Atingidos por apagão global da Microsoft podem pleitear indenização

Segundo o advogado especialista Fabio Pimentel, na relação de consumo, todos os agentes respondem solidariamente pelos prejuízos
Centenas de voos foram cancelados ou sofreram atraso ao redor do mundo - Freepik

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Ana Busch e Milka Veríssimo

Na última terça-feira, 17, um apagão global nos serviços da gigante Microsoft, provocado por uma falha no sistema de segurança da CrowdStrike Falcon – empresa que é líder mundial em soluções de cibersegurança –, deixou milhões de usuários ao redor do mundo sem acesso a ferramentas digitais, afetando sistemas como o Microsoft Office 365, Microsoft Teams e Azure. Centenas de voos foram cancelados ou sofreram atraso ao redor do mundo.

A interrupção, que afetou de pequenas empresas a grandes corporações, resultou em prejuízos significativos, causados por perda de dados, ou interrupção de operações.

O Departamento de Defesa dos EUA, a multinacional de tecnologia IBM e até mesmo a Nasa foram afetados.


Por que isso importa?

O tema é de extrema importância porque a interrupção dos serviços da Microsoft, uma das maiores fornecedoras de soluções tecnológicas do mundo impacta diretamente a vida cotidiana de milhões de usuários, tanto individuais quanto empresariais. A falha no sistema de segurança da CrowdStrike Falcon ainda expôs a vulnerabilidade das infraestruturas digitais, que são essenciais para a produtividade, comunicação e segurança de dados. 

Mas como recuperar os prejuízos? Para ajudar você a buscar seus direitos, o +QD conversou com o advogado Fabio Pimentel, especialista em direito do consumidor, direito econômico, tecnologia e inovação. Segundo ele, quem se sentir prejudicado pelo apagão tem direito a indenização. “Do ponto de vista de uma relação de consumo, todos os agentes da cadeia produtiva respondem solidariamente pelos prejuízos experimentados pelo consumidor.”


Para quem esse assunto interessa?

O tema interessa a consumidores e empresas que dependem de serviços da Microsoft para suas atividades diárias, comunicação pessoal e armazenamento de dados e para entidades governamentais e instituições que confiam na tecnologia da Microsoft para serviços públicos, segurança nacional e operações administrativas.

Profissionais de TI e segurança cibernética precisam entender as falhas de segurança para melhorar as defesas de seus sistemas e prevenir futuros incidentes, também são um público interessado, assim como advogados que podem orientar consumidores e empresas sobre seus direitos e medidas legais em caso de interrupções de serviço e prejuízos.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

+QD: Consumidores e empresas que tenham se sentido prejudicados de alguma forma pelo apagão na Microsoft podem ser indenizados de alguma forma? Quais são os direitos dos consumidores em casos como este?

Fabio Pimentel: É importante diferenciar consumidores e empresas. Essas últimas, em regra, não estão protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor, mas podem buscar reparação por meio do regime geral de responsabilidade do Código Civil. Porém, em ambos os casos, se ficar concluído que existe relação entre o evento do apagão tecnológico e os eventuais prejuízos experimentados, haverá o dever de indenizar. É uma questão de demonstrar a existência do prejuízo e a sua extensão. 

+QD: É possível buscar indenização diretamente da Microsoft ou da CrowdStrike Falcon por eventuais danos sofridos?

Fabio Pimentel: Sim. Do ponto de vista de uma relação de consumo, todos os agentes da cadeia produtiva respondem solidariamente pelos prejuízos experimentados pelo consumidor. Já no âmbito empresarial, a responsabilidade de cada uma das empresas deverá ser mensurada e, posteriormente, refletida em uma eventual responsabilização. Ou seja, cada empresa será penalizada de acordo com o seu grau de culpa. 

+QD: Nesse caso, que documentos e evidências são essenciais para buscar reparação por danos causados por falhas em serviços de tecnologia? É possível provar que os danos e prejuízos tenham sido causados pelo evento?

