“Dona de Mim” traz debate jurídico sobre doação de ações a menores de idade

Especialistas explicam os aspectos legais mostrados na novela da Rede Globo
Elenco principal de "Dona de Mim" • TV Globo/ Léo Rosario

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A novela Dona de Mim, exibida pela TV Globo, trouxe à cena um tema jurídico delicado e pouco explorado na teledramaturgia brasileira: a doação de ações empresariais a uma criança.

Na história, Dona Rosa (Suely Franco), matriarca da família, decide doar metade de suas ações da empresa Boaz para sua neta Sofia (Elis Cabral), de apenas sete anos. A personagem Leo (Clara Moneke) que mantém a guarda da menina, é nomeada como responsável pela administração desses bens.

Embora o enredo seja ficcional, a situação retratada levanta questões reais e complexas do Direito de Família e Sucessões. O advogado Kevin de Sousa, especialista na área e sócio do escritório Sousa & Rosa Advogados, afirma que é juridicamente possível doar ações a um menor de idade. “O Código Civil brasileiro, nos artigos 538 e seguintes, permite a doação de bens móveis, imóveis e direitos, incluindo valores mobiliários como ações”.

Não tão simples como parece na ficção

No entanto, ele alerta que “a validade do ato depende do cumprimento de formalidades legais, como a realização por instrumento público ou particular adequado e a aceitação feita por representante legal da criança — pai, mãe ou tutor. Embora o ato seja juridicamente válido, não é tão simples como retratado na ficção, sendo sujeito à fiscalização do Ministério Público e, em alguns casos, à autorização judicial, justamente para proteger os interesses da criança”, enfatiza o advogado.

A advogada Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito de Família, Heranças e Negócios Familiares e sócia do Silva Nunes Advogados, reforça que a doação de bens ou ações a menores é plenamente possível, mas exige atenção a requisitos legais. “Menores de 16 anos são absolutamente incapazes para praticar atos da vida civil, conforme o artigo 3º do Código Civil, e por isso não podem administrar diretamente seus bens.

No caso de Sofia, a doação pode ser registrada na Junta Comercial, dependendo do tipo societário e do objeto da empresa, mas a manifestação de vontade deve ser feita por seus representantes legais”.  A advogada explica que em regra, não há necessidade de autorização judicial para a doação, salvo se houver cláusulas restritivas ou questionamentos sobre o ato.

Outro ponto sensível da trama é a nomeação de Leo como administradora das ações de Sofia. De acordo com Sousa, se Leo não for formalmente nomeada como tutora, ela não possui autonomia plena para gerir o patrimônio da menor. “O artigo 1.691 do Código Civil estabelece que atos de disposição de bens de menores, como venda de ações ou alteração societária, exigem autorização judicial.

Mesmo decisões consideradas ordinárias, como o recebimento de dividendos ou participação em assembleias, devem ser tomadas com cautela e sob supervisão legal”.  Na prática, Leo não poderia administrar livremente esses bens, pois a legislação impõe barreiras protetivas para evitar abusos patrimoniais contra menores.

Nunes complementa que o responsável legal de um menor tem o dever de administrar os bens com diligência, sempre visando o interesse da criança. “Leo atuaria como administradora temporária das ações de Sofia, mas não poderia alienar ou gravar esses bens sem autorização judicial. Ela também teria o dever de prestar contas da gestão, evitar conflitos de interesse e garantir que os frutos gerados pelas ações sejam aplicados diretamente em benefício da menor”, ressalta.

Planejamento sucessório

Além disso, os especialistas destacam aspectos que raramente são abordados em produções ficcionais, mas que têm grande impacto no mundo real. O advogado chama atenção para o planejamento sucessório, prática comum entre famílias empresárias que desejam antecipar heranças. Embora o caso retratado na novela se aproxime dessa realidade, é fundamental que tais decisões sejam acompanhadas por assessoria jurídica especializada para evitar nulidades e garantir segurança jurídica.

Ao abordar esse tema, Dona de Mim contribui para ampliar o debate público sobre questões jurídicas que envolvem sucessão, administração de bens e proteção patrimonial de crianças e adolescentes. A novela acerta ao trazer para o horário nobre uma discussão que, embora técnica, é cada vez mais presente na realidade de muitas famílias brasileiras.

Da Redação

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