Pessoas no centro: a nova era dos departamentos jurídicos

Como a gestão de pessoas e competências emocionais pode consolidar o jurídico como parceiro estratégico
Além da proteção, o jurídico moderno visa ser um catalisador de valor e decisões estratégicas

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Sadik Sarkis

O departamento jurídico corporativo sempre foi visto por muitos como uma estrutura essencialmente protetiva, cuja função principal se resumia a blindar a empresa de riscos, redigir contratos, defender a empresa, analisar cláusulas e entrar em cena quando algum problema surgia.

Durante muito tempo, essa abordagem reativa foi suficiente para garantir certo grau de segurança e previsibilidade. Os desafios que cercam o mundo dos negócios se intensificaram de maneira notável. O crescimento da complexidade regulatória, o avanço e a urgência das tecnologias, a velocidade com que surgem novas demandas e a sofisticação das expectativas da alta liderança, de clientes, parceiros e reguladores criaram um cenário em que simplesmente “defender” não basta.


Por que isso importa?

Este tema é essencial porque redefine o papel estratégico do jurídico corporativo, mostrando como a valorização de pessoas e a gestão de conflitos podem gerar inovação, reduzir custos e fortalecer a reputação da empresa.

Essa visão ultrapassada vem perdendo força. Em tempos de competição acirrada entre as empresas e pressão regulatória crescente, a procura por mais eficiência vem transformando o perfil do departamento jurídico, exigindo ser muito mais do que um apêndice reativo.

O alicerce da transformação jurídica

Ele pode e deve funcionar como um motor eficiente de performance, parceiro na tomada de decisão estratégica e proteção do negócio. Foi nesse contexto que surgiu a necessidade de repensar profundamente o papel dos departamentos jurídicos modernos, incluindo a forma como são vistos e percebidos pela alta direção da empresa e, principalmente, como os líderes do jurídico lidam com o seu principal ativo: as pessoas.


Para quem isso interessa?

O assunto é relevante para líderes jurídicos, executivos, gestores de recursos humanos e empresas que buscam transformar seus departamentos jurídicos em agentes estratégicos de inovação e crescimento sustentável.

O líder do jurídico deve se atentar agora não apenas com as questões contenciosas e operacionais do departamento, mas desenvolver um olhar especial para gestão de pessoas. Em vez de recitar discursos genéricos sobre “soft skills”, devem tratar de princípios práticos, tais como desenvolver profissionais capazes de pensar com clareza, tomar decisões conscientes e transformar tensões em alavancas de aprendizado e inovação.

O conflito sob uma nova perspectiva

A principal transformação de mentalidade com a gestão de pessoas começa no modo como se passa a enxergar o conflito do cotidiano que envolve direta ou indiretamente o departamento. Durante anos, o conflito foi visto como um sinal de falha organizacional, um problema a ser contido rapidamente para que não contaminasse o ambiente de trabalho.

Embora seja inegável que conflitos mal geridos geram custos, ruídos e desgastes, o outro lado da moeda raramente recebe a devida atenção, pois conflitos são fontes riquíssimas de informação. São indicadores de desalinhamentos, zonas de atrito cultural, falhas de processo, expectativas frustradas e necessidades não atendidas.

Mais do que isso, são oportunidades para construir relacionamentos mais sólidos e sistemas mais inteligentes. Departamentos jurídicos que conseguem adotar essa visão deixam de atuar apenas como bombeiros para se tornarem construtores de possibilidades. Afinal, o problema não é a existência de conflito, mas sim, é a forma como ele é tratado.

Transformar conflitos em matéria-prima dentro do departamento exige o desenvolvimento de algumas competências fundamentais. Uma delas é a escuta ativa genuína, aquela que vai além de apenas aguardar a vez de responder. Líderes de departamentos jurídicos que incentivam a escuta de maneira profunda aprendem a identificar interesses não declarados, perceber nuances emocionais e compreender a raiz das divergências.

Competências-chave para liderar com efetividade

Essa postura contrasta com a prática comum de defender posições com base na convicção de estar certo. A capacidade de suspender julgamentos e cultivar curiosidade torna-se, nesse sentido, um diferencial fundamental para firmar a posição com líder, e não como chefe autoritário.

Outra competência relevante a ser incentivada é a habilidade de distanciamento emocional. Imagine um profissional que recebe uma reclamação áspera de um membro da sua equipe ou de um de seus pares, algo que toca seu orgulho profissional. Se ele reage imediatamente, motivado pelo impulso defensivo, há grande chance de intimidação da equipe ou da situação escalar.

