A competência te leva longe, o comportamento faz você ficar

Somos ótimos em ensinar o “como”, mas péssimos em discutir o “por quê”, por isso temos tantos profissionais competentes, porém vazios de propósito
Num mundo em que os robôs já sabem fazer quase tudo, a única vantagem competitiva verdadeiramente humana é a capacidade de escolher o certo mesmo quando ninguém exige isso

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Sadik Sarkis

Há quem acredite que o mundo pertence aos mais inteligentes.
 Eu, cada vez mais, tenho minhas dúvidas. Afinal, não é difícil encontrar gente com um QI de três dígitos tropeçando em dilemas éticos de um só. Existem pessoas, consideradas gênios, que superam as demais em cálculos, memórias e até relatórios bem elaborados. Tipo computadores, que já constroem carros, pilotam aviões e escrevem textos quase convincentes (sim, quase). Mas ainda há uma habilidade que nenhum gênio ou algoritmo conseguiram dominar, a do comportamento.

E talvez seja essa a linha que separa o chefe do líder. Nos últimos anos, o mundo corporativo descobriu um novo idioma, o das skills. Elas viraram a moeda emocional dos RHs, as estrelas dos treinamentos e o sonho dos consultores. Mas pouca gente se lembra de onde vieram essas expressões tão repetidas (hard skills e soft skills) e, principalmente, do que elas realmente significam.

O termo “hard skills” nasceu no ambiente militar norte-americano, mais especificamente nas Forças Armadas, lá pela década de 1960. Eram chamadas de “hard” porque evocavam aos soldados dureza, concretude, mensurabilidade. Eram as habilidades que podiam ser testadas, cronometradas, calculadas e replicadas, tal como dirigir tanques, pilotar aviões, operar armas, programar máquinas. Coisas que exigem aprendizado, técnica e precisão.

Já o termo “soft skills” surgiu quando psicólogos e líderes perceberam que soldados, tecnicamente impecáveis, falhavam nas relações humanas. E isso era importante para manter a harmonia das tropas e, assim, aumentar as chances de voltarem vivos dos confrontos. Então criaram este conceito para lidar com as habilidades ligadas ao comportamento, à comunicação e à convivência. Não bastava saber apertar o botão certo, era preciso ser e saber lidar com gente para sobreviverem em equipe.

O adjetivo “soft” parecia inofensivo, já que essas habilidades não envolviam qualquer interação com equipamentos bélicos, e acabou tendo um efeito colateral perverso quando sua tradução remete a “habilidades delicadas”. Isso fez parecer que essas habilidades eram mais frágeis, menos relevantes, um enfeite comportamental. Os soldados não percebiam que as soft skills podiam ser a sua maior fonte de força.

E voltando agora ao meio corporativo, vale destacar que Peter Druker, renomado autor e consultor em administração, há muitas décadas já dizia que:

As pessoas são contratadas por suas habilidades técnicas, mas são demitidas pelos seus comportamentos”.

Essa frase, repetida à exaustão no mundo corporativo, continua atualíssima. Ela traduz com precisão o abismo entre o que as organizações buscam nos currículos e o que realmente sustenta uma carreira.

As habilidades técnicas ou de conhecimento, as chamadas hard skills, são aquelas que costumam brilhar na entrevista ao evidenciar domínio de ferramentas, experiência comprovada, conhecimento específico, títulos e certificados. São mensuráveis, objetivas e, de certa forma, fáceis de aprender. Envolvem o raciocínio lógico, a memória, a capacidade de aprender, resolver problemas e inovar. São brilhantes, sim, mas podem ser replicadas.

Mas é no cotidiano, longe das planilhas e dos relatórios, que emergem as habilidades comportamentais ou de caráter, as chamadas soft skills. São elas que definem se alguém sabe comunicar-se com clareza, cooperar sob pressão, resolver conflitos com serenidade e agir com ética quando o atalho parece tentador.

Também incluem a resiliência diante do fracasso e a inteligência emocional para lidar com a diversidade de temperamentos que habita qualquer ambiente de trabalho. São aquelas que exigem profundidade moral e consistência emocional, tal como proatividade, disciplina, determinação, coragem, integridade e empatia.

E é justamente aí que muitos tropeçam.

