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Quando o martelo é o único herói da caixa de ferramentas

Liderança de verdade não é só ter boas respostas; é ter melhores perguntas
Na qualidade de líder, você precisa desenvolver a sabedoria de saber quando sua expertise é relevante e quando você precisa de outras perspectivas
Na qualidade de líder, você precisa desenvolver a sabedoria de saber quando sua expertise é relevante e quando você precisa de outras perspectivas

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Sadik Sarkis

Você conhece aquele velho ditado: “Para quem só tem um martelo, todo problema parece um prego”? Pois é. Essa máxima tem algo de engenhoso e, ao mesmo tempo, de trágico. Porque descreve com precisão cirúrgica uma armadilha silenciosa, mas comum entre líderes experientes, de aplicar, com convicção, a mesma solução a problemas completamente distintos.

Sim, vamos aprofundar um pouco na síndrome do martelo que citei no artigo anterior, pois, acredite caro leitor, ela não poupa ninguém.


Por que isso importa?

Porque mostra como líderes podem se aprisionar em soluções repetidas, perdendo visão estratégica. Refletir sobre a “síndrome do martelo” ajuda a ampliar perspectivas, evitar vieses e tomar decisões mais inteligentes.

Não pense que estou exagerando. Quantas vezes você já viu um líder admirável, respeitado, com décadas de sucesso, insistir em sua fórmula vencedora, mesmo quando o cenário mudou completamente? O executivo que brilhou cortando custos e passa a aplicar o bisturi orçamentário em todo problema. O expert em tecnologia que acha que todo ruído organizacional se resolve com software novo. O profissional de RH que transforma qualquer crise de performance em problema de engajamento.


Para quem isso interessa?

Interessa a líderes, gestores, executivos e profissionais que lidam com tomada de decisão e precisam desenvolver visão adaptável, inteligência emocional e abertura a novas perspectivas para inovar e engajar suas equipes.

É a expertise aprisionando a inteligência. E o pior, com boas intenções.

Mas antes de parecer moralista, vale dizer que não estou aqui para demonizar a especialização, mas para dizer o óbvio, sim, a especialização é valiosa e fundamental. Dominar uma disciplina é, sem dúvida, uma vantagem competitiva. Pode ser a nossa maior força, desde que saibamos utilizá-la adequadamente. Ou seja, o problema começa quando esse domínio se transforma em um filtro absoluto. Um viés. Um óculos que distorce a realidade até se encaixar na única ferramenta que o líder sabe (ou quer) usar.

Na qualidade de líder, você precisa desenvolver a sabedoria de saber quando sua expertise é relevante e quando você precisa de outras perspectivas. Isso não diminui seu valor, na verdade aumenta sua eficácia como tomador de decisões.

Um exemplo. O caso da cegueira operacional

Uma empresa industrial vinha enfrentando um crescimento nas taxas de defeito em sua linha de produção. Produtos saíam do controle interno perfeitos, mas chegavam aos clientes com problemas. As reclamações não paravam de aumentar. O diretor de operações, homem sério, experiente, com longa carreira em controle de qualidade, decidiu agir com firmeza.

Implementou mais pontos de inspeção. Multiplicou os testes. Estabeleceu checklists. Reforçou auditorias internas. Era o que ele sabia fazer e fazia muito bem. Mas o problema persistia. E a frustração crescia.

Após meses sem avanço, depois de muito custo e cabeça quente, a empresa decidiu investigar com mais profundidade. O que descobriram? A falha estava na comunicação entre os turnos de trabalho. Equipes diferentes estavam operando a mesma máquina que passava por passava por ajustes diferentes por cada equipe que não se comunicavam direito, porque as informações de um turno não estavam sendo transmitidas de forma clara e consistente para o outro.

Ou seja, o problema não era falta de inspeção. Era ruído humano. Pois é, o herói da qualidade com seu martelo de inspeção, estava tentando pregar uma gelatina na parede. A resposta certa aplicada ao problema errado se transforma, ironicamente, em parte do problema.

A síndrome do martelo é sedutora porque oferece o conforto do conhecido, de repetir o que já deu certo. Quando usamos uma ferramenta que dominamos, sentimos controle. Segurança. Poder. A zona de conforto parece uma fortaleza, mas, em muitos casos, é só uma cela de onde a inovação não consegue escapar.

O mais curioso da síndrome do martelo é que ela é confortável. Familiar. Reconfortante. Afinal, você já sabe como usar sua ferramenta favorita. E usar o que dominamos dá uma falsa sensação de controle, mesmo que estejamos batendo no lugar errado.

Mas, sejamos honestos, conforto raramente leva à inovação. A grande arte da liderança não está em repetir fórmulas. Está em fazer perguntas diferentes, olhar com lentes novas, aceitar o desconforto da dúvida e a graça de mudar de ideia.

E aqui está o ponto crucial: liderar não é repetir fórmulas, é reinventar caminhos.

A liderança verdadeira começa quando o líder abandona o trono da certeza e se permite perguntar. Quando abre mão do script técnico para entrar na sala da escuta. Quando aceita que o que funcionou ontem pode ser parte do problema hoje.

Lembre-se que a diversidade de abordagens não é apenas politicamente correta, mas é estrategicamente inteligente. Problemas complexos raramente têm soluções simples, e soluções eficazes frequentemente requerem a combinação de diferentes perspectivas e expertises.

