Suspensão do X no Brasil fortalece a democracia, diz especialista

Segundo o advogado Marcelo Crespo, batalha entre Musk e Alexandre de Moraes prejudica principalmente os usuários
Medidas contra as empresas de Elon Musk fortalecem a democracia e a soberania brasileiras - Freepik

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Ana Busch

No último dia 28, o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Alexandre de Moraes, determinou a suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil. A ordem – que veio após a plataforma encerrar suas operações no país sem deixar um representante legal que pudesse cumprir quaisquer ordens judiciais –, começou a ser cumprida a partir da 0h de sábado, 31 de agosto.

A decisão faz parte de uma batalha mais ampla que envolve o cumprimento das leis brasileiras e as estratégias políticas de Elon Musk, dono da plataforma. Além de suspender o X, Moraes também tomou medidas contra a Starlink, outra empresa de Musk, determinando o congelamento de suas finanças no Brasil.

A decisão está relacionada ao entendimento de que as empresas de Musk operam como um grupo econômico, o que justifica a responsabilização conjunta por descumprimento de ordens judiciais, especialmente em casos que envolvem a disseminação de fake news. Além disso, Moraes proibiu o uso de VPNs (Virtual Private Networks) para acesso ao X.


Por que isso importa?

Esse assunto chama a atenção para a importância de regulamentar o ambiente digital, garantir a soberania jurídica do Brasil e proteger o combate à disseminação de fake news e outras atividades ilegais nas redes sociais.

Para entender as consequências dessas decisões, o +QD conversou com o advogado Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM, especialista em direito digital.

Segundo ele, a suspensão do X, embora necessária do ponto de vista legal, prejudica principalmente os usuários. A medida, afirma Crespo, é um forte recado de que aqui no país as regras devem ser cumpridas por todos.

Ele lembra que já houve outro caso semelhante em 2015, quando houve um bloqueio imposto ao WhatsApp. O caso do X se insere no histórico de embates entre a aplicação da lei e as operações de grandes plataformas digitais no Brasil.


Para quem esse assunto interessa?

O tema interessa a usuários de redes sociais no Brasil, profissionais de direito digital, empresas de tecnologia que operam no país e instituições que atuam na regulamentação e controle da internet.

+QD: Qual foi a principal motivação para a suspensão do X (antigo Twitter), que completa hoje sete dias?

Marcelo Crespo: A principal motivação foi o descumprimento em série de decisões do STF, bem como o encerramento das operações aqui no Brasil, passando a inexistir representante legal que possa atender a demandas judiciais aqui do país.

Elon Musk usa a plataforma com viés ideológico e concretizou a profecia auto-realizável de que estaria sendo “censurado”. Então, para as finalidades que ele busca, já se esperava o bloqueio, em razão de seu próprio comportamento.

+QD: A intimação da empresa via tuíte é uma medida que chamou bastante atenção. O que essa medida representa?

Marcelo Crespo: A intimação de uma empresa por meio de um tuíte, como aconteceu agora com o X, é uma inovação que mostra a rapidez e a necessidade das comunicações judiciais de forma ágil. Utilizar o canal da própria empresa pode garantir que a mensagem chegue de forma imediata e direta, especialmente quando outros métodos de intimação podem ser mais lentos ou ineficazes.

Como regra, os caminhos para a comunicação com entidade sem representação no Brasil passariam pelo atendimento de convenções internacionais . Mas a Convenção de Haia subscrita pelo Brasil só fala em matérias cíveis e comerciais ou cooperação jurídica internacional, que é um modo formal de se pedir a outro país que processe medida judicial ou administrativa necessária para caso concreto em andamento. Isso depende da boa vontade das autoridades internacionais e pode levar muito tempo.

Outro caminho seria a carta rogatória, um instrumento jurídico para comunicação entre as Justiças de diferentes países. Igualmente pode levar muito tempo.


Como funciona uma carta rogatória?

Uma carta rogatória é um instrumento jurídico de cooperação internacional utilizado para solicitar a realização de atos processuais em um país estrangeiro. Ela permite que um tribunal ou autoridade judicial de um país solicite a um tribunal ou autoridade de outro país a execução de medidas necessárias em um processo judicial, como a obtenção de depoimentos, coleta de provas, citação de partes ou a notificação de decisões. A carta rogatória é baseada em tratados internacionais e segue os princípios de reciprocidade e soberania entre os Estados.

A decisão foi criticada porque Musk, intimado pela rede social, não é o CEO ou o diretor-presidente do X. Mas, devido à forma como ele se comporta, misturando suas funções, a intimação em seu nome não é absurda. Até mesmo porque ele respondeu tomando ciência do ato, dando a finalidade como atingida.

+QD: O caso do Twitter é único ou já houve outros semelhantes no Brasil?