Porque, no fim, não é o domínio técnico que sustenta uma trajetória profissional, mas é o caráter que a mantém de pé.

No fundo, essa distinção é o coração do nosso dilema contemporâneo. Somos ótimos em ensinar o “como”, mas péssimos em discutir o “por quê”. E o resultado é um exército de profissionais competentes, porém vazios de propósito. Pense em alguém tecnicamente impecável, mas que usa a inteligência a serviço do próprio ego. Agora pense em alguém de comportamento e caráter sólidos, mas com menos habilidades técnicas. Quem você contrataria para liderar sua equipe? Exato!

O mundo corporativo aprendeu a valorizar as habilidades técnicas, aquelas que fazem o negócio girar. Mas só recentemente começou a entender que o motor não serve de nada se o condutor perder o controle moral e emocional.

É perceptível pelos RHs em toda organização que o desenvolvimento de habilidades comportamentais não apenas melhora o desempenho, mas também a qualidade das decisões. Pessoas disciplinadas, proativas e determinadas aprendem a lidar melhor com erros, a antecipar problemas e a persistir mesmo sob pressão. São mais adaptáveis, mais criativas e, sobretudo, mais confiáveis.

E é justamente “confiança” o recurso mais escasso no mundo corporativo atualmente.

A verdade é que o comportamento não se revela nas horas de calma, mas nas de crise. Ele aparece quando a pressão aumenta, quando a tentação é grande e quando ninguém está olhando. Aí sim sabemos (e saberão) quem somos e quem não somos.

É claro que as habilidades técnicas (hard skills) continuam essenciais. São elas que impulsionam o progresso, a ciência e a inovação. Mas, sem as de caráter e comportamento (soft skills), viram armas sem mira. Afinal, inteligência sem integridade é apenas malandragem com diploma.

Vivemos, hoje, um paradoxo curioso, quanto mais avançamos tecnologicamente, mais precisamos de virtudes ancestrais. A paciência, por exemplo, tornou-se artigo de luxo. A palavra dada, um risco reputacional. A humildade, uma ameaça ao personal branding.

Enquanto as máquinas atualmente aprendem a pensar, nós precisamos reaprender a sentir. E isso exige treino. As habilidades de comportamento, ao contrário do que se imagina, não são dons, são músculos. Podem ser fortalecidos, desde que se aceite o desconforto da prática. A coragem, por exemplo, não é ausência de medo, é o hábito de enfrentá-lo. A disciplina não é rigidez, é compromisso renovado com aquilo que se decidiu fazer. E a proatividade não é inquietação, é responsabilidade antecipada.

Essas qualidades não aparecem em certificados, mas definem destinos. São construídas em silêncio, testadas no fracasso e lapidadas na persistência. É por isso que pessoas de caráter raramente fazem barulho, pois estão ocupadas sendo consistentes.

O termo soft skill talvez tenha sido um erro de branding. Não há nada de “suave” em manter a integridade num mundo que recompensa atalhos e raciocínios por inteligência artificial. Ser íntegro, hoje, é quase um ato de rebeldia. E talvez essa seja a nova fronteira da liderança, combinar competência cognitiva ou técnica com caráter e comportamento inegociáveis. A inteligência faz você subir, o caráter define se você vai continuar lá em cima.

Num mundo em que os robôs já sabem fazer quase tudo, a única vantagem competitiva verdadeiramente humana é a capacidade de escolher o certo mesmo quando ninguém exige isso. As habilidades técnicas nos colocam no topo. As habilidades de comportamento impedem que a queda seja inevitável.

No fim, o futuro não será dos mais inteligentes, mas dos mais íntegros. E isso, convenhamos, ainda não se programa em computadores.

Sadik Sarkis

Executivo jurídico e de Compliance com mais de 20 anos na área de gestão e liderança corporativa. Associado com formação de Conselheiro Independente e integrante da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Membro de Conselho Fiscal e Membro de Conselho Consultivo de instituições do terceiro setor. Membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP e Membro do Comitê de Cultura de Integridade da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Certificação em Educação Executiva em Compliance e formação de Especialista em Compliance, ambos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law/SP). Formação Executiva em Liderança e Negociação pela Executive Language Institute na Hult International Business School in Boston/MA. Pós-graduando de MBA em Inteligência Artificial em Negócios pela Faculdade Exame – Saint Paul. Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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