Sadik Sarkis
O conflito aparente é aquele que você vê. É aquele bate-boca sobre a mudança no modelo de negócio, a discordância sobre o bônus do final do ano, ou o tom de voz do primo durante o alinhamento da estratégia. Tudo muito técnico, muito racional, muito “profissional”.
Mas aqui vai o plot twist: o conflito aparente é só a ponta do iceberg. Muitas vezes, ele é apenas a desculpa socialmente aceitável para se expressar algo muito mais profundo (e incômodo).
Porque trata de uma das principais causas invisíveis de desgaste, rupturas e até falências em empresas familiares: os conflitos emocionais não verbalizados que se disfarçam de decisões técnicas ou estratégicas. O texto mostra que, para além das decisões de negócio, é preciso lidar com ressentimentos, rivalidades e histórias mal resolvidas que impactam diretamente a saúde da empresa e das relações familiares
Por que isso importa?
Sabe aquele comentário do tio sobre “falta de comprometimento” do sobrinho? Pode parecer uma crítica à produtividade, mas talvez seja apenas um recado velado de quem nunca engoliu bem o fato de o garoto ter sido o escolhido do avô para liderar a área comercial. E o questionamento sobre as decisões da irmã na gestão? Às vezes, é só o ciúme mal resolvido de quando ela era a favorita da mãe.
O conflito real: o verdadeiro roteirista por trás do drama
Já o conflito real é o que de fato movimenta as emoções — ainda que não apareça no script. Ele nasce das profundezas emocionais da convivência familiar: ciúmes, invejas, mágoas, percepções de injustiça, carências antigas e, claro, aquela rivalidade passiva-agressiva que vem desde o tempo em que dividir o último pedaço de pizza já era motivo de guerra.
Esse assunto interessa especialmente a empresários e herdeiros que atuam em empresas familiares e que enfrentam, muitas vezes sem perceber, tensões emocionais disfarçadas de decisões técnicas. Também é relevante para consultores, mediadores e profissionais que atuam com governança, sucessão e gestão de conflitos, além de terapeutas e coaches que acompanham dinâmicas familiares no ambiente corporativo
Para quem isso interessa?
O problema é que esse conflito raramente é declarado. Ele se esconde, se disfarça, se adapta. Veste terno, usa PowerPoint e finge que é só mais uma divergência de opinião. Mas está ali, firme e forte, minando a confiança e sabotando o diálogo.
E o mais perigoso? O conflito real pode se esconder atrás de vários conflitos aparentes. Você resolve um, e aparece outro. Um ciclo infinito de tretas mal resolvidas — como um looping de reprises de fim de ano.
Por que isso importa tanto para a empresa (e para a ceia de Natal)?
A distinção entre o que é aparente e o que é real não é só um exercício filosófico ou psicológico. Ela é fundamental para a saúde da empresa e da família.
Ignorar o conflito real é como pintar a parede com mofo: parece limpo por fora, mas o problema continua crescendo por dentro. E quando a estrutura começa a ruir, nem o melhor plano de sucessão salva.
Empresas familiares de sucesso são aquelas que criam espaços seguros para escuta ativa e diálogo profundo. Lugares onde se possa dizer: “Não é sobre a reunião, é sobre como me senti excluído por anos”. Pode parecer difícil — e é mesmo. Mas é exatamente nesse momento que começa a verdadeira governança familiar.
E agora, José?
A próxima vez que um embate surgir na empresa familiar, faça o exercício: isso é sobre o que estamos discutindo… ou sobre o que não estamos dizendo?
E, quem sabe, proponha um café honesto — não para falar de planilhas, mas para entender o que há por trás dos silêncios, das interrupções e das críticas disfarçadas.
No fim das contas, todo mundo só quer ser visto, ouvido e valorizado. Resolver o conflito aparente alivia a superfície. Mas olhar para o conflito real é o que cura de verdade.
Então, da próxima vez que seu irmão discordar ferozmente da política de dividendos, talvez valha perguntar:
“É sobre o dinheiro… ou sobre quem sempre foi mais valorizado?”
Falar é fácil, mas fazer…
Nem sempre ter esta postura é fácil ou possível, não é mesmo? Principalmente quando as emoções transbordam, as mágoas se acumulam e as palavras perdem o rumo.
O que muitas famílias empresárias mais precisam nestes momentos é de um espaço neutro, acolhedor e com profissionais orientados ao diálogo.
Seria a hora de contar com ajuda especializada da Mediação, enquanto método construtivo de resolução de conflitos?
Bom, isso é assunto para uma outra conversa.
E você, leitor?
Já viveu um conflito “aparentemente técnico” que escondia um drama emocional digno do Oscar? Afinal, se a empresa é familiar, a história é de todos — e o próximo episódio pode estar só esperando um bom roteirista (ou “Mediador”)