Denis Zanini Lima
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (05/12), por unanimidade, que não há vínculo de emprego entre motoristas de aplicativo e as empresas que operam as plataformas para as quais eles prestam serviço. O entendimento vale para todas as plataformas.
O colegiado julgou uma decisão da Justiça do Trabalho de Minas Gerais que reconheceu vínculo de emprego entre um motorista e a empresa Cabify. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que os magistrados da Corte, em decisões individuais, já têm decidido outros casos neste mesmo sentido. Mas, agora, a definição foi feita pela primeira vez por um colegiado do Supremo.
Atualmente, o número de pessoas que atuam com os aplicativos no país é de cerca de 1,6 milhão sendo 1.274.281 motoristas e 385.742 entregadores.
Para entendermos mais a fundo os impactos dessa decisão, conversamos com a advogada trabalhista Claudia Abdul Ahad Securato, sócia do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados.
+QD: Quais motivos levaram o STF a derrubar uma decisão da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista e uma empresa de aplicativo de transporte?
Claudia: Para que seja configurado vínculo de emprego é preciso que a relação entre os envolvidos demonstre concomitantemente vários requisitos, entre os quais: não eventualidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade, de acordo com artigos 2º e 3º da CLT.
O STF entendeu que os motoristas e entregadores têm a liberdade de aceitar as corridas que quiserem, de fazer seus horários e de ter outros vínculos. Assim, não fica caracterizada a exclusividade e subordinação, requisitos para identificar a relação de emprego.
+QD: A senhora acredita que, desta forma, outros processos semelhantes que estão em tramitação serão invalidados?
Claudia: É preciso avaliar caso a caso a aplicação da decisão do STF, pois podem haver outras questões envolvidas no caso concreto.
Mas podemos afirmar que se os julgamentos que envolvem questões de repercussão geral têm o efeito de se tornar um precedente repetitivo (ou precedente vinculante).
Esse entendimento sintetiza a decisão de um tribunal acerca um grupo de recursos que tenham teses idênticas, ou seja, que possuam fundamento em idêntica questão de direito. E esse entendimento deverá ser obedecido por todos os magistrados do país que se depararem com questões idênticas.
+QD: Essa decisão do STF tem impacto também sobre aquele outro caso da Justiça do Trabalho de São Paulo, que determinou que o Uber tinha que contratar todos os motoristas e pagar indenização de R$ 1 bilhão? Ou são casos diferentes?
Claudia: São casos diferentes. Não existe uma aplicação imediata dessa decisão do STF ao processo da Justiça do Trabalho de São Paulo.
Mas com certeza a decisão do STF sinaliza qual será o direcionamento do Poder Judiciário como um todo em relação a essa questão, e a partir disso, conforme o caso concreto, pode haver novas decisões que sejam no mesmo sentido do julgamento do STF.
+QD: Mesmo que não haja vínculo empregatício, o que a legislação trabalhista oferece para que esses profissionais que trabalham para aplicativos de transporte tenham melhores condições no exercício de suas atividades?
Claudia: No Brasil, não há uma legislação de âmbito federal específica exclusiva para proteger os entregadores de aplicativos, mas alguns direitos trabalhistas e medidas de proteção estão garantidos pela legislação existente. Em geral, esses trabalhadores são considerados como autônomos, não possuindo vínculo empregatício direto com as empresas de aplicativos.
Contudo, a interpretação e aplicação da legislação trabalhista em relação aos entregadores de aplicativos têm sido objeto de discussão no país. Decisões judiciais e entendimentos podem variar, dependendo do contexto e das relações estabelecidas entre os entregadores e as empresas.
Além disso, alguns estados e municípios têm proposto regulamentações específicas para garantir direitos mínimos a esses trabalhadores, como por exemplo, legislações que tratam sobre jornada de trabalho, seguro contra acidentes, garantias de pausas durante o trabalho, entre outros.
Portanto, embora não exista uma lei exclusiva para proteger os entregadores de aplicativos, existem debates e movimentos para ampliar a proteção e os direitos desses trabalhadores no cenário jurídico brasileiro.
+QD: Muito se fala que a “uberização” do mercado está levando à precarização do trabalho. O que a senhora pensa a respeito?
Claudia: O termo uberização está muito ligado à precarização do trabalho, mas não deveria ser visto apenas dessa forma.
É fato que existem muitas formas diferentes de contratação em relações de trabalho, dentro da legalidade, com características próprias, e que são plenamente válidas e justas.
Por exemplo, existem os casos dos representantes comerciais, transportadores autônomos, contratos de estágio dentre tantos outros, que têm regras próprias e leis específicas para regulamentar as obrigações dos envolvidos. E quando essas leis específicas são respeitadas, a relação é justa para todos os envolvidos.
A liberdade de contratação é justamente o que evita a precarização do trabalho, e permite a inclusão de pessoas no mercado de trabalho remunerado.
A sociedade está se transformando, surgem novas necessidades e novas formas de se relacionar. É importante que haja liberdade de contratação, e que as leis não fiquem estagnadas em um único modelo de contrato que é a CLT.