O velho mundo morreu (o capitalismo também). E o novo ainda não nasceu

Segundo o grego Varoufakis, vivemos um novo feudalismo, em que o senhor comanda por algoritmos
O lucro como conceito econômico, oriundo da mais-valia, perdeu importância - Freepik

COMPARTILHE

Alexandre Mendonça

Yanis Varoufakis talvez seja um nome que provoque aquela sensação de familiaridade, mas sem sabermos exatamente de quem se trata. Grego, o economista ficou conhecido na primeira década do século 21 por seu papel como grande crítico das políticas de austeridade europeias que seguiram a grande recessão de 2008 . Depois como  ministro das Finanças da Grécia durante o governo de Alexis Tsipras, em 2015. 

Também é conhecido por suas ideias sobre “tecnofeudalismo”, um conceito que descreve uma nova forma de organização econômica e social que, segundo ele, está surgindo à medida que o capitalismo tradicional dá lugar a uma estrutura mais parecida com o feudalismo, mas com a tecnologia moderna desempenhando um papel central. E é justamente sobre esse livro que gostaria de falar hoje.

As coisas mudaram muito nas últimas décadas, quando se trata de tecnologia e economia. Alguns de nós certamente ficamos abismados com a velocidade das mudanças que vemos. 

O capitalismo está morto

Varoufakis olha para esse mundo e se pergunta: mas e se as coisas se transformaram tanto que, se você olhar ao seu redor e prestar atenção na forma como a política e a economia estão realmente estruturadas, verá que o capitalismo está morto. Verá que nossa estrutura econômica já não é capitalista.

Mas, com isso, o intelectual grego não quer dizer que “somos socialistas” ou qualquer bobagem do gênero. A questão é mais profunda. Estamos vivendo uma era onde a estrutura econômica global se assemelha muito mais ao que era o feudalismo do que foi o capitalismo nos últimos 300 anos.  A essa nova estrutura Varoufakis dá o nome de tecnofeudalismo.

Correta ou não, essa conclusão parece ser algo que vale a pena discutir. Sabemos que o mundo está sempre mudando para algo novo. E sabemos que essa mudança se dá de maneira dialética. Sabemos mais: que não há garantias de que o mundo vai permanecer o mesmo por tempo suficiente para que possamos resolver os problemas criados por ele, antes que evolua para algo outro.

Nesse sentido, se você crê que o capitalismo faz mal ao mundo, pode ser que passe a sua vida perseguindo um fantasma. Mas será que esse fantasma deu lugar a essa coisa antiga chamada feudalismo?

O novo feudalismo

A primeira reação de qualquer pessoa razoável seria: isso obviamente não é verdade: a exploração, os mercados, a inovação, está tudo aí. O mundo “está mais rico”. Como o capitalismo pode ser um fantasma? 

Varoufakis nos convida a olhar de maneira mais atenta. E nos lembra que uma pessoa no feudalismo não saberia dizer que o seu mundo estava mudando para o capitalismo. Afinal, não há avisos por e-mail anunciando que o sistema mudou, algo como um “go live” de estruturas econômicas.

Lá em 1700, na Europa, você veria feudalismo ao seu redor. O governo era feudal, as leis eram feudais. As transformações eram lentas. E a transformação do sistema se dava à medida que as condições políticas, econômicas e jurídicas mudavam e passavam a criar um ambiente favorável ao novo sistema. 

E as mudanças eram nucleares.

No feudalismo o poder está com quem tem terra. Os poderosos eram os donos da terra e seus capatazes eram os vassalos, que tinham a responsabilidade de controlar porções de terra e delas extrair renda a partir do trabalho dos servos.

Já no capitalismo, o poder está nas mãos dos donos dos meios de produção, que passam a extrair diretamente renda a partir do trabalho de seus trabalhadores.

Caso você seja marxista como eu, aqui você vê surgir o conceito da mais-valia e de lucro, obtido nas trocas feitas em mercados. Capitalismo, portanto, têm essas três características: poder nas mãos dos donos dos meios de produção, lucro e mercados.

Plataformas como feudos

Ora, mas isso não continua?

Varoufakis diz que não. E o maior exemplo disso, para ele, é a Amazon.

Quando entramos na Amazon, deixamos o capitalismo para trás. A Amazon inclusive parece um mercado, mas no fundo ela é um feudo, uma plataforma digital que conecta compradores e vendedores.

E o dono dela extrai renda não do lucro gerado pela mais-valia de um trabalhador, mas uma renda que economicamente é uma espécie de aluguel. E mais: o dono, Jeff Bezos, é o único que extrai renda desse feudo.

Os mercados tradicionais são reuniões de pessoas que realizam trocas voluntárias.

Não é isso o que acontece na Amazon, e nem é isso o que se pretende que aconteça na Amazon. Lá, não importa preço, quantidade, nada. O senhor feudal cobra sua taxa a cada transação realizada em seus domínios. E é ele, o senhor feudal, por meio do algoritmo, que determina o que você pode comprar e até o que você verá ofertado.

Então, temos um cara que não determina somente quem pode comprar e vender, mas até o que pode ser comprado ou vendido, e mesmo o que você vê como opções de compra ou venda

Você vê o que Jeff Bezos permite que você veja. E ele permite que você veja o que vai proporcionar a ele maior extração de renda.

Servos modernos

Nós, obviamente, somos os servos. Toda vez que usamos uma plataforma, ou quando estamos com o celular no bolso, fornecemos tudo o que os algoritmos precisam para serem treinados e conseguirem extrair cada vez mais renda do sistema. E isso vale para toda e qualquer plataforma.

Pense no Instagram. A plataforma não cria nada. Nós criamos conteúdo, disponibilizamos de graça na plataforma, que por sua vez treina os algoritmos de modificação de comportamento que irão direcionar a extração de renda. Pense no Uber. E aqui está a chave que define o tecnofeudalismo: quem detêm o poder são os donos dos algoritmos de modificação de comportamento.

Perceba que os mercados não existem mais. E também os lucros não existem mais. Obviamente que o lucro contábil está lá, mas o lucro como conceito econômico, oriundo da mais-valia, não é mais importante. O importante é a extração de aluguéis, da renda dos servos.

E essa mudança do núcleo do poder e da forma como os poderosos extraem renda do sistema mostra que não estamos mais no capitalismo tradicional. Por isso, Varoufakis diz que estamos entrando no tecnofeudalismo.

As ideias do grego (sempre um grego) me deixaram dias pensando. E aposto que farão o mesmo com você.

Technofeudalism: What Killed Capitalism
Yanis Varoufakis
Melville House Publishing
304 páginas
R$ 91,72

Alexandre Mendonça

O advogado Alexandre Mendonça viveu a vida antes de se por a estudá-la. Tentou ser engenheiro e ganhou seu sustento como consultor financeiro, dedicando-se hoje à consultoria jurídica empresarial e para mercado de capitais. É formado em administração de empresas pela EAESP-FGV e em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

COMPARTILHE

Leia também

Receba nossa Newsletter

Negócios, Compliance, Carreira, Legislação. Inscreva-se e receba nosso boletim semanal.

TAGS

NOSSAS REDES

Nosso site utiliza Cookies e tecnologias semelhantes para aprimorar sua experiência de navegação e mostrar anúncios personalizados, conforme nossa Política de Privacidade.

Exit mobile version