A questão sempre foi: de um lado o conflito, como vilão da história, a bagunça que atrapalha a ordem, o ruído que estraga a harmonia do relacionamento, e de outro lado a forma de solucioná-lo, quando apresentei a mediação como meio alternativo mais adequado para alcançar a eficácia na resolução de conflitos nas empresas familiares.
Porém, os conflitos não vão desaparecer. Ele é parte natural da vida. Mas reconheço que ninguém acorda de manhã e pensa: “Hoje eu quero um bom conflito às 14h, de preferência com argumento acalorado e reviravolta dramática”.
Ainda mais agora, quando vivemos numa época de enormes e aceleradas mudanças de todos os tipos, a exemplo do surgimento de novas tecnologias como a inteligência artificial, problemas econômicos, distúrbios ambientais, mudanças demográficas, só para citar algumas das mais importantes. E não há sinal de desaceleração, muito pelo contrário, as mudanças parecem ocorrer cada vez mais rápidas. Naturalmente, mais mudanças significam mais conflitos.
Então o conflito nunca será resolvido? Sim, e isso pode ser bom. Como eu já disse em outra oportunidade, é pelo conflito que aprendemos a viver, e por meio dele que crescemos e evoluímos.
A questão que trago agora é que o conflito, por si só, não é o problema. O problema são os danos causados quando encaramos o conflito de forma negativa. Ou seja, podemos optar entre travar uma guerra eterna com um conflito que não pode ser vencido ou optar por encará-lo de forma construtiva em nosso favor.
O antropólogo William Ury, cofundador do Programa de Negociação de Harvard e um dos principais especialistas em negociação e resolução de conflitos, em seu último livro intitulado “Possible: How We Survive (and Thrive) in a Age of Conflict” (em português: Sim, é possível: Sobreviver e Prosperar em uma era de Conflitos) destaca que encarar conflito de forma construtiva não é fácil, mas ressalta que ser difícil não significa, necessariamente, ser impossível. É preciso ter paciência e insistência. Uma tarefa pode ser difícil e, ainda assim, possível.
Então, a palavra de ordem agora é “Possivel”. Dizer que algo é possível não significa decretar o fim de toda divergência ou eliminar completamente a tensão. Em vez disso, significa interromper os ciclos destrutivos, encerrar o desgaste contínuo, a violência emocional ou física e as disputas que corroem relações e estruturas.
O conflito pode até permanecer como presença latente, já que é parte natural das relações humanas, mas o que se torna possível é conviver com ele de maneira mais saudável, construtiva e civilizada.
Conflitos interpessoais são, por natureza, densos, multifacetados e, muitas vezes, enraizados em experiências emocionais profundas. Tornar algo possível, portanto, é abrir caminhos onde tudo parecia fechado, é traçar novas rotas em terrenos que antes pareciam intransitáveis.
Trata-se de realizar pequenos movimentos, simples gestos de escuta, abertura ou reconhecimento, que, ao longo do tempo, produzem impactos significativos. O possível raramente surge como ruptura súbita. Ele se revela aos poucos, em processos graduais de transformação que exigem paciência, coragem e disposição para o diálogo.
Ser possível é, acima de tudo, acionar o que temos de melhor como seres humanos em momentos de desafio. É ativar nossas capacidades naturais, como a curiosidade genuína, a empatia autêntica, a criatividade diante do impasse e a colaboração consciente, para imaginar e construir soluções onde antes víamos apenas paredes. O possível é uma forma de inteligência relacional, em outras palavras, uma combinação de imaginação moral, escuta ativa e presença.
Nos momentos em que nos vemos encurralados, quando tudo parece estagnado ou sem horizonte, o possível surge como um sinal de vida. Ele representa a liberdade de pensar diferente, a oportunidade de reavaliar escolhas, a permissão interna para mudar de rota.
Mais do que uma resposta pronta, o possível é uma nova pergunta: “E se houver outro caminho?”. Nesse sentido, ele nos oferece não apenas alternativas concretas, mas também um espaço simbólico de recomeço.
A força do possível está, portanto, em sua capacidade de restaurar a esperança prática. Ele não idealiza a convivência, mas a reinventa. Reconhece a dor, mas também a capacidade de sua superação.
Por fim, o possível nos convida a acreditar que, mesmo em tempos difíceis, há sempre algo a fazer, a dizer e a propor. Acima de tudo, esse algo pode abrir a porta para o inesperado, para o pacífico, para o real.
Acredite. Sim, é possível!