Da Redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar, nos próximos meses, um caso que pode mudar profundamente o modelo de negócios do streaming musical no Brasil. Roberto Carlos e os herdeiros de Erasmo Carlos, falecido em 2022, moveram a ação original. Eles alegaram que os contratos assinados com a editora Fermata do Brasil, entre 1964 e 1987, deveriam ser reavaliados. Isso porque previam apenas a exploração das obras em formatos analógicos — como LPs, CDs e DVDs. No entanto, não contemplavam o uso em plataformas digitais.
Esse assunto importa porque pode transformar o modelo de negócios do streaming musical, garantindo maior controle e remuneração justa aos artistas e seus herdeiros, além de impactar a indústria criativa como um todo.
Por que isso importa?
Redefinição de negócios
O recurso extraordinário chegou ao STF após decisões desfavoráveis tanto na primeira instância quanto no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para Victoria Dias, advogada do Ambiel Advogados e especialista em propriedade intelectual, uma decisão favorável aos artistas tem potencial para redefinir o modelo de negócios do streaming no Brasil.
O tema interessa a músicos, herdeiros, gravadoras, plataformas de streaming, advogados especializados em propriedade intelectual, produtores audiovisuais e demais profissionais da indústria criativa que dependem de contratos antigos para distribuição digital.
Para quem isso interessa?
“Caso o Supremo Tribunal Federal entenda que contratos antigos de direitos autorais não autorizam a exploração em novas tecnologias, algumas cessões que eram consideradas definitivas poderão perder efeito no ambiente digital”, explica a advogada. Segundo ela, na prática, isso significa devolver aos criadores ou seus herdeiros o direito de decidir sobre a disponibilização de suas obras nas plataformas de streaming.
Com esse cenário, distribuidoras e plataformas não poderiam mais se basear exclusivamente nos contratos firmados com gravadoras ou editoras para licenciar músicas de catálogo. “Seria necessário negociar diretamente com os titulares originais dos direitos, como os próprios artistas ou seus espólios, para assegurar a transmissão digital dessas obras”, afirma Victoria. Segundo a especialista, isso ampliaria o poder de barganha dos autores. Com isso, eles poderiam propor novos termos de remuneração. Além disso, teriam a possibilidade de vincular a liberação de seus repertórios ao fechamento de acordos específicos com as plataformas de streaming.
Remuneração
Além disso, os autores da ação alegam que a remuneração atual é desproporcional e carece de transparência na prestação de contas. Para Victoria, uma decisão favorável pode abrir caminho para a revisão desses modelos de remuneração. Dessa forma, plataformas e intermediários seriam obrigados a aumentar os repasses. Também poderiam até suspender a veiculação de determinados conteúdos enquanto novos contratos não forem formalizados.
“O setor pode passar por um verdadeiro ajuste de contas, com renegociação de direitos, custos adicionais com royalties e possíveis impactos no modelo de negócios de toda a cadeia da música digital”, afirma a especialista.
Direitos autorais e o futuro da indústria criativa
O desfecho desse caso no STF pode ultrapassar o universo da música e abrir precedentes para outros setores da indústria criativa. Caso o Supremo decida que contratos firmados antes da era digital não cobrem automaticamente novas formas de distribuição, produtores, roteiristas e atores terão espaço para agir. Por exemplo, poderão questionar contratos antigos que previam apenas exibição em TV, VHS ou DVD. “Situação semelhante ao que já ocorreu em Hollywood, com renegociações envolvendo serviços como Netflix e Disney+, que operam em modelos impensáveis na época da assinatura de muitos contratos”, diz Victoria.
Na mesma linha, Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em direito empresarial e propriedade intelectual, entende que a tese jurídica aprovada pelo STF servirá como orientação para todos os demais processos em curso nos tribunais brasileiros, e não ficará limitada ao mercado fonográfico.
“Setores como audiovisual, games e podcasts, que também dependem de contratos firmados nas décadas anteriores, poderão revisitar acordos que não previam streaming, downloads ou distribuições digitais”, afirma o especialista. Segundo ele, isso gera preocupação quanto à estabilidade de contratos antigos e reforça a necessidade de cláusulas específicas que abordem o digital.