Marcelo Crespo: Houve bloqueio do WhatsApp fno Brasil em várias ocasiões – em fevereiro e dezembro de 2015 e em maio e julho de 2016. Atualmente a ADPF 403 discute se essas suspensões são juridicamente possíveis. Na época, os bloqueios foram determinados como medidas coercitivas para forçar o cumprimento da ordem judicial, afetando milhões de usuários no país.


O que é a ADPF 403?

A ADPF 403 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 403) foi ajuizada em 2016 no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a legalidade das decisões judiciais que determinaram o bloqueio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, no Brasil, devido à falta de fornecimento de informações para investigações criminais. A ação argumenta que essas suspensões violam preceitos fundamentais, como a liberdade de comunicação e a proporcionalidade, afetando milhões de pessoas de maneira desproporcional. O STF debate se tais bloqueios são compatíveis com a Constituição, especialmente em relação à liberdade de expressão e ao direito de acesso à tecnologia.

+QD: Como você vê o posicionamento de Elon Musk em relação a essas questões, considerando suas ações políticas e comerciais no Brasil?

Marcelo Crespo: Elon Musk não parece estar muito preocupado com essa situação, ou seja, com o bloqueio. Ele está movimentando sua base de fãs e seguidores com isso. Está claro o projeto dele de utilizar a plataforma como um instrumento político para dar voz a suas opiniões e construir uma audiência. Parte disso passa por construir uma expressão de vitimismo, alegando que hea censura no Brasil ou que suas intenções são apenas de estabelecer a “liberdade de expressão”.

É legítimo que ele faça isso, mas, para operar no Brasil, ele precisa cumprir a legislação local e as decisões dos tribunais.

+QD: Diante desse cenário complexo, o que mais devemos considerar no debate?

Marcelo Crespo: O sistema está sendo posto à prova para garantir ou ruir a democracia e a soberania brasileiras. Isso é muito complexo, porque não podemos permitir qualquer desvio da lei ou da Constituição, mas, ao mesmo tempo, enfrentamos uma ruptura constitucional com a tentativa de golpe, cooptação de agentes públicos e outras questões.

Isso fez surgir um inquérito para apurar esses graves desvios, mas a condução do inquérito pode haver, tecnicamente, questionamentos em diversos pontos. Da mesma forma, os investigados e agentes políticos se valeram disso para subir o tom e tentaram emparedar o STF. Até o que próprio Musk entrou na jogada, passou a publicar ataques à Corte e ao Ministro, além de dizer que descumpriria ordens do tribunal.

+QD: Considerando que a Starlink também foi alvo de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, como o senhor vê essa relação entre as empresas de Elon Musk e o impacto dessas decisões no Brasil?

Marcelo Crespo: A decisão que afeta a Starlink, congelando suas finanças, está relacionada à interpretação de que formam um grupo econômico com o X, ambas de propriedade do Musk ou tendo ele como acionista. Alguns requisitos que podem auxiliar a caracterizar o grupo econômico são a atuação conjunta das empresas, a comunhão de interesses e a identificação de sócios e atividades econômicas em comum.

A jurisprudência permite responsabilizar empresas de um mesmo grupo conjuntamente, especialmente quando há indícios de atuação coordenada, mas questiona-se aqui o fato dele ser “mero acionista” da Starlink (embora atue muitas vezes extrapolando esse papel, o que dá espaço para discussões). A novidade é isso acontecer no âmbito de inquérito policial e para fins como a disseminação de fake news ou o descumprimento de ordens judiciais.

+QD: Como você avalia o recuo do ministro Alexandre de Moraes em relação à proibição do uso de VPNs?

Marcelo Crespo: O recuo não foi suficiente para excluir as pessoas de usarem VPN para acesso à plataforma. A interpretação de Moraes mantida pela turma do STF é que permanece a determinação que impede o acesso à plataforma X, inclusive por meio de VPN a todos que estiverem no país. As multas seguem valendo para todos os que acessarem a rede social, ainda que para consumir conteúdo, mesmo sem publicar posts.


O que é uma VPN?

Uma VPN (Virtual Private Network, ou Rede Virtual Privada) é uma tecnologia que cria uma conexão segura e criptografada entre o dispositivo do usuário e a internet. Ao usar uma VPN, todo o tráfego de dados do usuário é redirecionado por meio de um servidor remoto operado pelo serviço de VPN, mascarando o endereço IP do usuário e protegendo suas informações pessoais. Isso permite que o usuário navegue na internet de forma mais privada, oculte sua localização real, acesse conteúdos geograficamente restritos e mantenha a segurança em redes públicas, como Wi-Fi em locais públicos.

+QD: O que pode acontecer com os usuários que usarem VPNs para acessar o X?

Marcelo Crespo: Embora o uso de VPN esteja proibido, é difícil comprovar o uso de quem apenas acessa a plataforma. Quem fizer posts, curtir ou replicar pode ser identificado e eventualmente punido nos termos da decisão do Ministro.

Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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