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Abandono afetivo e a nova lei de reparação civil

Impor a presença de um genitor na vida destas crianças e adolescentes pode gerar danos mais graves e irremediáveis que o próprio abandono afetivo
Embora represente um avanço na proteção à infância, a nova legislação também desperta questionamentos sobre seus efeitos práticos
Embora represente um avanço na proteção à infância, a nova legislação também desperta questionamentos sobre seus efeitos práticos

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Até que ponto o Estado pode e/ou deve intervir nas relações afetivas entre pais e filhos? A recente Lei nº 15.240/2025, que alterou o ECA (Estatuto Da Criança e do Adolescente), caracterizando o abandono afetivo como ilícito civil – capaz de gerar o dever de reparar civilmente o menor abandonado afetivamente -, reacende este debate sensível e urgente no Direito de Família

Embora represente um avanço na proteção à infância, a nova legislação também desperta questionamentos sobre seus efeitos práticos e os possíveis reflexos emocionais negativos que pode gerar em situações já marcadas por rejeição, conflitos e ausência de vínculo.

O abandono afetivo e suas marcas na infância

A ausência emocional de um dos genitores não é apenas uma lacuna simbólica: é uma violação silenciosa do direito à convivência familiar e afetiva, previsto na Constituição e no ECA.

 Filhos que crescem sem o cuidado, o interesse e o afeto de um dos pais tendem a desenvolver insegurança emocional, baixa autoestima e dificuldades nas relações interpessoais. São consequências que ultrapassam o campo jurídico e adentram o território psicológico e social.

 Em alguns casos, essa ausência está associada a históricos de violência doméstica, negligência ou completo desinteresse pelo convívio, o que torna a experiência ainda mais traumática.

A nova lei busca dar resposta a essa realidade, permitindo que o filho prejudicado possa pleitear reparação civil pelo dano afetivo sofrido. Mas impor, através dela, a presença de um genitor na vida destas crianças e adolescentes pode gerar danos mais graves e irremediáveis que o próprio abandono afetivo.

Quando o dever de amar se torna uma obrigação legal

O propósito da Lei nº 15.240/2025 é claro: responsabilizar civilmente o genitor que se omite afetivamente. No entanto, surge um dilema ético e prático inevitável: é possível obrigar alguém a amar?

 Embora se trate de uma novidade legislativa, a tentativa de compelir o convívio familiar não é inédita na prática forense. Já há casos em que o descumprimento do período de convivência fixado judicialmente resulta na aplicação de multas e outras sanções coercitivas.

 A experiência demonstra, porém, que o afeto imposto tende a se converter em resistência. Nesses contextos, a convivência forçada ou a responsabilização judicial podem, paradoxalmente, aprofundar o distanciamento emocional entre pais e filhos e, em situações mais delicadas, até aumentar o risco de episódios de violência ou hostilidade.

 Assim, a boa intenção legislativa pode, inadvertidamente, transformar o espaço de diálogo e reconstrução do vínculo em um novo campo de batalha judicial, agravando conflitos e perpetuando a dor que se pretendia atenuar.

Caminhos restaurativos: reconstruir vínculos, não impor afeto

  O reconhecimento do abandono afetivo como ilícito civil é, sem dúvida, um marco importante na consolidação da parentalidade responsável. Contudo, o avanço efetivo da proteção à infância não virá da punição isolada, mas da conscientização e da mediação familiar.

Mais do que indenizar, é necessário restaurar. Mais do que julgar, é urgente educar para a afetividade.

 Políticas públicas que estimulem o exercício da parentalidade consciente, o acompanhamento psicológico e programas de reaproximação familiar têm potencial de promover mudanças reais, de forma menos punitiva, mais humana e mais eficaz.

Entre a justiça e o afeto

A nova lei surge como resposta à dor de tantas crianças e adolescentes que cresceram sentindo a ausência de um amor que deveria ser incondicional. Mas o amor, diferentemente da obrigação, não nasce de sentença.

 A lei pode oferecer reparação simbólica, que, possivelmente, será convertida em proveito econômico, mas a verdadeira cura vem da presença voluntária, do cuidado genuíno e do olhar que acolhe.

 O abandono afetivo é uma ferida que o tempo raramente cicatriza. Mas o desafio do Direito de Família está em evitar que a tentativa de reparação transforme essa dor em uma cicatriz ainda mais profunda, especialmente quando insere crianças em convívio com quem não as deseja por perto, aumentando o risco de revitimização a cada contato imposto por obrigação judicial.

 A lei pode impor o encontro, mas só o afeto constrói vínculo real.

Foto de Elizabeth Vilela de Moraes

Elizabeth Vilela de Moraes

Elizabeth Vilela de Moraes é advogada especialista em Direito Público e atua predominantemente no Direito Familiarista, com foco nos Direitos das Mulheres.

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