Existem no Brasil cerca de 1.3 milhões de advogados, ou seja, 1 advogado a cada 164 habitantes. Em 20 anos, esse número pode crescer significativamente, o que nos leva a refletir a respeito da preparação da próxima geração. Se pudéssemos avançar no tempo e conseguíssemos ver a profissão de advogados, o que será que testemunharíamos?
O grande salto tecnológico que a humanidade deu nesses últimos 15 anos foi exponencial. Mas, ouso dizer que a nossa evolução daqui para frente será ainda mais profunda. Não apenas no que diz respeito à tecnologia, mas essencialmente à mentalidade, aos interesses e às necessidades dos advogados e seus clientes. Nesse contexto, quais seriam, as habilidades esperadas de um advogado para o exercício da advocacia no futuro?
Não entrarei aqui nas discussões relacionadas à inteligência artificial aplicada ao Direito. Muito já se tem falado e escrito sobre os impactos da máquina no mundo jurídico. Meu enfoque é outro. Abordo a questão sob o ponto de vista estritamente humano.
Afinal, as leis ainda são feitas, aplicadas, cumpridas (ou descumpridas) pelo homem. Juízes e árbitros ainda julgam. Pessoas físicas e jurídicas ainda são autores, réus e contratantes. Advogados ainda defendem os interesses dos seus clientes. Ou seja, o ser humano ainda é o principal ator no complexo universo jurídico.
Contudo, tenho dúvidas se a prática jurídica de hoje tem dado a devida atenção às transformações em curso e tem se preparado para a nova era, em que princípios e valores mais “humanizados” como dignidade, ética, justiça, moral, segurança, equidade, liberdade, intenção e boa-fé passarão a desempenhar um papel cada vez mais relevantes nas relações jurídicas. Na contramão da grande maioria das pessoas, eu realmente acredito que entender e aplicar esses conceitos serão as habilidades mais valorizadas dos advogados nas próximas décadas.
Assim, o advogado da nova era…
1 – Deverá ser ético, justo e razoável. Não haverá mais espaço para advogados “guerrilheiros”. Manobras jurídicas e processuais serão fortemente condenadas. Demandas frívolas sem qualquer fundamento de mérito não mais serão admitidas. Contratos com a finalidade de prejudicar a contraparte serão invalidados. Inserir cláusulas intencionalmente desproporcionais entre as partes não serão mais aceitas nas negociações contratuais.
O advogado do futuro passará a preservar atitudes fundamentadas na honestidade e transparência, servindo de guardião dos mais fundamentais e elevados princípios gerais de Direito, persuadindo clientes a jamais se utilizarem de ferramentas jurídicas, indevidamente.
2 – Deverá ser equilibrado, colaborativo e bem-intencionado. Tudo isso surgirá a partir da construção de uma nova mentalidade, que não mais parte da visão de “ganha-perde”, mas sim de relações equânimes e ganhos mútuos. Os atores do mundo do Direito terão mais consciência sobre o valor da paridade e igualdades de direitos e obrigações nas relações jurídicas, porque perceberão que, no passado, profundas injustiças foram cometidas em nome de ganância e egoísmo.
Assim, o advogado do futuro saberá colocar limites e dizer não a atos jurídicos que não atendam à boa-fé e reciprocidade. Também respeitará as diversidades de opiniões e saberá conciliar interesses diversos, desenvolvendo respeito e compreensão em relação à opinião e posição da contraparte.
3 – Será mais consciente, criativo e intuitivo. Estará mais conscientizado da assunção de riscos, porque saberá das consequências irreversíveis de atos contrários às melhores práticas da ética e governança. Deverá, ainda, desenvolver alto grau de adaptabilidade e flexibilidade, para entender cada um de seus clientes de forma mais personalizada e humanizada.
Com uma mentalidade criativa, ajudará clientes a atingir seus objetivos, priorizando o senso de cooperação e igualdade de direitos e deveres entre as partes. O advogado do futuro também estará mais consciente da necessidade de prevenir conflitos, assessorando clientes a evitarem, a todo custo, o ajuizamento de processos, promovendo métodos pacíficos de conciliação.
4 – Passará a ser mais do que um solucionador de problemas. Será um cocriador da solução do problema jurídico ao lado dos seus clientes. O cliente deixará de simplesmente delegar o problema ao seu advogado para que ele, sozinho, encontre a melhor solução.
Esse processo passará a contar com a participação ativa do cliente em todas as etapas, para que não reste dúvidas de que todos os seus interesses e necessidades foram devidamente observados. Na relação advogado-cliente um senso de unidade e mutualismo será, portanto, construído, em que ambos trabalharão, em conjunto, para ultrapassarem os obstáculos apresentados no problema jurídico.
5 – Dará maior atenção à humanização das relações entre clientes e suas contrapartes, onde o foco será o entendimento das motivações e propósitos de todas as partes envolvidas. Tudo passará a ser pautado pelo espírito da lealdade e melhores intenções. Nessa nova dinâmica na relação advogado-cliente, o advogado ajudará seu cliente a considerar múltiplas visões a respeito do assunto jurídico, conferindo uma percepção mais expandida da realidade apresentada. O advogado do futuro ensinará a transmutar diferenças de interesses, crenças e convicções envolvendo todo os atores envolvidos em uma relação jurídica.
O cenário acima pode parecer utópico, mas quero acreditar que a advocacia passará por transformações significativas e os valores humanos voltarão a fazer parte importante das relações jurídicas, que passarão a ser mais colaborativas e humanizadas. Há quem entenda que essa visão seria demasiadamente romântica e contrárias às tendências rumo à robotização, mas eu ainda preferido acreditar na força da essência dos valores humanos.