Renan Salinas
Em 2025, o contencioso corporativo girou em torno de uma nova moeda de defesa: a evidência digital. Não basta mais ter políticas, códigos e manuais. O que determina a responsabilidade jurídica da empresa é sua capacidade de demonstrar, em tempo real, que seus controles funcionam. Nesse cenário, Inteligência Artificial (IA) e Robotic Process Automation (RPA) deixam de ser escolhas tecnológicas e passam a integrar o próprio dever jurídico de diligência.
A LGPD consolidou esse princípio ao exigir responsabilização e prestação de contas, registros de operações de tratamento, medidas técnicas e administrativas de segurança, comunicação tempestiva de incidentes e programas formais de governança. As empresas precisam manter processos estáveis, atualizados e capazes de gerar prova. O grande ponto é que esse nível de rastreabilidade não se sustenta com fluxos manuais. No volume, na velocidade e na complexidade regulatória atuais, apenas automações e sistemas inteligentes conseguem garantir coerência, precisão e histórico.
Porque a responsabilidade jurídica das empresas deixou de depender de políticas formais e passou a depender da prova operacional de que seus controles funcionam. IA e RPA se tornam, portanto, instrumentos centrais de governança, conformidade e defesa jurídica.
Por que isso importa?
É exatamente esse o papel que IA e RPA passam a cumprir. Bots de automação conseguem manter inventários de dados atualizados, registrar acessos e ações, controlar retenção, padronizar fluxos e garantir que cada etapa deixe rastro. A IA complementa essa operação classificando informações, identificando dados sensíveis, monitorando comportamentos anômalos e gerando alertas preditivos. Na prática, a empresa passa a contar com um ecossistema de controles que funciona 24 horas por dia, reduz erros humanos e produz documentação imediata para auditorias, fiscalizações e incidentes.
Esse ponto é decisivo porque os reguladores já exigem velocidade e detalhamento que apenas automações suportam. A ANPD tem sido clara ao reforçar padrões mais robustos de comunicação de incidentes, com informações sobre natureza do evento, riscos, medidas aplicadas e evolução da resposta. Cumprir isso sem fluxos automatizados de detecção, classificação e reporte se tornou praticamente inviável.
O jurídico, que antes atuava na ponta, respondendo quando algo acontecia, agora precisa atuar na base, ajudando a construir sistemas que garantem previsibilidade e completude das informações.
O assunto interessa a qualquer empresa que pretende escalar ou receber investimento, especialmente startups e negócios de tecnologia que dependem de rodadas de captação, contratos com grandes corporações ou projetos internacionais. Também deveria preocupar conselhos de administração, CFOs e founders, que hoje são cobrados diretamente por falhas de privacidade e por contratos mal estruturados em auditorias e due diligences.
Para quem isso interessa?
Ao mesmo tempo, o uso de IA e RPA passa a dialogar diretamente com padrões internacionais de governança e compliance. A ISO/IEC 42001, primeira norma para sistemas de gestão de IA, formaliza a necessidade de controles monitoráveis, documentação estruturada, explicabilidade e avaliação contínua de riscos algorítmicos.
O NIST AI RMF reforça a ideia de governança viva, na qual riscos são mapeados, medidos e gerenciados com suporte de ferramentas técnicas. Já a ISO 37301, referência global em compliance, estabelece que controles só existem se forem demonstráveis e é justamente a automação que garante esse nível de robustez.
Tudo converge para uma mesma verdade jurídica: IA e RPA não são apêndices operacionais, mas componentes centrais da capacidade da empresa de cumprir e provar que cumpre a lei.
Elas tornam o programa de compliance em um sistema executável, que registra decisões, evidencia controles, dispara respostas e reduz o risco de responsabilização.
No fim, a mensagem para conselhos, jurídicos e áreas de conformidade é direta: a automação passou a ser uma decisão de gestão de risco jurídico. Empresas que incorporam IA e RPA constroem estruturas capazes de resistir a investigações, auditorias e litígios.
Em um mundo regulado por dados, o dever jurídico é, antes de tudo, um dever de rastreabilidade. E é a automação inteligente que garante que essa rastreabilidade exista, funcione e esteja disponível quando mais importa.
