Mulheres são maioria no direito, mas escritórios têm poucas sócias no capital

Ambiente jurídico deixou de ser ambiente exclusivamente masculino, mas mulheres ainda sofrem preconceitos
Mulheres são maioria na faculdade e em escritórios de advocacia - Freepik

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Ana Busch

Esperança. Esse é o nome que marca a história como sendo a primeira mulher advogada do Brasil. Em um campo historicamente dominado por homens, o cenário está gradualmente mudando, com mais mulheres entrando nos escritórios de advocacia. 

No entanto, estudos apontam que a representatividade feminina em cargos de liderança ainda é significativamente baixa, especialmente para mulheres negras.

De acordo com uma pesquisa conduzida pelo Women in Law Mentoring Brazil (WLM-BR) e divulgada em 2023, o número de mulheres sócias de capital permaneceu praticamente inalterado desde 2017, mantendo-se em 34%, apenas 1% dessas mulheres são negras.

“As mulheres, seja por aspectos naturais, seja por aspectos sociais, têm um papel importante de ‘cuidadoras’. Nós cuidamos dos filhos, da casa, da família, dos amigos, e, por que não, da sociedade? Essa característica é fundamental para um líder que pensa em fazer o bem”, declara Renata Simon, advogada há 20 anos.

Em uma entrevista exclusiva ao +QD, Renata compartilha insights sobre a evolução da participação feminina no direito, destacando desafios persistentes e o potencial transformador da liderança feminina.

+QD: O direito já foi um ambiente muito masculino. Em que medida esse cenário vem mudando?

Renata Simon: Esperança Garcia, negra, escravizada, mãe de dois filhos e separada do marido no interior do Piauí é considerada a primeira mulher advogada do Brasil, ainda no século 18, conforme oficializado recentemente pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Não poderia ser mais emblemático o seu nome ser esperança.

Ingressei na carreira há 20 anos, e no começo da minha carreira eram poucas mulheres na mesa de negociação. Era um mundo masculino. E isso de fato tem mudado. Há mais mulheres cursando direito que homens, e isso reflete no mercado de trabalho. De fato, essa fotografia mudou bastante de lá pra cá.

Hoje, a maioria dos estudantes de direito são mulheres, e elas também são maioria nos escritórios de advocacia. Porém, segundo a terceira edição da pesquisa sobre diversidade na advocacia, realizada pelo Women in Law Mentoring Brazil (WLM-BR), divulgada em 2023, o índice de mulheres sócias de capital ficou praticamente estável desde a pesquisa de 2017, em 34%, sendo que apenas 1% são mulheres negras.

Ou seja, há 7 anos o número de mulheres sócias de escritórios não cresce! E a participação de mulheres negras na alta gestão das bancas é praticamente inexistente. Precisamos mudar esse quadro.

+QD: Como a participação de mulheres na liderança de operações complexas, como, por exemplo, a de fusões e aquisições, agrega valor à resolução de desafios e à tomada de decisões estratégicas?

Renata Simon: Há um mito, suportado por alguns estudos tendenciosos, de que mulheres não negociam, não deveriam ou não sabem negociar.

A sociedade por décadas rotulou a mulher como o “sexo frágil” e, historicamente, as mulheres entraram mais tarde no mercado de trabalho e, consequentemente, na mesa de negociação. O homem traz historicamente a fama de melhor negociador pela óptica da assertividade. Porém, o perfil do bom negociador exige muito mais do que só assertividade. Essencialmente são 5 características que o bom negociador deve ter: Flexibilidade, Ética, Intuição Social, Assertividade e Empatia. E a mulher apresenta uma grande vantagem na maioria delas.

+QD: Na área de governança corporativa, de que forma a liderança feminina pode impactar positivamente na tomada de decisões relacionadas a integridade e ética nas organizações?

Renata Simon: Na minha opinião, o impacto positivo na tomada de decisões e governança corporativa deve ser feito a partir da diversidade da liderança, e aí não devemos só pensar sob a ótica da diversidade de gênero, mas também de raça, faixa etária, experiência profissional, cultural, entre outros. Quanto mais diverso o grupo mais esse grupo estará preparado para atuar para aumentar a inclusão e melhorar a governança do negócio. 

+QD: Falando um pouco mais sobre esse tema, que diferença vocês observam nos times mais femininos quando se trata de assuntos relacionados a ESG? 

Renata Simon: Estive recentemente num evento sobre o Dia Internacional das Mulheres em que a Luiza Trajano palestrou. Ela fez a seguinte pergunta para a plateia: “Vocês veem mulheres liderando as guerras do mundo?” 

Essa provocação é válida quando analisamos a importância das mulheres na liderança quando pensamos na implementação de práticas ESG. De fato, as mulheres, seja por aspectos naturais, seja por aspectos sociais, têm um papel importante de “cuidadoras”. Nós cuidamos dos filhos, da casa, da família, dos amigos, e, por que não, da sociedade? Essa característica é fundamental para um líder que pensa em fazer o bem.

+QD: Quando pensamos em direito internacional e em transações cross-borders, você acredita que a presença de mulheres nos times pode de alguma maneira apoiar na compreensão e na superação de desafios culturais e regulatórios únicos dessas operações?

Renata Simon: Acho pretensioso pensar que uma mulher supera o homem nesse quesito. Eu diria inclusive que há culturas em que a mulher é pouco valorizada e, portanto, a mulher pode ter dificuldades de negociar com pessoas (principalmente homens) dessas culturas.

Lembro que no início da minha carreira atendi um cliente de uma outra cultura. Estudei o caso, me preparei, estava pronta para arrasar na reunião, porém toda vez que eu falava, o cliente respondia diretamente para o meu chefe.

O cliente entrou na reunião sem me cumprimentar, em nenhum momento olhou ou se dirigiu a palavra a mim na reunião, e não se despediu. Foi como se eu não estivesse presente na reunião. Saí da reunião arrasada.

Eu sabia que a postura dele era enraizada na cultura do país que ele vinha, mas isso não deixou de me afetar, de duvidar da minha competência.  Passados alguns dias fui falar com meu chefe e disse a ele como aquilo me afetou e que se ele quisesse que eu ajudasse ele no caso teria que falar com o cliente sobre me respeitar, me ouvir etc.

E isso aconteceu de fato. Ele falou com o cliente e daquele momento em diante as coisas mudaram. Isso para dizer que é irreal imaginar que as mulheres não vão sofrer preconceito ao longo da carreira. Não à toa a doutrina deu nome aos comportamentos corporativos agressivos perante as mulheres: Masterrupting, Masplaining e Gaslight.

Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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