Cristiano Zanetta
No mundo corporativo, muitas decisões ainda são pautadas pela lógica predominante do lucro. Benefícios concedidos a funcionários, por exemplo, dificilmente nascem de gestos genuinamente altruístas; na maioria das vezes, resultam de estratégias calculadas para elevar engajamento e produtividade.
Porque revela como decisões guiadas por dever moral, e não apenas por lucro, fortalecem confiança, ética e impacto positivo de longo prazo, tanto no mundo corporativo quanto nas escolhas pessoais.
Por que isso importa?
Se a bússola moral das empresas fosse orientada por outros princípios, talvez o critério de escolha não se limitasse ao retorno financeiro, mas refletisse um compromisso mais amplo com o que é justo e adequado.
Esse dilema entre agir em benefício próprio ou cumprir um dever ético não se restringe ao ambiente empresarial, pois ele permeia a vida de cada indivíduo. Revela a mesma tensão que enfrentamos ao equilibrar a busca por interesses pessoais com a manutenção da integridade de nossas escolhas.
Interessa para líderes, empresas, profissionais e consumidores que buscam relações mais éticas, justas e sustentáveis, valorizando princípios que ultrapassam o interesse imediato e moldam a cultura organizacional e social.
Para quem isso interessa?
No fim, cada decisão tomada revela a prioridade de quem a faz e define o rumo de tudo ao seu redor, mostrando com clareza se o que move indivíduos é a busca pelo ganho ou a firmeza de princípios.
A ética do dever
Essa “tensão” não é nova. O filósofo Immanuel Kant já defendia que a moralidade está no agir por dever, não apenas em conformidade com ele. Para Kant, uma ação só possui valor moral quando realizada por obrigação ética, e não pelo cálculo de vantagens. Sua máxima “o dever implica poder” reforça que, se somos moralmente obrigados a algo, temos a capacidade de realizá-lo.
Essa visão contrasta com a lógica utilitarista que permeia o ambiente corporativo. Empresas que investem em sustentabilidade ou programas sociais apenas porque “melhoram a imagem” estão cumprindo o dever, mas não por dever. A ética kantiana nos convida a inverter essa lógica e adotar práticas responsáveis não porque geram lucro, mas porque são o certo a se fazer.
Pesquisas recentes em comportamento organizacional reforçam esse ponto. Um estudo publicado em 2024 no International Journal of Research Publication and Reviews intitulado “Considerações éticas no engajamento do cliente: equilibrando lucratividade com a confiança do consumidor” mostra que empresas que integram valores éticos de forma genuína em sua cultura, promovendo uma liderança ética autêntica, tendem a gerar maior confiança junto a consumidores e parceiros, com reflexos positivos de longo prazo, ainda que não imediatos.
O poder e seus riscos
O dilema entre agir por dever ou por interesse próprio pode ser observado em situações cotidianas que revelam muito sobre a moralidade de quem age. Um exemplo recente ocorreu durante o torneio de tênis da US Open de 2025: após uma vitória, o tenista polonês Kamil Majchrzak tentou presentear um jovem fã, identificado como Brock, com seu boné autografado.
No entanto, um espectador próximo, posteriormente identificado como Piotr Szczerek — CEO de uma empresa polonesa — tomou o boné das mãos da criança. O caso foi registrado pelas câmeras, divulgado, e viralizou nas redes sociais.
O ato gerou indignação, com muitos criticando Szczerek por sua atitude egoísta e desrespeitosa. Reconhecendo a situação, Majchrzak utilizou suas redes sociais para localizar Brock. Dias depois, os dois se encontraram, e o tenista presenteou o jovem fã com um novo boné autografado e posou para fotos com ele.
Esse contraste evidencia duas motivações distintas:
- Interesse próprio/poder: agir buscando benefício pessoal, prestígio ou controle, sem considerar o impacto emocional sobre os outros.
- Dever moral: agir guiado por convicção ética, reconhecendo e respeitando os sentimentos e direitos dos outros, independentemente de ganho pessoal ou reconhecimento.
Mesmo gestos simples, quando feitos por dever, refletem integridade e responsabilidade. Eles nos lembram que a motivação por trás da ação é tão relevante quanto o ato em si.
Da teoria à prática
Transformar esse dilema em prática organizacional exige rever métricas de sucesso. Mais do que resultados financeiros, importa considerar o impacto social e ambiental das escolhas. A liderança tem papel fundamental nesse processo, pois líderes que agem por dever inspiram comportamentos semelhantes em suas equipes, gerando um efeito cascata capaz de redefinir a cultura organizacional.
A pergunta que fica é se nossas decisões surgem do senso de dever moral ou apenas da busca por poder e lucro. Essa escolha define o caráter de cada um e o legado que deixaremos para a sociedade. Pequenas ações do dia a dia, muitas vezes invisíveis, são as que de fato consolidam nossos valores e podem, silenciosamente, transformar tudo ao nosso redor.