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Womanwashing revela a dura batalha pela igualdade de gênero

Implantar a igualdade de gênero mundialmente pode levar mais de cem anos
Apenas 3,5% das empresas nacionais têm CEOs mulheres
Apenas 3,5% das empresas nacionais têm CEOs mulheres - Dreamstime

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Kone Cesário

Qual a distância entre o discurso e a realidade? Em tempos de redes sociais onipresentes, é mais fácil fiscalizar quem fala uma coisa e faz outra bem diferente do discurso oficial. 

É bem verdade que sofremos com o império das fake news. Hoje é muito mais complexo omitir posturas, sobretudo, e assuntos que geram debates inflamados, como etarismo, discursos sociais e ambientais, igualdade de raça e entre homens e mulheres. 

Passado o Carnaval e todas as polêmicas recentes do Big Brother, podemos dizer que o Brasil discute a igualdade de gênero de maneira madura? Ao que tudo indica, não.

O primeiro indicador que não podemos esquecer jamais é que 51,5% da população brasileira é composta por mulheres. São 104,5 milhões, de acordo com os dados recentes do Censo do IBGE de 2022.

É um dado importante, mas não é o único que deve ser levado em conta. 

Comportamento

De acordo com o Mind Shopper 2022, 80% das decisões de compras estão nas mãos das mulheres. E mais: 49% das famílias brasileiras são chefiadas por elas. Estima-se que, no Brasil, R$ 1,3 trilhão das compras são decididas por mulheres, o que nos transforma em um dos maiores mercados femininos do mundo. 

São números impressionantes, mas não apenas eles chamam a atenção. Apenas um quarto dos brasileiros ouvidos na pesquisa Global Attitudes to Gender Equality de 2020 acreditam que homens e mulheres são tratados de maneira igualitária no mercado de trabalho nacional. E 66% acham que as ações nacionais para combater as desigualdades são insuficientes. Não estão errados, muito pelo contrário.

Um raio-x no universo corporativo brasileiro mostra isso.

Apenas 3,5% das empresas nacionais têm CEOs mulheres.

Nelas, só 16% ocupam cargos em diretorias. Nos conselhos de administração, a presença feminina é de 1 para 7,4 homens, o que mostra um grande desequilíbrio de representatividade. 

Esse cenário prejudica as empresas não apenas do ponto de vista social, mas também comercial. Em uma sociedade cada vez mais exigente, não são raros os exemplos de “cancelamento” que podem prejudicar empresas públicas e privadas.

Meio ambiente

No campo ambiental, o advento da sigla ESG (environmental, social and governance, em inglês) jogou uma pressão maior sobre as companhias. Mas como as mudanças não acontecem do dia para a noite, cunhou-se o termo Greenwashing —empresas que garantem adotar práticas de responsabilidade ambiental, mas que, em diversas outras atitudes, agem de maneira contrária. 

Por aproximação, podemos dizer que no Brasil se pratica o Womanwashing — uma série de comunicações com a intenção de induzir as pessoas em erro a adotarem crenças, excessivamente positivas, sobre o impacto das práticas, políticas ou produtos de uma organização para as mulheres. E quais são os tipos mais comuns? 

Divulgação seletiva de conquistas de gênero, políticas e programas vazios de gênero, certificações, rótulos e parcerias duvidosas, marcas, discursos e publicidades enganosas.

Temos casos de empresas que aparecem em listas anuais de grandes veículos de comunicação como locais ideais para mulheres trabalharem, mas que acabam processadas pelas próprias funcionárias. 

Para se ter uma ideia, no período entre 1996 e 2005, quase 30 empresas que constavam da lista Working Mother ou da Fortune sofreram processos por funcionários por discriminação contra trabalhadores com responsabilidades familiares. 

Credibilidade

Em outras situações, grandes empresas públicas divulgaram políticas de igualdade e se viram às voltas com acusações de assédio moral e sexual. Temos também casos de grandes grifes que fazem campanhas publicitárias com mulheres negras e praticam atitudes claramente discriminatórias quando determinados clientes entram nas lojas.  

No caso de estratégias duvidosas para dar credibilidade às vendas, temos como exemplos os restaurantes Hooters, cujos garçonetes são belas mulheres, com corpos esbeltos e usando roupas minúsculas para atrair a atenção dos clientes. 

E os mesmos estabelecimentos adotam, durante o Outubro Rosa, campanhas de conscientização sobre o câncer de mama que incentivam os clientes a “adicionar uma doação à sua conta”, “comprar uma pulseira rosa”, “comprar uma bebida rosa” ou “comprar um calendário” com as fotos das mesmas funcionárias de biquíni.  

Produtos

E ainda existe, embora a grande maioria não perceba, discriminações de preços de produtos, mesmo que sejam tanto para o público masculino quanto o feminino. 

A Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) mostrou que roupas de bebê com cores ou personagens femininas são 23% mais caras do que os direcionados aos meninos.

Em média, artigos e serviços voltados para o público feminino custam 12,3% mais caros. 

Estamos em uma longa caminhada. Já existem nesgas de conscientização, mas ainda é preciso cortar muitas amarras. A igualdade de gênero se tornou uma meta de desenvolvimento sustentável da ONU para o período de 2015 a 2030. 

Uma estimativa apresentada durante o Fórum Econômico Mundial no relatório The Global Gender gap report 2021 calcula um prazo de 135 anos para que a igualdade de gênero seja implantada a nível mundial. Isso dá quase um século e meio. Se a gente demorar a começar, esse prazo dilata ainda mais. Não é isso que queremos. Ou é?

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Kone Cesário

Kone Cesário é professora doutora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e da Academia do INPI.

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