Split Payment: reflexos dos desafios da implementação Internacional no Brasil

Como a literatura internacional pode apontar potenciais desafios a serem enfrentados no Brasil e ajudar na implementação menos traumática possível
Expectativa é que o modelo seja um forte aliado na redução da sonegação e da inadimplência

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Vítor Eduardo Sanches, Alice Maldonade Bryan e Milton Schivitaro Neto

O Split Payment, introduzido pela Lei Complementar 214/2025 como recolhimento na liquidação financeira, deverá funcionar como um novo mecanismo de arrecadação tributária, permitindo a separação automática, no momento da liquidação da operação, entre o montante correspondente aos tributos e o valor destinado ao fornecedor. Ou seja, o fornecedor receberá apenas o valor líquido, enquanto os tributos serão automaticamente direcionados ao Fisco.

Trata-se de um dos pilares da Reforma Tributária Brasileira e, segundo Bernard Appy, Secretário extraordinário da Reforma Tributária, permitirá “uma forte redução da sonegação e da inadimplência”. A adoção do split paymentno Brasil se mostra extremamente inovadora, principalmente ao considerarmos seu escopo abrangente- aplicação do sistema de forma generalizada para todas as transações de consumo no país.

Ainda assim, o cronograma apertado da Reforma tem gerado dúvidas entre contribuintes, especialmente quanto à viabilidade técnica e aos impactos financeiros da nova sistemática. Um dos principais fundamentos das críticas é o estudo “Analysisoftheimpactofthe split payment mechanism as an alternative VAT collection method”, encomendado pela União Europeia à Deloitte em 2017, com o objetivo de avaliar cenários de adoção do modelo como instrumento de arrecadação do IVA com base em práticas internacionais.

O relatório tornou-se referência ao oferecer análise detalhada dos benefícios e, sobretudo, dos desafios técnicos, operacionais, econômicos e jurídicos do split payment. À época, o estudo concluiu que, embora o split payment possa auxiliar no combate à fraude e sonegação, implica riscos de complexidade e custos elevados que exigem avaliação cuidadosa.

Com base nesse estudo, apresentam-se a seguir os principais problemas do modelo europeu, bem como os posicionamentos das entidades responsáveis pela implementação no Brasil (Receita Federal, SERPRO e outros), buscando verificar como tais desafios estão sendo reconhecidos e enfrentados.

Desafios de integração e viabilidade tecnológica

O relatório da Comissão Europeia aponta a complexidade de integração entre sistemas fiscais e fluxos financeiros como um dos principais obstáculos ao split payment. Isso se dá em razão da necessidade de vincular, com precisão, os dados da operação comercial aos sistemas bancários que processam pagamentos em tempo real.

Segundo o estudo, exigir que bancos ou instituições de pagamento realizem a divisão automática do valor do IVA geraria não apenas obrigações adicionais, mas também o cruzamento de dados sensíveis. Como observado no relatório,“impor uma obrigação legal aos bancos ou outros prestadores de serviços de pagamento para realizar o pagamento fracionado do IVA exigiria o consentimento explícito da empresa… Além disso, a coleta e a vinculação das informações subjacentes sobre o fornecimento aos pagamentos é considerada tecnicamente muito desafiador”.

Embora tenha sido considerada a utilização de “contas bancárias bloqueadas” para o valor do imposto, concluiu-se que essas alternativas tornariam o sistema ainda mais complexo e oneroso.

No entanto, alguns aspectos do cenário brasileiro podem fazer com que esse seja mais favorável quanto à vinculação entre dados da operação financeira e sistemas bancários. Especialmente em razão da robusta infraestrutura de fiscalização digital, com destaque para a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que permitem o cruzamento automático de dados fiscais e o monitoramento contínuo de operações.

Outro fator que impacta positivamente é que as discussões sobre a integração tecnológica do split payment ocorrem no âmbito do GT-20. Esse grupo técnico multissetorial conta com atuação de representantes do setor financeiro, Banco Central, Receita Federal, Estados e Municípios.

A composição intersetorial desse grupo vinculado à Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária pode ser uma grande força para avanço na superação dos entraves tecnológicos destacados pela União Europeia. A participação do setor financeiro certamente contribui para o desenvolvimento de um sistema viável, evitando surpresas e promovendo o alinhamento entre governo e setor bancário.

