Cristiano Zanetta
Nos últimos anos, a saúde mental vem deixando de ser um tema negligenciado para se tornar uma prioridade no mundo corporativo. Reflexo dessa mudança, o Ministério do Trabalho atualizou a Norma Regulamentadora nº1 (NR-1), determinando que, a partir de maio de 2025, todas as empresas deverão identificar e gerenciar riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Resta saber se as corporações estão realmente preparadas para lidar com essa nova realidade e mitigar seus impactos no bem-estar dos trabalhadores.
A nova regulamentação vai além de diretrizes genéricas e estabelece um novo padrão de proteção ocupacional para a saúde mental, exigindo que as organizações adotem medidas concretas para prevenir estresse, assédio e sobrecarga mental. Mais do que uma simples obrigação normativa, essa mudança marca um ponto de inflexão. Empresas que tratam a saúde mental apenas como uma formalidade burocrática correm o risco de comprometer não apenas o ambiente de trabalho, como também sua estabilidade a longo prazo.
A atualização da NR-1 impõe às empresas a obrigação de gerenciar riscos psicossociais, tornando a saúde mental um pilar essencial da gestão corporativa. Ignorar essa demanda pode gerar impactos legais, financeiros e na retenção de talentos.
Por que isso importa?
Com essa nova medida, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) intensificará a fiscalização em setores como teleatendimento, bancos e saúde, verificando a estrutura organizacional e os índices de afastamento por transtornos psicológicos. Empresas que adotarem boas práticas poderão receber o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, concedido pelo Governo Federal a organizações comprometidas com a promoção do bem-estar de seus colaboradores. Já aquelas que não cumprirem as exigências estarão sujeitas a multas e ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho.
O que está em jogo?
Mas, afinal, o que realmente está em jogo? Um selo para exibir no site corporativo ou um compromisso genuíno em cuidar, reter e desenvolver talentos em um mercado cada vez mais exigente? O ‘marketing do bem-estar’ tornou-se uma ferramenta conveniente, mas quantas empresas estão dispostas a enfrentar a questão de frente e revisar modelos de liderança ultrapassados, que perpetuam ambientes de pressão insustentável e adoecimento silencioso?
O fato – que provavelmente será incômodo para muitas empresas – é que apenas seguir protocolos para atender exigências legais não basta. O verdadeiro diferencial estará nas empresas que conseguirem transformar a cultura corporativa de forma profunda, criando ambientes onde as pessoas não apenas sobrevivam, mas prosperem. Isso exige um novo perfil de liderança — aquele que entende que produtividade vai além de metas cumpridas e se reflete no engajamento e no bem-estar das equipes.
O tema interessa a empresas de todos os setores, especialmente aquelas com altos índices de estresse ocupacional, gestores responsáveis pelo ambiente de trabalho, profissionais de RH, líderes organizacionais e colaboradores preocupados com seu bem-estar
Para quem esse assunto interessa?
Uma pesquisa da Gupy com mais de 100 grandes empresas no Brasil revelou falhas preocupantes na gestão da saúde mental corporativa. O levantamento aponta que 49,1% das empresas não treinam seus gestores para lidar com o tema nem oferecem suporte adequado aos colaboradores.
Embora 58,9% disponibilizem algum tipo de programa, como acesso a terapeutas, e 19,6% aumentem a flexibilidade, mais de 44% dos funcionários classificam o apoio emocional recebido como regular ou negativo. Além disso, 26% já consideraram ou solicitaram afastamento por questões psicológicas, e 31% presenciaram entre um e cinco afastamentos no último ano.
E é para sanar problemas como este, que existem medidas como a Norma Regulamentadora. Mas está claro que este problema não se resolve com medidas superficiais. Vai muito além de palestras motivacionais ou ações pontuais de engajamento.
Maturidade Corporativa
Trata-se de uma transformação estrutural, que exige uma revisão profunda da cultura corporativa e um compromisso genuíno com ambientes de trabalho que conciliem produtividade e bem-estar. Sem isso, qualquer iniciativa será apenas um paliativo, incapaz de gerar mudanças reais.
No fim das contas, a NR-1 é um termômetro da maturidade corporativa. Os líderes que enxergam a saúde mental como um ativo estratégico sairão à frente, enquanto aqueles que tratam o tema como um mero checklist regulatório logo perceberão que um ambiente tóxico custa caro.
O esgotamento profissional não é um problema isolado, mas um sintoma de estruturas corporativas disfuncionais que perpetuam ciclos de sobrecarga, desengajamento e exaustão silenciosa. Quando a pressão por resultados sufoca a criatividade, mina o senso de pertencimento e inibe a inovação, a cultura organizacional se torna um terreno fértil para a deterioração mental e emocional das equipes.
A questão não é mais se as empresas precisarão se adaptar, mas sim como farão isso: de forma estratégica e consciente ou apenas quando forem obrigadas por regulamentações e crises inevitáveis.