não foi apenas o poder do gesto, mas o quanto ainda subestimamos essa linguagem silenciosa e reveladora. Se comunicação fosse um iceberg, a fala seria a pontinha visível. Já a linguagem corporal seria o imenso bloco submerso que pode afundar ou sustentar todo o navio.
Negociar é humano. Negociamos desde pequenos com pais, professores, chefes, parceiros e vamos da barganha ao blefe como quem troca de camisa. Mas quando os conflitos esquentam, o que mais precisamos não é de um argumento matador, mas de escuta e aqui entra a escuta visual, que muitos ignoram. Ver é, muitas vezes, entender mais do que ouvir.
William Ury, um dos grandes nomes da arte de negociar, nos lembra que o obstáculo maior muitas vezes somos nós mesmos. E como não ser, se o nosso corpo nos trai a todo instante? Imagine um negociador que diz “estou aberto a ouvir”, enquanto cruza os braços, franze a testa e evita o olhar. A fala diz uma coisa, mas o corpo está gritando outra e, vamos admitir, geralmente o corpo vence.
Haka e sobrancelhas
A boa notícia é que linguagem corporal pode ser aprendida, treinada, ajustada. Não estamos condenados a sermos mal interpretados para sempre. E tampouco estamos fadados a sermos enganados por sorrisos ensaiados. A leitura dos gestos, das microexpressões e da postura pode fazer de um simples diálogo um território fértil para o entendimento ou um campo minado de equívocos.
Pegue o exemplo dos All Blacks, o lendário time de rúgbi da Nova Zelândia. Antes das partidas, fazem a famosa Haka, uma dança tribal Maori que mistura força, tradição e pura intimidação. É linguagem corporal em sua forma mais teatral e poderosa. Eles não precisam dizer “vamos ganhar”, o corpo inteiro deles já está avisando. E mesmo quem nunca jogou rúgbi entende a mensagem. Acredite, vale a pena conferir na internet.
Mas nem tudo é tão evidente. Às vezes, um simples levantar de sobrancelha, um leve deslocamento da cadeira, ou um olhar fugidio já contam uma história inteira. Como bem destacaram Pierre Weil e Roland Tompakow, no clássico “O Corpo Fala”, o corpo não mente, mesmo quando a gente tenta. A contradição entre o que é dito e o que é mostrado é onde mora o ruído. E o bom negociador é, acima de tudo, um afinador de frequências.
Temos, claro, nossas limitações. Às vezes, erramos feio. Quem nunca interpretou mal um gesto? Achamos que alguém está nos ignorando, quando na verdade está tentando segurar o botão da calça estourando (sim, esse exemplo é real e é tão tragicômico quanto educativo). A linguagem corporal exige contexto, sensibilidade e, por que não, uma boa dose de humildade.
Não é sobre ganhar de alguém
O mais fascinante, porém, é perceber que dominar essa arte não serve apenas para “vencer” uma negociação. Serve, antes de tudo, para construir pontes. Quando conseguimos ler e ajustar nosso comportamento não verbal, criamos um espaço onde o outro se sente ouvido, mesmo sem falar. E essa é uma habilidade que vale ouro em qualquer relação familiar, profissional ou amorosa.
Negociações difíceis são inevitáveis, mas a dureza do conflito não precisa se refletir na rigidez do corpo. Posturas abertas, gestos naturais, contato visual equilibrado, tudo isso comunica e pode dizer “estou aqui, disposto ao diálogo”. E quando o outro percebe isso, as defesas baixam. É a velha arte de desarmar sem disparar. Porque no fim das contas, negociar não é ganhar de alguém, é ganhar com alguém.
E talvez essa seja a lição mais importante, qual seja, aprender a negociar consigo mesmo. Observar como reagimos, o que nosso corpo denuncia, o que nossas emoções traem. Amy Cuddy, com sua pesquisa sobre o poder das poses corporais em sua obra “O poder da presença”, mostrou que não é só o outro que lê nossa postura, nós mesmos somos moldados por ela. Quando adotamos uma pose de confiança, mesmo que por alguns minutos, começamos a nos sentir mais confiantes. O corpo ensina a mente. E a mente, bem… agradece.
Portanto, caro leitor, da próxima vez que entrar numa negociação, não leve apenas argumentos. Leve também consciência corporal. Observe, escute com os olhos, fale com o corpo. Sua postura pode abrir portas que a voz jamais conseguiria. E se errar na leitura, tudo bem, até os melhores intérpretes tropeçam. O importante é continuar afinando o olhar e expandindo a escuta.
Afinal, como já dizia aquele ditado nunca dito, mas que agora invento: quem não lê corpos, dança no escuro.