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Descriminalização das drogas promove avanço civilizatório

Política de tratamento aos usuários deve ser vista pelo prisma da saúde, em vez de uma questão criminal
"Não há sentido algum em punir aquela pessoa que faz uso pessoal"
"Não há sentido algum em punir aquela pessoa que faz uso pessoal" - jcomp / freepik

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Renato Vieira*

O reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas significará um avanço civilizatório para o Brasil. Há várias décadas inúmeros países abandonaram a política de “guerra às drogas”, com respaldo em pesquisas empíricas e a constatação de que a política de tratamento aos usuários de substâncias entorpecentes deve ser vista pelo prisma da saúde, em vez de uma questão criminal.

Organismos internacionais como OEA e ONU já se manifestaram publicamente a respeito do insucesso que é a política pública que privilegia o encarceramento a partir do uso de entorpecentes. 

Além de uma questão de saúde pública, o julgamento da inconstitucionalidade do dispositivo que pune como crime o uso de substâncias entorpecentes para fins pessoais privilegia o direito de cada cidadão fazer o uso que bem entender de seu corpo, ou seja, respeita a autonomia individual e privilegia a liberdade de cada pessoa, tal qual se dá com outras situações nocivas à saúde individual, como uso de bebidas alcoólicas ou o tabagismo.

Saúde pública

Se a ideia da lei brasileira, que prevê como crime o tráfico de substâncias entorpecentes, é a proteção da saúde pública, não há sentido algum em punir aquela pessoa que faz uso pessoal, causando, se tanto, mal a si mesma. Isso já foi reconhecido, entre países vizinhos, só para citar dois, Colômbia e Uruguai há mais de dez anos, quando os respectivos Tribunais Constitucionais declararam inconstitucionais normas semelhantes.

No Brasil, a situação é ainda dramática porque a política de “guerra às drogas” é diretamente ligada à vergonhosa magnitude do número de pessoas presas, como dados públicos comprovam. Ou seja: além de respeitar o direito de autodeterminação de cada pessoa, o reconhecimento da inconstitucionalidade de se tratar como crime o uso de substâncias entorpecentes para fins próprios acarretará um desafogamento sensível do insuportável número de prisões no Brasil

Sem investigação

Isso deve ser enfatizado porque em crimes dessa natureza, praticamente inexiste investigação após as prisões em flagrante. Ou seja: há a abordagem policial, e uma gama de discricionariedade a respeito de quem se aborda (com a figura odiosa e conhecida de perfilamento racial, o que indica um corte claro que resulta no retrato da cor da maioria das pessoas presas no país, inclusive), como também da quantidade e tipo de substância entorpecente. Após a prisão em flagrante, nessas condições, o processo penal se define a partir das palavras de quem efetuou a prisão em flagrante e materialidade do que foi apreendido. 

Por fim, para se chegar a uma decisão sustentável, é salutar que se atinjam critérios objetivos indicativos de quais sejam as substâncias indicativas de serem tidas como para uso próprio, como adiantado pelo voto do ministro Luís Roberto Barroso, e como já havia inclusive sido sugerido em proposta de alteração do Código Penal, malograda pelo arquivamento do aludido projeto. A aferição pode ser feita por junta médica, a partir da relação de quantidade de determinada droga, para se avaliar se determinada quantidade é coerente com o uso individual de determinada pessoa.

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Renato Vieira

Renato Vieira é sócio do Kehdi Vieira Advogados e presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

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