Bruno Junqueira Meirelles Marcolini
Em um mundo cada vez mais globalizado, em que a troca de dados entre países é constante e necessária para o funcionamento de diversas atividades econômicas e tecnológicas, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impõe regras rigorosas para assegurar que os direitos dos titulares de dados sejam respeitados, mesmo quando essas informações atravessam fronteiras.
Sobre esse assunto, no mês passado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou a Resolução CD/ANPD n. 19/2024 (“Resolução”), que estabelece os procedimentos e as regras aplicáveis às operações de transferência internacional de dados.
O que significa
A transferência internacional ocorre quando o agente, de dentro ou fora do Brasil, transmite ou compartilha dados pessoais fora do território nacional. O exportador é o agente transmissor, enquanto o importador é o agente que recebe os dados.
A transferência internacional de dados pessoais só pode ocorrer se houver uma base legal prevista na LGPD. Além disso, deve ser amparada por um dos seguintes mecanismos: países com proteção adequada, cláusulas-padrão contratuais, normas corporativas globais, cláusulas contratuais específicas ou garantias de proteção e necessidades específicas.
Entre os mecanismos descritos, as cláusulas-padrão contratuais já eram conhecidas em contextos legislativos internacionais. Isso é especialmente verdadeiro na Europa, sob o Regulamento Geral de Proteção de Dados. No contexto brasileiro, também é possível prever uma ampla utilização desse instrumento nos contratos.
O texto das cláusulas-padrão contratuais está no Anexo II do Regulamento. Ele prevê um conjunto de 24 cláusulas formuladas pela ANPD. As partes devem incorporar essas cláusulas em contratos que envolvam a transferência internacional de dados. O objetivo é assegurar que os agentes exportadores e importadores de dados pessoais mantenham um nível de proteção adequado, equivalente ao exigido pela legislação brasileira. As empresas têm o prazo de 12 meses, a partir da publicação, para ajustar seus contratos.
Ora, a utilização das cláusulas-padrão traz uma série de impactos aos contratos dos agentes. Dentre tais impactos principais, destacamos:
Alterações aos termos do contrato
Ninguém pode alterar o texto das cláusulas-padrão. Além disso, a Resolução determina que o texto original do contrato não deve contradizer as cláusulas-padrão. Dessa forma, o agente deverá revisar e, se necessário, alterar o disposto nos contratos para garantir a conformidade da transferência internacional.
Distribuição de responsabilidades
As cláusulas definem claramente as responsabilidades das partes no tratamento e proteção dos dados pessoais. Elas atribuem deveres específicos tanto para controladores quanto para operadores. As responsabilidades incluem a comprovação de medidas eficazes, deveres de transparência, atendimento aos direitos dos titulares, comunicação de incidentes de segurança, ressarcimento de danos e adequação a diferentes modalidades de tratamento.
Transparência
O controlador deve fornecer ao titular, se solicitado, a íntegra das cláusulas contratuais utilizadas, observados os segredos comercial e industrial, bem como publicar no seu site, em uma página específica ou integradas à Política de Privacidade, informações claras e acessíveis sobre a transferência internacional de dados.
Risco de penalidades
O descumprimento das cláusulas-padrão pode acarretar penalidades severas, inclusive multas, além de prejudicar a reputação das empresas envolvidas.
Definição de foro e jurisdição
As partes devem resolver qualquer discordância aos termos das cláusulas-padrão perante os tribunais competentes no Brasil.
Renegociação
Por conta de tais impactos, a renegociação de contratos entre agentes será necessária em muitos casos para incluir as cláusulas-padrão. Mais precisamente, as cláusulas-padrão da ANPD para transferências internacionais de dados pessoais impõem uma nova camada de complexidade aos contratos empresariais, exigindo revisões detalhadas, adaptações nas cláusulas e uma maior formalidade nas relações comerciais.
No entanto, ao padronizar práticas e garantir a segurança jurídica, essas cláusulas contribuem para a criação de um ambiente mais seguro e confiável para a circulação de dados além das fronteiras nacionais, essencial em um mundo cada vez mais interconectado.