Elizabeth Vilela
A paternidade, durante muito tempo, foi entendida apenas como um laço de sangue. No entanto, com o passar dos anos, o Direito e a sociedade passaram a enxergar que ser pai vai muito além da biologia. Há um universo de afetos, responsabilidades e presenças cotidianas que, juntos, formam a verdadeira essência da paternidade.
Porque a paternidade socioafetiva garante proteção jurídica e emocional a crianças e adolescentes, reconhecendo que o afeto e a presença têm o mesmo valor que o vínculo biológico.
Por que isso importa?
Cada vez que olhamos para esse tema, descobrimos novos caminhos, decisões e interpretações jurídicas que revelam a riqueza — e os mistérios — da paternidade socioafetiva.
O primeiro mistério: quando o afeto vale tanto quanto o sangue
A paternidade socioafetiva nasce da convivência. É o pai que leva à escola, acompanha no médico, ajuda nas tarefas, dá bronca, mas também acolhe no colo. Não importa se existe laço biológico: o que vale é a escolha consciente de estar presente.
E aqui está a primeira revelação: a lei e a Justiça já reconhecem que esses gestos, repetidos dia após dia, têm o mesmo peso que a genética. Ser pai, portanto, pode ser fruto de sangue, mas também de amor e dedicação.
Interessa a famílias, pais, mães, responsáveis, advogados de Direito de Família, magistrados e todos que buscam compreender os impactos legais e afetivos do reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva
Para quem isso interessa?
O segundo mistério: o papel do consentimento
Outro ponto que merece atenção é o consentimento. Ninguém deve ser obrigado a assumir juridicamente uma paternidade que não deseja. O STJ já deixou isso claro em decisões recentes.
Em um caso relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma, em decisão unânime, anulou um registro de paternidade porque o homem não tinha laço biológico nem socioafetivo com a criança. O Tribunal reforçou que a paternidade socioafetiva deve prevalecer sobre a biológica quando existe afeto real, mas não pode ser imposta quando não houve escolha ou quando há prova de erro grave.
Essa decisão revela um mistério importante: o afeto, para ter força jurídica, precisa ser verdadeiro, vivido e consentido.
O terceiro mistério: a identidade do filho
Reconhecer a filiação socioafetiva é também reconhecer a identidade da criança. Esse é um direito de personalidade, que garante pertencimento e segurança emocional.
O STJ já foi além e admitiu, em casos específicos, a possibilidade de filiação socioafetiva entre avós e netos, quando o vínculo ultrapassa a afetividade natural da família e se torna verdadeira relação de parentalidade. Isso mostra que os limites da socioafetividade ainda estão em expansão.
Aqui fica mais uma descoberta: a socioafetividade não é adoção. Ela não exige procedimentos formais nem destituição do vínculo biológico. É diferente justamente porque nasce de uma realidade concreta — do dia a dia vivido. Tanto que pode ser reconhecida judicialmente ou até mesmo em cartório.
O quarto mistério: por que tantos resistem?
Mesmo com tantas possibilidades, muitas pessoas ainda relutam em assumir juridicamente a paternidade socioafetiva. E, aqui, descobrimos mais um mistério: muitas vezes não é a falta de vínculo ou de amor, mas o medo das consequências financeiras, como o pagamento de alimentos ou a divisão de herança.
Mas reduzir a paternidade a encargos materiais é esquecer seu verdadeiro sentido. Ser pai ou mãe é muito mais do que cumprir obrigações: é dar presença, cuidado e proteção.
E vale lembrar: o mesmo raciocínio se aplica à maternidade socioafetiva. Mulheres que, sem vínculo biológico, assumem o papel materno também podem ver esse vínculo reconhecido, garantindo direitos e proteção à criança.
O quinto mistério: o papel da Justiça
Quando há resistência, o Judiciário pode ser chamado a intervir. E aqui está outra revelação importante: se houver provas consistentes — fotos, testemunhos, documentos, registros de convivência —, a Justiça pode declarar a filiação socioafetiva.
Essa decisão não garante apenas direitos materiais, mas sobretudo preserva a identidade e a história da criança, que tem o direito de ver reconhecido quem de fato exerceu a função paterna ou materna em sua vida.
Mãe (e pai) é quem cuida
A cada julgamento e a cada nova interpretação, o Direito de Família se mostra mais próximo da vida real. O que se busca não é apenas a formalidade de um registro, mas a proteção daquilo que realmente importa: o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente.
E, no fim, toda essa construção jurídica apenas confirma o que a sabedoria popular já nos ensinava: “mãe (e pai) é quem cuida”.