Alexandre Mendonça
Há doutrinadores e juristas geniais que todos conhecem.
Há outros, porém, que andam abaixo do radar, por tratar de temas específicos, mas muito, muito importantes.
Paulo Roberto Iotti Vechiatti é um deles. O advogado é um doutrinador importantíssimo no Brasil, na defesa dos direitos das pessoas da comunidade LGBTQIAPN+.
Já conduziu inúmeros processos no STF, notadamente o que reconheceu a União Civil entre pessoas do mesmo sexo, e o reconhecimento da homotransfobia e da lgbtfobia como espécie do gênero racismo, portanto tipificável como crime de racismo.
Nesse último caso, aliás, Paulo desfila um raciocínio jurídico primoroso, a partir do que se estabeleceu no julgamento do Habeas Corpus 82.424/RS, o famoso “Caso Elwanger”. Nele, o racismo foi reconhecido como fenômeno social, sem componentes biológicos.
Por conta disso, outras ações como a xenofobia, a intolerância religiosa e, a partir de 2019, a LGBTfobia, puderem ser enquadrados como crimes de racismo.
E aqui a sofisticação do raciocínio: é racismo, não um “crime análogo ao racismo”, algo impensável dada a vedação à analogia em questões de direito penal material.
Paulo é incansável. Advoga em causas de direitos humanos, de direito civil, de direito penal, dá aulas, participa de podcasts, escreve livros e artigos. Como vive nesse ritmo foge à compreensão, mas certamente é uma das mais lindas histórias de amor ao direito e à Justiça que conheço.
Livros
Mas como essa é uma coluna de livros, é sobre eles que quero falar.
Paulo tem um artigo interessantíssimo no livro “Direitos LGBTi+ no Brasil: Novos Rumos da Proteção Jurídica”, organizado por outra autoridade no assunto, o Renan Quinalha, junto com o Emerson Ramos e o Alexandre Melo Franco Bahia.
Fora o conteúdo, que abrange diversos aspectos das proteções legais da comunidade, e das batalhas ainda em curso, o livro tem um projeto editorial lindo da editora do Sesc.
Nesse livro, Iotti explica justamente a derivação do crime de lgbtfobia do crime de racismo, em linguagem acessível e numa leitura rápida e direta. Mas vemos também artigos de Antonella Galindo, Thiago Amparo, Renan Quinalha, entre outros.
Sem espantalhos
Paulo também coordenou outro lançamento importantíssimo na área, o “Antimanual Jurídico de gênero e sexualidades: como o direito não pode enquadrar o prazer e a felicidade humana”, em parceria com Carolina Valença Ferraz, pela Editora Conhecimento.
Nesse livro os artigos são mais profundos, e o artigo de Paulo é arrebatador: da inconstitucionalidade da ideologia de gênero heterossexual, cisnormativa e machista. Além do chiste com o espantalho da “ideologia de gênero” sustentado pelo reacionarismo brasileiro, Iotti busca construir uma crítica que fere de morte esse espantalho e tira sua carcaça do caminho para que se possa discutir o que realmente importa, o fim da opressão que coloca a heterocisnormatividade como régua para o comportamento humano.
Necessário
O direito é reconhecidamente um campo recheado de “vênias”, salamaleques, adjetivos hiperbólicos para pensamentos absolutamente mundanos. Vez ou outra aparecem pessoas, intelectuais e estudiosos que efetivamente merecem todas as hipérboles.
Paulo Iotti é um deles.
Então, às merecidas hipérboles jurídicas: professor de todos nós, primus inter pares, doutrinador necessário.
Que os juristas e advogados façam esse favor a si mesmos: leiam e escutem Paulo Iotti.
Direitos LGBTi+ no Brasil: Novos Rumos da Proteção Jurídica
Renan Quinalha, Emerson Ramos e Alexandre Melo Franco Bahia
Edições Sesc São Paulo
472 páginas
R$ 78,00
Antimanual Jurídico de Gênero e Sexualidades – como o direito não pode enquadrar o prazer e a felicidade humana
Carolina Valença Ferraz e Paulo Iotti
Editora Conhecimento
354 páginas
R$ 110,00