Fabio Pimentel: É recomendável que os atingidos guardem todo o tipo de evidência de que o evento causou prejuízos. Isso vai variar de acordo com cada caso concreto, naturalmente, mas podem ser desde screenshots de telas até e-mails de clientes reclamando pela dificuldade em acessar os serviços prestados por alguém que foi atingido pelo evento.

A gama de provas possíveis é grande, mas a lógica geral é documentar da melhor forma possível, de maneira a demonstrar o prejuízo e sua extensão, de forma transparente e razoável.

+QD: As empresas prestadoras de serviço que tenham sido afetadas também podem ser acionadas por seus consumidores, mesmo não tendo sido as causadoras do apagão?

Fabio Pimentel: Sim. Nesse caso, a responsabilidade dessas empresas é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa. Basta aos consumidores provarem que, em razão da falha da prestação de serviços por parte dessas empresas, foram prejudicados.

Porém, as empresas prestadoras, por sua vez, poderão agir contra as responsáveis pelo apagão. Há, portanto, uma cadeia de responsabilidades que termina nas causadoras do evento. 

+QD: Existem medidas preventivas que consumidores e empresas podem adotar para mitigar os impactos de falhas em serviços de tecnologia como o ocorrido?

Fabio Pimentel: Empresas que apoiem seu processo produtivo em tecnologia, como na maior parte dos casos atualmente, devem sempre cuidar de garantir que há redundância para os serviços críticos.

Isso acaba por encarecer o processo produtivo, claro, mas é a única saída para diminuir as chances de serem impactadas por eventos como esse. Há diversas empresas com planos robustos de redundância que se mostraram eficientes hoje.

Além disso, também é importante ter em conta que existem já no mercado diversos tipos de seguros para situações de crise tecnológica. Esses seguros também podem ajudar a reduzir os impactos econômicos de um evento excepcional.

No caso de consumidores é sempre mais complicado, pois não é razoável esperar que alguém tenha dois links distintos de internet em sua casa, por exemplo. Nessas situações, a reparação civil acaba sendo a maior garantia. 

+QD: Como a legislação brasileira de proteção ao consumidor e à privacidade de dados (como o Código de Defesa do Consumidor e a LGPD) pode ser aplicada em casos de falhas em serviços de tecnologia que resultem em prejuízos aos usuários?

Fabio Pimentel: Neste caso, apenas será aplicável a LGPD se houver violação de dados pessoais. O regime de responsabilização civil da LGPD pode ser aplicado tanto pela ANPD como pelos tribunais, ou seja, serve de base legal para responsabilizar empresas no âmbito administrativo e no âmbito cível.

Da mesma forma, a legislação consumerista também poderá ser aplicada para responsabilizar os infratores administrativa, cível e criminalmente.

É importante que todos os lesados acionem tanto os órgãos de defesa do consumidor, como os Procons e o Ministério Público, como a ANPD, na hipótese de ter existido violação de dados pessoais. 

+QD: Que medidas as empresas devem tomar para informar e apoiar seus clientes durante crises tecnológicas como essa?

Fabio Pimentel: Nestes casos, a transparência é um valor fundamental e deve nortear todas as comunicações. Por mais que eventos dessa natureza sejam prejudiciais às atividades econômicas, eles são esperados em um mundo cada vez mais digital.

Dar previsibilidade aos clientes, na medida do possível, também é importante. O cliente precisa entender o que aconteceu, as consequências e quando ele poderá voltar a contar com o serviço daquela determinada empresa. Se não for possível precisar isso, é recomendável que a empresa dê updates frequentes, conforme a situação for evoluindo.

Ana Busch

Ana Busch é jornalista, com mais de 30 anos de experiência em Redações e sócia do +QD. Em 1999, fundou a Folha Online, que dirigiu até a integração com a Redação do jornal impresso. Também foi Diretora de Redação da Bússola, na Exame. Fundou e dirige a TAMB Conteúdo Estratégico.

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