Precisamos cultivar algumas práticas que, admito, exigem treino, humildade e um certo desprendimento do ego. Mas valem cada gota de suor intelectual. Vamos falar sobre elas.

Práticas para escapar da síndrome do martelo

Fácil? Nem um pouco. Mas há estratégias para evitar esse vício cognitivo. Práticas simples, mas poderosas, que ampliam sua percepção e tornam a liderança mais adaptável, inteligente e, por que não, mais humana.

Estratégia 1. Desconfie da sua resposta imediata ou de soluções prontas

Você viu o problema e sua mente já sabe o que fazer? Alerta vermelho!

A pergunta que você deve fazer a si mesmo é: “Essa solução resolve o problema real ou só alivia minha ansiedade e o meu desconforto com ele?”

A gente tende a aplicar o que conhece, não necessariamente o que o contexto exige. Quando a resposta vem antes da escuta, a chance de erro cresce exponencialmente. É impressionante como a gente, sem perceber, responde mais ao que nos é familiar do que ao que é necessário.

Estratégia 2. Dê espaço ao contraditório (mesmo que incomode)

Sabe aquele colega que propõe uma abordagem que “não faz sentido” para você? Ou o estagiário que levanta uma hipótese aparentemente absurda? E quando alguém propõe uma ideia fora do seu escopo de domínio, qual sua primeira reação? Desdenha? Contra-argumenta automaticamente? Pois bem. Talvez esse incômodo que você sente, não seja sobre a ideia, mas sobre seu ego. Talvez seja justamente o que você precisa ouvir.

Em vez de reagir com um “isso não vai funcionar”, tente dizer “como exatamente você enxerga isso funcionando? Essa pergunta pode salvar sua liderança de mais um monólogo disfarçado de reunião.

Estratégia 3. Inversão de papéis. Pense como se fosse outro

Essa é divertida. Chamo de “inversão de expertise”. Se você é de finanças, tente ver o problema como alguém de marketing. Se é advogado, pense como agiria um engenheiro. Se é de tecnologia, adote a lente do cliente. Se é CEO, pense como analista júnior.

Essa técnica é desconfortável no começo, mas libertadora. Força sua mente a abandonar os atalhos cognitivos. Ela obriga você a sair da sua moldura e olhar o quadro com outra perspectiva. E o que ela revela costuma ser surpreendente.

Estratégia 4. Questione suas suposições mais básicas

Toda solução nasce de uma premissa ou suposição. Quais são elas? E se estiverem erradas?

Antes de defender sua proposta, pergunte-se:

“Que certezas ou suposições eu estou assumindo aqui?”

“E se elas estiverem erradas?”

Esse tipo de autoquestionamento exige humildade e maturidade. Mas é exatamente isso que distingue o líder do dono da verdade. A liderança começa quando termina a arrogância.

Estratégia 5. Identifique sua ferramenta favorita (e saiba deixá-la de lado, se necessário)

Todo líder tem um estilo. A minha, por exemplo, é a análise detalhada. Outros preferem uma abordagem que domina. Pode ser delegação, confronto direto, brainstorming, o poder de síntese. Tudo bem. Nenhum problema em ter um estilo. O problema é quando você acha ser uma solução universal se tornando sua única abordagem.

Se seu estilo funciona, ótimo. Mas reconheça que nem tudo é prego. Às vezes é parafuso. Outras, vidro. E muitas vezes, o que você precisa não é bater, mas sim, observar de outra forma.

A diferença entre liderar e comandar

Comandar é ter respostas. Liderar é ter melhores perguntas. É saber quando usar sua ferramenta e quando guardar o martelo para ouvir alguém que tem uma chave de fenda. Ou uma lupa. Ou apenas olhos novos.

A liderança que se sustenta no próprio histórico tende a cristalizar a visão. Já a liderança que se constrói na dúvida e na escuta expande possibilidades. Cresce junto. Evolui com o tempo. E, principalmente, com as pessoas.

Ao invés de procurar o método certo, procure a pergunta certa. Porque, às vezes, a chave não está em fazer melhor o que sempre fez, mas em pensar melhor o que ainda não foi pensado.

Por fim, guarde o martelo. Pergunte primeiro.

Na próxima vez que um desafio surgir diante de você, antes de aplicar seu método habitual, faça um exercício simples: Pare. Respire. Pergunte.

“Que outras maneiras existem de ver esse problema?”

“Quem aqui tem uma lente diferente da minha?”

“E se eu estiver completamente enganado?”

“Estou supondo ou tenho certeza?”

Essas perguntas não enfraquecem sua autoridade. Elas fortalecem sua liderança.

Porque, no fim das contas, quem lidera com perguntas não precisa provar que está certo, mas apenas criar um caminho onde mais pessoas possam estar juntas.

Acredite, a equipepode estar precisando mais das suas perguntas do que das suas ordens.

Foto de Sadik Sarkis

Sadik Sarkis

Executivo jurídico e de Compliance com mais de 20 anos na área de gestão e liderança corporativa. Associado com formação de Conselheiro Independente e integrante da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Membro de Conselho Fiscal e Membro de Conselho Consultivo de instituições do terceiro setor. Membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP e Membro do Comitê de Cultura de Integridade da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Certificação em Educação Executiva em Compliance e formação de Especialista em Compliance, ambos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law/SP). Formação Executiva em Liderança e Negociação pela Executive Language Institute na Hult International Business School in Boston/MA. Pós-graduando de MBA em Inteligência Artificial em Negócios pela Faculdade Exame – Saint Paul. Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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