Complexidade administrativa e custos de conformidade

Outro aspecto relevante destacado pelo relatório são os impactos do split payment sobre os processos internos das empresas e da administração tributária. Ao alterar o momento e a forma de recolhimento dos tributos, agora automaticamente separados no ato do pagamento, o sistema exige revisão das rotinas de faturamento e escrituração fiscal.

De acordo com o estudo, “o impacto mais marcante do mecanismo de pagamento fracionado é o aumento dos custos administrativos para as empresas e órgãos públicos”, com estimativas de que os custos anuais das empresas com obrigações acessórias “aumentariam em pelo menos 70%”, em razão das exigências adicionais de controle, validação e reporte individualizado por operação, que demandariam investimentos em software, ajustes operacionais e qualificação de pessoal.

Embora a adaptação brasileira possa ser facilitada pela infraestrutura já existente, como a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), o aumento dos custos de conformidade será expressivo[9], especialmente por não vir acompanhado de redução da carga tributária.

Para mitigar os impactos da transição, o governo brasileiro prevê implementação gradual. Em 2026, serão realizados testes-piloto com um grupo selecionado de empresas; a partir de 2027, o sistema será opcional em operações B2B, permitindo adesão voluntária por contribuintes tecnicamente preparados.

Fluxo de caixa, custo-benefício e efeitos na arrecadação

Entre os aspectos mais sensíveis apontados pelo relatório europeu estão os impactos econômicos do split payment sobre a liquidez das empresas. Ao antecipar o recolhimento do tributo para o momento do pagamento da operação, o modelo elimina a possibilidade de o vendedor dispor temporariamente do valor correspondente ao imposto, alterando significativamente a dinâmica do capital de giro.

No Brasil, o desenho do sistema busca mitigar esses efeitos por meio de implementação gradual e mecanismos de equilíbrio financeiro. A primeira medida restringe a adoção inicial a operações entre pessoas jurídicas (B2B), nas quais o comprador tem direito ao crédito do imposto pago, condicionando sua apropriação ao efetivo recolhimento do tributo e incentivando a adesão voluntária por empresas estruturadas.

Além disso, a Lei Complementar 214/2025 prevê o uso do split payment superinteligente, que consulta previamente os sistemas da Receita Federal e do Comitê Gestor para identificar débitos do fornecedor já extintos, de forma que o valor a ser recolhido ao Fisco na transação corresponda apenas ao saldo remanescente. Embora tecnicamente mais complexo, esse modelo poderia equilibrar os efeitos sobre o caixa das empresas sem comprometer a eliminação da inadimplência.

Ainda assim, o maior desafio será garantir que os benefícios superem os custos operacionais e financeiros da implementação. Nesse sentido, se o cronograma previsto pelo Governo se cumprir, o ano de 2026 será decisivo como etapa de validação prática, permitindo o monitoramento dos efeitos do sistema sobre o fluxo de caixa empresarial.

A proposta de implementação do split payment no Brasil representa uma profunda transformação na lógica de arrecadação tributária, ao automatizar o recolhimento e buscar maior eficiência e combate à sonegação. Embora a experiência internacional aponte riscos relevantes, como impacto na liquidez das empresas, aumento de custos de conformidade e desafios tecnológicos, o modelo brasileiro aposta na já existente infraestrutura digital fiscal e dos meios de pagamento e na implantação gradual para mitigar tais efeitos.

O sucesso da medida, porém, exigirá monitoramento rigoroso dos impactos práticos e agilidade estatal para ajustes contínuos. O ano de 2026, concebido como etapa de testes, será crucial para avaliar os efeitos operacionais e econômicos e definir se o Brasil consolidará o split payment como um mecanismo eficaz ou repetirá dificuldades observadas em outras jurisdições. Se conseguir mitigar os riscos apontados no relatório europeu e garantir que os ganhos em arrecadação e transparência superem os custos operacionais, o país poderá alcançar um novo patamar de eficiência tributária em nível internacional.

*Vítor Eduardo Sanches é advogado especialista da área tributária consultiva do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

*Alice Maldonade Bryan é advogada especialista da área tributária consultiva do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

*Milton Schivitaro Neto advogado especialista da área tributária consultiva do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

Da Redação

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