Cláudio Bernardo
O avanço da inteligência artificial generativa, agora estruturada em agentes de IA, está promovendo uma mudança estrutural no contencioso de alta volumetria, setor que tradicionalmente enfrenta desafios operacionais intensos. Atualmente, departamentos jurídicos conseguem estruturar uma resposta no mesmo dia da distribuição do processo, combinando dados internos, como informações de CRM, RH e produto, com bases públicas e ferramentas de jurimetria. Esse novo fluxo, apoiado por agentes de IA, proporciona não apenas maior velocidade na reação jurídica, mas também um salto qualitativo na forma como as empresas lidam com disputas judiciais em larga escala.
Importa porque muda o jogo em três frentes que se reforçam no dia a dia. Primeiro, o jurídico passa a prever cenário — não só reagir — ao simular desfechos, recalibrar provisões e orientar onde vale litigar, negociar ou corrigir a oferta. Depois, a resposta deixa de ser artesanal: chega cedo, consistente e coerente com a tese da empresa, o que encurta o conflito e melhora a posição na mesa de acordo.
Por que isso importa?
Por fim, cada processo vira fonte de inteligência para o negócio: padrões de reclamação apontam falhas de produto, gargalos de atendimento e riscos regulatórios antes que virem crise. O resultado prático aparece no caixa e na reputação: menos surpresas em auditoria, menos volatilidade para RI, menos ruído para o cliente. Tudo isso só funciona com governança — dados bem cuidados, revisão humana e critérios claros —, que é justamente o que separa eficiência de temeridade.
O uso da inteligência artificial nesse contexto representa a transição do jurídico de centro de custo para núcleo estratégico dentro das organizações.
A possibilidade de gerar pré-contestações alinhadas à política da companhia, com argumentos fundamentados em decisões anteriores e dados contextuais, representa mais do que um ganho operacional. Trata-se de um reposicionamento do setor jurídico na cadeia de valor do negócio. Ao responder rapidamente com conteúdo relevante e bem fundamentado, o jurídico deixa de atuar apenas na contenção de passivos e passa a contribuir para a preservação da reputação e a prevenção de novos litígios.
Transição
Essa transformação é especialmente significativa em empresas que enfrentam milhares de ações semelhantes, muitas vezes com fundamentos repetitivos. Ferramentas de IA conseguem ler petições iniciais, consultar documentos internos, sugerir teses e até gerar minutas personalizadas com base em padrões jurisprudenciais. A automação das etapas repetitivas libera os times jurídicos para decisões mais estratégicas, reduzindo erros, acelerando prazos e garantindo maior uniformidade nas defesas apresentadas. Isso é decisivo em casos massificados, onde pequenas falhas podem escalar em prejuízos relevantes e a consistência é determinante para aumentar as chances de êxito nos processos.
Interessa a diretores jurídicos, advogados corporativos, escritórios de advocacia, executivos de negócios, gestores de risco, investidores e todos que dependem de previsibilidade, segurança e governança na tomada de decisões empresariais.
Para quem isso interessa?
Além da eficiência, o impacto financeiro direto tem sido um argumento forte para a adoção dessas tecnologias. Ao evitar condenações padrão, reduzir o tempo médio de contestação e antecipar acordos com maior margem de negociação, muitas empresas já acumulam economias expressivas. O retorno sobre o investimento, antes tratado com ceticismo, tornou-se mensurável e rastreável. Métricas como taxa de improcedência, custo por processo e tempo médio de resposta mostram que a inteligência artificial jurídica deixou de ser uma aposta para se tornar uma alavanca concreta de resultados.
Segundo pesquisa realizada pela OAB-SP, Trybe, Jusbrasil e ITS Rio com 1,5 mil profissionais, mais da metade (55,1%) dos respondentes já utilizam IA generativa em suas atividades, sendo os principais usos a análise e resumo de documentos, a criação de peças jurídicas e a pesquisa de jurisprudência. O índice sobe para 62% entre advogados de empresas privadas, evidenciando a tendência de institucionalização da tecnologia no ambiente corporativo. Esse dado sinaliza que a adesão crescente à IA passa também por uma mudança de mentalidade, na qual o jurídico é visto como área que gera valor por meio da tecnologia.
Mais dque responder processos, o novo modelo permite que o jurídico retroalimente a organização com inteligência prática. Ao centralizar dados e análises, é possível identificar padrões de judicialização, mapear causas recorrentes e fornecer insumos valiosos para outras áreas, como atendimento ao cliente, produto e compliance. Isso fortalece o papel do jurídico como área preventiva, capaz de influenciar decisões internas e reduzir riscos de litígios futuros com base em evidências concretas.
Critérios
No entanto, essa transformação exige cuidado técnico e governança. A adoção da IA em fluxos jurídicos demanda critérios claros de uso, curadoria de dados, revisão humana e compatibilidade com a política institucional. Automatizar a contestação de um processo é diferente de padronizar decisões. O desafio está em combinar escala com personalização, agilidade com responsabilidade. O risco de respostas genéricas ou desalinhadas com o perfil da empresa é real e só pode ser mitigado com supervisão qualificada e integração efetiva entre tecnologia e estratégia jurídica.
O contencioso de massa, que por décadas operou em modo reativo, encontra na inteligência artificial uma oportunidade real de reinvenção. A tecnologia usada com responsabilidade e estratégia permite transformar dados em ação, respostas em reputação e volume em vantagem. À medida que a pressão por eficiência e previsibilidade aumenta, o jurídico que investir em inteligência, e não apenas em defesa, estará mais preparado para enfrentar os desafios de uma era marcada por velocidade, transparência e informação abundante.