Randall Neto
Esta semana, um advogado trouxe para o palco da mais alta instância do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, um equívoco literário de proporções épicas: ele confundiu O Pequeno Príncipe com O Príncipe, de Maquiavel, durante sua sustentação oral. O erro, trivial para alguns e vergonhoso para outros, é mais que uma gafe. É um sintoma preocupante de algo mais profundo e corrosivo.
O contexto de polarização e ânimos recrudescidos
Antes de nos aprofundarmos nessa história peculiar, é crucial reconhecer o ambiente em que ela ocorreu. O Brasil vive uma época de intensa polarização política e social. Nesse cenário, a distorção de fatos, a intolerância ao pensamento divergente e os ataques pessoais tornaram-se, infelizmente, práticas comuns. Esse clima tem permeado todos os aspectos da vida, incluindo a esfera jurídica.
É nesse ambiente, já saturado de mal-entendidos e desinformação, que o erro do advogado em questão ganha um peso ainda mais significativo.
O despreparo que fala alto
Não estamos falando apenas de um deslize, mas de um reflexo claro de despreparo e falta de conhecimento básico. É como se um cirurgião confundisse uma artéria com um nervo. A literatura, sobretudo clássicos como Maquiavel, oferece subsídios para argumentações elaboradas e entendimento da natureza humana — qualidades indispensáveis em qualquer defensor.
Errar nesse ponto é praticamente levantar uma placa dizendo “não fiz o dever de casa”.
A falácia da falsa autoridade
O problema não seria tão grave se o advogado tivesse admitido que não leu nem um livro nem outro. O que deixa o incidente chocante é a audácia de argumentar com base em um conhecimento que claramente não possui. Tal atitude pode até enganar leigos, mas jamais passará incólume aos olhos de profissionais da área e, pior, de um colegiado de juízes.
O elefante na sala: o interesse do cliente
Em meio à confusão literária e ao debate sobre o preparo (ou a falta dele) do advogado, um elemento crucial é constantemente negligenciado: o cliente. O cenário ideal em qualquer tribunal é que a justiça prevaleça, com os interesses do cliente sendo defendidos com o maior vigor e competência possíveis.
Em um ambiente onde cada palavra pode ser decisiva para o destino de uma pessoa, um erro tão básico torna-se inaceitável.
Mais que uma simples confusão, o erro aponta para uma falha ética. O advogado, ao confundir duas obras tão distintas em conteúdo e significado, não apenas falhou em suas obrigações profissionais, mas também prejudicou a representação eficaz de seu cliente. Em um momento em que seu cliente mais precisava de uma defesa clara e robusta, o advogado forneceu um espetáculo de confusão e incompetência.
O “elefante na sala” aqui é a pergunta inevitável: quantos clientes estão sendo mal representados por profissionais que colocam a própria vaidade acima do dever de advocacia? E em um contexto mais amplo, quantos outros profissionais em diferentes campos estão fazendo o mesmo?
Vaidade x profissionalismo
Por fim, mas não menos importante, é hora de falarmos sobre vaidade, uma qualidade que pode ser tanto um motor quanto um obstáculo na carreira de um profissional. No incidente do Supremo, a vaidade não apenas atrapalhou, mas atropelou o profissionalismo. Enquanto o advogado talvez tenha ganhado seus 15 minutos de fama, seu cliente permaneceu na penumbra, sujeito às consequências do descaso profissional.
O episódio, ainda que caricato, traz à tona questões sérias sobre ética profissional, preparo e, acima de tudo, sobre o que realmente importa na prática da advocacia.
Que esse evento sirva como um alerta: a vaidade pode inflar o ego, mas nunca deve eclipsar o dever fundamental de um advogado — defender os interesses de seu cliente.