Mas se consegue respirar, ter autocontrole e enxergar o problema como parte de um sistema mais amplo, aumenta enormemente a chance de responder com ponderação. Esse distanciamento não é sinônimo de frieza. Trata-se de criar espaço interno suficiente para analisar o contexto, pesar riscos e imaginar alternativas sem que a reação automática assuma o controle e dite um rumo desagradável da discussão.

A forma de definir o problema também influencia profundamente a qualidade das soluções. Há uma diferença enorme entre perguntar “Quem está errado nesta situação?” e “O que podemos aprender com este impasse para prevenir recorrências?”. O reenquadramento não é apenas uma técnica retórica.

Ele muda o campo mental onde a disputa acontece. Enquanto a primeira pergunta convida à acusação, a segunda abre caminho para reflexão conjunta e criação de valor. Pessoas bem-preparadas capazes de praticar esse tipo de mudança de perspectiva do departamento jurídico reduzem custos com litígios, melhoraram relacionamentos e contribuem decisivamente na forma em que o departamento é visto e percebido pelos seus pares e executivos da alta liderança.

O jurídico como protagonista estratégico

Um aspecto frequentemente negligenciado é o impacto financeiro de equipes mal preparadas para lideram com conflitos. Além dos custos diretos, tais como honorários, indenizações, tempo de gestores, há custos indiretos igualmente relevantes, tais como a perda de produtividade, rotatividade de talentos, desgaste da imagem e oportunidades comerciais desperdiçadas.

Estudos de organizações que implementaram programas robustos de qualificação de pessoas para gestão de conflitos mostram reduções expressivas em passivos e aumentos substanciais de satisfação interna. Quando equipes jurídicas assumem protagonismo, criam valor tangível e sustentável.

Tudo isso aponta para uma transformação mais ampla: o jurídico corporativo está deixando de ser o departamento do “não”, do “veja bem”, do “depende” para se tornar o parceiro que viabiliza, orienta e ajuda nas decisões estratégicas, relevantes, corajosas e sustentáveis. Para chegar lá, é preciso investir em clareza estratégica, comunicação criativa e assertiva, desenvolvimento humano, além da criação de processos de aprendizado contínuo. Significa abandonar a zona de conforto do tecnicismo isolado e abraçar a complexidade do relacionamento humano, rumo a uma nova posição estratégica do jurídico corporativo.

Preparando o jurídico para o futuro

Essa transformação não ocorre do dia para a noite. Envolve revisitar modelos mentais, repensar prioridades e cultivar uma cultura que valorize o desconforto como caminho de aprendizado. Equipes que conseguem tornar-se hábeis em lidar com situações difíceis sem perder clareza e propósito ganham credibilidade não apenas junto à alta liderança, mas também com todas as partes que orbitam o negócio: fornecedores, clientes, reguladores e investidores.

A essência dessa nova mentalidade não está apenas nos métodos ou nas técnicas. Está, sobretudo, na convicção de que pessoas não são apenas executoras de tarefas jurídicas, operacionais ou corporativas. São agentes que, com suas decisões e interações, modelam o presente e o futuro da organização. Quando essa consciência se torna central em toda a corporação, cada conversa difícil, cada serviço realizado e cada decisão ponderada passam a ser vistas como partes de uma jornada maior de construção de valor, desenvolvimento de cultura e fortalecimento da identidade da empresa.

Por fim, cabe ressaltar que essa jornada requer coragem institucional para investir em cultura, processos e desenvolvimento de competências humanas. Não se trata de um projeto pontual que deve ser perseguida apenas pelo departamento jurídico, mas de um compromisso de longo prazo de toda a corporação com a excelência.

Departamentos jurídicos que se posicionam como catalisadores de valor conquistam confiança, ganham respeito, fortalecem relações e, saindo do isolamento corporativo, ampliam a capacidade de influenciar positivamente a trajetória da organização, sendo reconhecido como parceiro estratégico do negócio. O resultado, porém, vai muito além, visa a perpetuidade do próprio negócio.

Sadik Sarkis

Executivo jurídico e de Compliance com mais de 20 anos na área de gestão e liderança corporativa. Associado com formação de Conselheiro Independente e integrante da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Membro de Conselho Fiscal e Membro de Conselho Consultivo de instituições do terceiro setor. Membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP e Membro do Comitê de Cultura de Integridade da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Certificação em Educação Executiva em Compliance e formação de Especialista em Compliance, ambos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law/SP). Formação Executiva em Liderança e Negociação pela Executive Language Institute na Hult International Business School in Boston/MA. Pós-graduando de MBA em Inteligência Artificial em Negócios pela Faculdade Exame – Saint Paul. Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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